A um mês das eleições, a caravana socialista liderada por António Costa continua a rodar na faixa da esquerda e sem dar quaisquer sinais de admitir guinar à direita. Depois do afastamento de Francisco Assis das listas de candidatos a deputados nas legislativas de 30 de janeiro próximo, e de António Costa não responder aos desafios, internos e externos, de manifestar abertura à ‘direita’ do PS, tudo aponta que a estratégia de campanha continue a fazer-se com um partido ainda e apenas virado para a sua esquerda.
Os socialistas – que prevêem gastar 2,45 milhões de euros em campanha, tornando-se nos maiores ‘gastadores’ em propaganda eleitoral – preparam-se a todo o gás para o sufrágio, principalmente depois de um Congresso do PSD ter solidificado Rui Rio como candidato oficial dos sociais-democratas a primeiro-ministro e alimentado a esperança nas hostes ‘laranjas’.
Para já, tanto áqueles que internamente apontaram uma recentragem do partido como melhor estratégia para continuar no poder (como Assis ou Manuel Alegre), como aos sociais-democratas que no Congresso da Feira lhe exigiram uma resposta sobre a abertura manifestada por Rui Rio para a viabilização de um Governo (do próprio Rio a Paulo Rangel, passando por Miguel Poiares Maduro), António Costa vai deixá-los sem resposta. Agora e até final.
Se o próprio primeiro-ministro, na sua primeira entrevista após o chumbo do Orçamento do Estado que provocou a dissolução do Parlamento e a convocação de legislativas antecipadas, não excluiu a abertura ao diálogo com o PSD, a verdade é que em momento algum admitiu negociar o apoio a um Governo do PSD. Antes pelo contrário, num cenário de sair derrotado a 30 de janeiro, Costa foi claro em afirmar que, nesse caso, deixará a liderança do PS.
E mais, o próprio partido tem-se dedicado a ‘acusar’ o desvio do PSD à direita. Ainda na passada segunda-feira, no rescaldo do conclave social-democrata, Duarte Cordeiro, presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS, não poupou nas críticas: «Se Rui Rio fosse coerente e não merecesse desconfiança aquilo que nos diz, quando tivemos as eleições dos Açores, nós verificámos uma coisa: quem ganhou as eleições foi o PS e, no entanto, não viabilizou um governo do PS, o que fez foi construir uma coligação com o Chega».
No Palácio de Justiça, em declarações aos jornalistas após entregar as listas de candidatos a deputados à Assembleia da República pelo círculo de Lisboa, Duarte Cordeiro afirmou que o PS tem «todo o direito» de desconfiar de Rui Rio, até «porque quando teve a oportunidade para fazer aquilo que agora propôs, ele não fez isso, o que fez foi uma coligação com o Chega».
Isto no dia a seguir a José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, ter também reagido ao discurso de Rui Rio no final do XXXIX Congresso do PSD. «O único partido que sempre deu provas de se entender mesmo com a extrema-direita foi o PSD quando aceitou o acordo com o Chega nos Açores», disparou o dirigente socialista, que não deixou claro qual é o plano de jogo do PS em caso de vitória do PSD sem maioria absoluta. Ainda assim, Carneiro não duvida de que liderança de Rui Rio «está a aproximar-se da extrema-direita e não do posicionamento político ao centro como o país precisa».
O ‘recurso’ ao ‘reformado’ Luís Paixão Martins
No núcleo mais duro de António Costa parece, de facto, não existirem dúvidas sobre o caminho a seguir, acreditando-se que a estratégia de ‘colagem’ do PSD à direita e de progressivo afastamento da possibilidade de entendimentos com ‘esse’ PSD é a que mais favorecerá a conquista de uma maioria reforçada (e se possível absoluta) tão desejada pelo líder socialista.
Aliás, terá sido nesse sentido que António Costa ‘convenceu’ Luís Paixão Martins a deixar a comodidade da sua reforma no interior do país para ‘ajudar’ na comunicação política e definição da campanha eleitoral que já está em marcha.
Para os mais próximos de António Costa, o líder sabe que as sondagens dão vantagem ao PS mas as incertezas são muitas: desde a evolução da pandemia às sondagens com percentuais elevadíssimos de indecisos que podem baralhar as contas.
Debates televisivos podem ser decisivos
Daí que a campanha eleitoral e, dada a pandemia, os debates televisivos entre os líderes partidários estejam a ser preparados com particular cuidado.
Recorde-se que, com o Parlamento com um número mais alargado de partidos nele representados, vão ser 36 os debates televisivos, começando logo no segundo dia do ano e estendendo-se até dia 15 de janeiro.
Uma verdadeira maratona, naturalmente com o confronto entre António Costa e Rui Rio a dominar todas as atenções. O frente-a-frente entre o primeiro-ministro e o líder da oposição está marcado para 13 de janeiro e será transmitido em simultâneo nos principais canais – os três canais generalistas em sinal aberto (RTP1, SIC e TVI).
Para os socialistas, esta será uma das ferramentas mais poderosas de António Costa, já que beneficia do facto de ter estado no poder nos últimos seis anos, com contas públicas controladas e sem grande contestação social. Ainda assim, esperam-se ataques à direita, mas também à esquerda, depois do abrupto ‘fim’ da denominada ‘geringonça’, com o chumbo da proposta de Orçamento de Estado para 2022.
Logo a 2 de janeiro, o líder socialista enfrenta o representante do Livre, o cabeça de lista por Lisboa Rui Tavares. Mas as temperaturas vão aquecer mais a 4 de janeiro, quando estiver frente a frente com o líder do seu antigo parceiro de ‘geringonça’ Jerónimo de Sousa, com quem as relações azedaram e muito nos últimos meses.
Aliás, foram os comunistas que ‘surpreenderam’ ao colocar em cima da mesa a hipótese de chumbar o OE – tal como acabou por acontecer – quando já eram a sua última esperança de viabilização.