Parte significativa daqueles que apoiaram Paulo Rangel nas diretas do PSD estão agora de armadura posta para defender Rui Rio. Assim o é porque estão, efetivamente, confiantes de que o líder tão contestado nos últimos anos, afinal, pode sair vencedor das eleições legislativas em janeiro.
A sensação, em parte fomentada pelas sondagens agora mais favoráveis, é a de que o PSD tem possibilidade de vencer as eleições não necessariamente por mérito próprio mas pelo desgaste acumulado com que o PS vai a sufrágio. Na São Caetano à Lapa, começa-se a comparar o caso de António Costa ao de Fernando Medina, notando que o primeiro apresentar-se-à a eleições tão desgastado como o segundo se apresentou em setembro em Lisboa – e que acabou por sair derrotado por Carlos Moedas contra todas as previsões. No partido, realça-se as semelhanças entre Rio e Moedas, encontrando na «falta de carisma» de ambos um eventual antídoto para combater os socialistas. Esperam, portanto, para Rio, um ‘efeito Moedas’. E esperam-no «genuinamente» unidos.
É que até aqueles que eram mais críticos de Rio são agora vistos dentro do partido com uma atitude colaborante, com sentido de Estado e de interesse público. Por sentirem que o PSD tem, de facto, possibilidade de ganhar as próximas eleições, procuram contribuir para criar a Rio condições para liderar o partido com estabilidade. Atribuem-lhe mesmo uma espécie de ‘cheque em branco’, que permita a Rio levar por diante o seu projeto, sendo que alguns estão até a ajudar a direção nesta campanha. Apesar da mensagem de unidade genuína (que, contudo, «não deve resistir a muitos choques») ser a mais ouvida, há, naturalmente, quem nela não acredite.
As ‘alternativas’ para uma solução de governo
Há quem entenda esta unidade como sendo de fachada, notando haver oportunismo no PSD sempre que se antecipam vitórias (uma vez que as «pessoas se movimentam por interesses»). Para uma fonte social-democrata ouvida pelo Nascer do SOL, Rio não conseguiu propriamente unir os críticos à sua volta: estes estão lá só para ver o que lhes cai na rifa – é o «cheiro a poder», um «clássico no PSD».
Há ainda quem esteja perto do poder só para se posicionar em caso de perda do rumo e de o líder ser forçado a abandonar o barco.
Por outro lado, mesmo em caso de vitória, sendo muito improvável o PSDalguma vez chegar à maioria absoluta, também se mantêm as dúvidas.
À direita, poderá ter de coligar chegar a um acordo com o Chega – o que trará muitos e variados problemas –; e, à esquerda, terá que negociar com um PS eventualmente liderado por Pedro Nuno Santos, ou seja, ainda menos ao centro do que o de Costa. Isto porque, caso o PSD saia vencedor, António Costa já disse que abandonará a liderança do PS e Pedro Nuno Santos é o mais bem colocado para uma eventual sucessão (ainda para mais depois da aprovação do plano de restruturação da TAP por Bruxelas).
No PSD, vigora a ideia de que o principal fator que poderá contribuir para uma vitória de Rio é o facto da conjuntura ser-lhe favorável: ou seja, o PS apresentar-se a eleições com um Governo e um primeiro-ministro desgastados.
E de onde virá este desgaste? Para os sociais-democratas, poderá vir, sobretudo, de uma eventual má gestão desta última fase da pandemia. Acontece que estes dados só poderão ser realmente avaliados pelos portugueses em meados de janeiro, ou seja, pertíssimo das eleições. A maneira como Costa e seu Governo gerirem esta fase será a verdadeira ‘prova dos 9’ para o sufrágio legislativo. Costa deve procurar um balanço: tanto não pode cair na inércia como deve evitar exagerar nas medidas restritivas de uma população já suficientemente cansada. Se falhar nesta missão, Rio sai beneficiado. É-lhe, por isso, alheio um dos fatores que mais poderá fazer campanha a seu favor para as eleiçõe de 30 de janeiro.
Ainda assim, e apesar do principal ponto que poderá jogar a seu favor não estar nas suas mãos, os sociais-democratas acreditam que uma campanha focada em três pontos fará a diferença: o Sistema Nacional de Saúde, a Educação e a situação económica.
Há, ainda, quem acuse o seu líder de «trazer um discurso muito abstrato», que não se traduz em coisa concretas e imediatamente percetíveis pelo eleitorado. Para alguns sociais-democratas, Rio falha em não traduzir em termos concretos, palpáveis, o que o PSD fará de diferente em relação ao PS.
Montenegro mais junto a Rio
Um facto que o Congresso ajudou a revelar é que o antigo e principal adversário interno do atual líder, Luís Montenegro, entrou em clara rota de convergência com Rui Rio. Facto que foi notado logo no primeiro dia da reunião dos sociais-democratas na Feira. O espinhense, que foi tombado por Rio nas diretas de 2020, mostrou-se disponível para ajudá-lo, saindo publicamente da ‘toca’ em que se havia ‘enfiado’ há quase dois anos: «Acho que esse período [de recato] acabou. Não vejo necessidade de ele se prolongar», disse o antigo líder parlamentar de Passos Coelho.
Montenegro passou de imediato para a mobilização e apelo à unidade, afirmando que iria estar «empenhadíssimo» para disputar as próximas legislativas e garantindo ainda que iria fazer campanha ao lado de Rio. No seu entender, os portugueses irão, no próximo dia 30, «tirar o tapete» a António Costa, enviando-o para «outras paragens». Nesse sentido, apelou para que Rio aproveitasse o Congresso para mostrar aos portugueses «aquilo que é o quadro no qual nós vamos disputar estas eleições», ou seja, «aquilo que são as orientações principais do partido na campanha eleitoral e, naturalmente, motivar o partido para, de uma forma coesa e unida, enfrentar esse processo».
Ao que o Nascer do SOL apurou, esta convergência entre Montenegro e Rio já vinha de trás. Não obstante a esmagadora maioria das tropas de Montenegro terem estado ao lado da candidatura de Paulo Rangel, houve uma manifesta aproximação entre ambos, nomeadamente por intermediação de Salvador Malheiro, um dos homens do inner circle de Rio.
Daí que Rio tenha sondado Montenegro para encabeçar a lista do partido ao círculo eleitoral de Aveiro e de ter colocado Joaquim Pinto Moreira – antigo Presidente da Câmara de Espinho (mandato terminou em 2021) e homem próximo de Montenegro – em lugar elegível nas listas pelo Porto.
Pinto Luz marca diferença
Quem se destacou em Santa Maria da Feira como única voz disruptiva, traçando um perfil mais crítico de Rio, mas sublinhando a sua lealdade e comprometimento na campanha eleitoral que se avizinha foi Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara de Cascais. Oficialmente separado da ala montenegrista – tanto que apresentaram listas diferentes para o Conselho Nacional, sendo que a sua só ficou atrás da de Rio –, Pinto Luz conseguiu assim consolidar-se como o rosto da oposição interna no PSD.
Pinto Luz, que se candidatou ao partido em 2020 contra Rio e Montenegro (ficando em último), aproveitou o palco que o Congresso lhe deu para criticar a liderança de Rio: «Há sempre um inimigo que nos persegue (…) Quando não há inimigo, inventa-se um. Sou do tempo em que os líderes do PSD juntavam, em que a lealdade era conquistada passo a passo». Preocupado com o futuro do partido – e talvez marcando terreno para essa altura –, atirou: «Se alguns estão preocupados com as sobras de António Costa a 30 de Janeiro, eu estou preocupado com as sobras do nosso partido daqui a três anos».