O Tribunal de Contas (TdC) analisou a celebração de 96 contratos ao abrigo de medidas especiais de contratação pública, que envolveram um montante global de 5 620 177,72 euros e a conclusão foi arrasadora. Grave deficiência de fundamentação (em regra, não foi suficientemente explicitada a necessidade que se visava satisfazer com a contratação e nada se referiu em concreto quanto à justificação para a escolha das entidades a convidar e quanto à fundamentação e justeza do preço); não comprovação suficiente do financiamento das despesas inerentes aos contratos, seja financiamento europeu ou nacional; eventual fracionamento de contratos, em especial no domínio dos ajustes diretos simplificados são alguns dos problemas detetados.
Mas as fragilidades não ficam por aqui. A identidade liderada por José Tavares aponta ainda para a existência de eventuais favorecimentos de adjudicatários e potenciais conflitos de interesses; deficiente execução dos contratos, a qual não foi garantida por caução nem mesmo em contratos de maior duração (93 dos 96 contratos foram outorgados sem prestação de caução, o que significa que 79,9% do valor total contratado não apresenta garantias que respondam pelo eventual incumprimento total ou parcial).
O TdC diz ainda que dos 96 contratos comunicados representam apenas 0,43% do número total de contratos públicos de valor inferior 750 mil euros registados no portal BASE no mesmo período (22420), “o que indicia um grau de aplicação deste regime muito pouco significativo”, o que no seu entender, representa um “baixo grau de aplicação das medidas especiais” e que “apontam também para um elevado incumprimento do dever de comunicação dos contratos ao Tribunal de Contas (em 237 contratos classificados como medidas especiais de contratação pública, 203 não terão sido comunicados)”.
E mesmo nos contratos remetidos, a entidade garante que 30,2% foram enviados fora do prazo estabelecido, embora, na sua maioria, com um atraso inferior a 10 dias. A instituição lembra, no entanto, “que a comunicação é uma condição de eficácia dos contratos, independentemente da sua redução ou não a escrito”, acrescentando que “o não cumprimento da pode constituir infração financeira, seguindo-se agora a identificação e aprofundamento dessas situações”.
O TdC refere ainda que os contratos em causa foram em 51% dos casos outorgados por entidades da administração local, embora o maior montante contratado (34,6%) se situe no setor empresarial do Estado. “Não foi reportado nenhum caso nas entidades das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Em 33 dos 96 contratos, os intervenientes (adjudicante e adjudicatário) estão situados na mesma localidade”, referindo também que “a grande maioria dos contratos remetidos (77,1%) insere-se na execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, o que representa cerca de 50% do valor contratado”.
Risco para perda de verbas
E os alertas não ficam por aqui. “A principal consequência da aplicação das medidas especiais de contratação pública é o alargamento da utilização de procedimentos não concorrenciais. No universo de contratos comunicados, é clara a predominância do ajuste direto simplificado e da consulta prévia simplificada, que abrangem 95,8% dos casos e 89,4% do montante. Por via da aplicação das medidas especiais, 20,8% dos contratos, representando 72,8% do montante, deixaram de ser submetidos a um procedimento aberto à concorrência”.
A entidade chama ainda a atenção para o facto de em 17 dos procedimentos, apesar de terem sido convidadas pelo menos cinco entidades a apresentar proposta, só uma ou duas o fizeram.
E vai mais longe: “A dispensa generalizada da obrigação de adotar procedimentos concursais se afasta dos princípios constitucionais e administrativos aplicáveis na ordem jurídica portuguesa e do entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de que os princípios dos tratados europeus também se aplicam a contratos abaixo dos limiares para aplicação das diretivas europeias de contratação pública, não estando também em linha com as boas práticas e com as recomendações internacionais em matéria de contratos públicos. A instituição adverte ainda para o risco de perda de financiamento europeu, caso as desconformidades se confirmem nos casos concretos ou não sejam asseguradas avaliações de custo benefício exigidas pelos regulamentos europeus”.