O que se pode esperar da economia portuguesa?
Segundo as projeções do FMI teremos crescido 4,4% em 2021 e poderemos crescer 5,1% em 2022. Parece bom, mas não nos podemos esquecer que tivemos um rombo monumental em 2020, o ano da covid. Portugal foi das economias mais afetadas pela pandemia, mesmo comparando com os países do Leste. E porquê? Porque estávamos muito dependentes do turismo e como este colapsou, a economia portuguesa foi mais afetada. Quando se vê as previsões do FMI pode parecer um resultado espetacular, mas ainda é o efeito base face ao trambolhão que levámos em 2020, mas mais importante que isso, é que Portugal é o segundo país da OCDE com a maior queda económica face a 2019. Se comparar o ano de 2021 face a 2019 tivemos uma queda de 4,15% e Espanha 6,8%. São os dois países da OCDE com a maior queda económica. E apesar de termos tido algum crescimento em 2021 ainda não chega para compensar o grande trambolhão que demos em 2020 e há outras projeções feitas recentemente que mostram que, entre o quarto trimestre de 2019 e o terceiro trimestre de 2021, Portugal registou uma queda de 2,2% e Espanha 6,6%. Apesar dos números do FMI parecerem razoáveis vamos ter um PIB inferior a 2019.
A pandemia e custos extras baralharam as contas?
Isso mostra a fragilidade e a falta de capacidade de recuperação da economia portuguesa. A Irlanda aparece em primeiro lugar com um crescimento espetacular na ordem dos 22% em 2021 face a 2019 e a Irlanda também teve covid. Isto mostra a fragilidade da economia portuguesa, que não tem a capacidade de recuperação que tem a Irlanda, que é um país que comparávamos dentro da zona euro. Também preocupante são as projeções do FMI para 2023 e 2024 ao apontar para crescimentos mais baixos: 2,5% e 2,4%, respetivamente. Vamos voltar novamente a crescimentos anémicos, sem esquecer qual tem sido a posição de Portugal no PIB per capita em paridade de poder de compra. Se comparar com os 28 países europeus, em 2000 estávamos na 15.ª posição, em 2005 na 17.ª, em 2010 tínhamos descido para a 19.ª, mantivemos em 2015 a 19.ª e em 2019 já descemos para a 20.ª posição. Em 2021 passámos para a 22.ª posição e as previsões para 2026 fazem-nos passar para a 23.ª posição. Portugal continua a descer no ranking do PIB per capita em termos de paridade de poder de compra. E as projeções do FMI já têm em conta o plano de Recuperação e Residência, o que mostra que não houve reformas estruturais do país que permitissem mudarmos de vida.
Por falta de vontade do Governo?
Houve falta de vontade de fazer reformas e o PS foge das reformas como o Diabo da cruz. Cavaco Silva disse recentemente que o PS tem alguma resistência em fazer reformas e essas têm um conjunto de aspetos que o PS nem sequer toca no programa eleitoral: uma delas diz respeito à captação de investimento direto estrangeiro que estimula o investimento privado, outra é a necessidade de termos um sistema de Justiça mais credível que acabe com a tremenda incerteza jurídica que temos, assim como termos uma organização pública mais moderna, mais transparente, mais eficiente e menos sujeita à partidarite política e de termos um sistema fiscal que respeite a equidade no plano interno e externo e que seja estável. Por exemplo, o Governo da ‘gerigonça’ acabou com o acordo que havia entre o PS e o PSD feito pelo Governo de Passos Coelho para reduzir o IRC. Este crescimento anémico e a ausência destas reformas mostram que a maioria política que tivemos em seis anos não teve vontade política e o país continuou quase a patinar, pois terá tido um crescimento económico – entre 2001 e 2019 – um PIB a crescer 0,4 ou 0,5% ao ano. Em relação ao futuro não me parece que as coisas melhorem, a menos que mudássemos de vida e mudar de vida significava, a meu ver, uma nova maioria política nas eleições a 30 de janeiro.
E em troca da aprovação do Orçamento do Estado, o Bloco de Esquerda queria reverter algumas das reformas impostas pela troika. Foi positivo o OE ter chumbado?
Acho que foi muito positivo. O que aconteceu? Nos primeiros tempos, a ‘gerigonça’ entendeu-se em algumas medidas, mas agora o BE e PCP exigiam já não só medidas orçamentais, mas também económicas. A alteração da legislação laboral era um dos aspetos mais chocantes dessas exigências e para fazerem passar o Orçamento iriam aumentar a rigidez na economia portuguesa à revelia de tudo, ou seja, das tendências mundiais. Felizmente o Orçamento chumbou. Não só o Orçamento era mau como tinha medidas que iriam afetar muito a economia. Por exemplo, a despesa primária e a despesa pública sem juros de dívida pública subiu, desde 2016, 17 mil milhões de euros. E a despesa com pessoal nos últimos cinco anos também subiu. Houve um aumento impressionante de encargos que temos para o futuro em termos de despesa pública e de despesas com pessoal e depois vê uma melhoria dos serviços da administração pública, como o SNS ou o sistema de Justiça? Devíamos ter um Estado mais moderno, mais eficiente, mais rápido, mais transparente, mas isso não acontece. Todos se queixam que as coisas estão cada vez piores, mas isso não foi por falta de dinheiro porque houve um aumento impressionante da despesa. Foram seis anos totalmente desperdiçados do plano económico porque não se fizeram reformas estruturais e o plano orçamental foi agravado de forma muito perigosa para o futuro.
Mas a covid exigiu um aumento da despesa…
Estou a falar desde 2016. Não estou a falar dos últimos dois anos. O que o Governo fez? Para ter o apoio da esquerda fez grandes aumentos da despesa pública corrente que foi compensada com forte corte de investimento público. E a vida ainda foi facilitada porque os juros da dívida pública baixaram muito graças à política do BCE e o Governo foi assim compondo o Orçamento até ter conseguido, em 2019, apresentar um pequeno saldo orçamental. Estes números mostram que houve uma despesa pública corrente que aumentou de forma impressionante e que veio para ficar, mas foi a maneira que o Governo teve de conseguir os acordos à esquerda. Se as medidas exigidas pela esquerda tivessem ido para a frente teria sido muito prejudicial para a economia, felizmente o Governo não cedeu. Fala-se muito em estabilidade política, mas para mim estabilidade política é um meio e não um fim. Se essa estabilidade política não está ao serviço de uma política económica-financeira correta para que vale a estabilidade política?
O crescimento económico dependerá do resultado político das eleições?
Toda a gente sabe e os manuais de economia já dizem isso que a política evolui com o funcionamento da economia. Há um livro célebre Why Nations Fail – Porque é que as eleições falham – e diria que se é para manter a mesma política dos últimos seis anos obviamente que vamos continuar a empobrecer alegremente, a descer no ranking europeu, a ter crescimentos baixos e não vejo com o atual PS nenhuma vontade política de alertar este estado de coisas e de fazer as famosas reformas estruturais. E algumas delas nem custam dinheiro. Há um caso que que para mim é chocante: O PRR vai gastar muito dinheiro na administração pública, em digitalização, mas não vejo nenhuma transformação digital, o que vejo é dinheiro para gastar na compra de computadores. Ou seja, vamos digitalizar o mau funcionamento que existe. Transformação digital implicava uma engenharia de processos que obrigaria obviamente a reafetar pessoas. Se há casos em que há pessoas a mais, essas deviam ser colocadas nos serviços onde há falta. É o caso, por exemplo, do SNS que tem gente a menos.
Seria uma medida pouco popular em tempo de eleições…
Quando o PRR foi feito e esta medida foi anunciada pelo PS nem se pensava que ia haver eleições. Não vê na digitalização da administração da função pública esta ideia de transformação digital. Vê dinheiro do PRR se calhar para comprar computadores e fazer ligações à internet, mantendo o mesmo tipo de funcionamento só que mais digitalizado. Percebo perfeitamente que, em anos de eleições não se queira falar disso, mas quando o PRR foi desenhado ninguém pensava nisso.
O PRR foi alvo de fortes críticas…
É mais uma lista de investimentos públicos que não foram feitos por razões de pressão do défice: aumentou-se a despesa corrente, cortou-se o investimento público e agora aproveita-se o PRR para fazer os investimentos, alguns até podem fazer sentido – não discuto isso – mas que não foram feitos no devido tempo nos exercícios orçamentais.
Com o Governo gestão poderá haver algumas dificuldades no acesso às verbas do PRR?
Tenho lido várias teses, o que me parece é que não dificultará por uma razão: não há uma afetação orçamental para a execução do PRR. Não me parece que a ausência do Orçamento dificulte o PRR porque é um programa extraordinário que não exige proposta orçamental. Se fosse um quadro financeiro plurianual acho que a questão se poderia pôr.
Disse que, em seis anos, o país praticamente estagnou. Este PS mostra que não tem condições para saber aproveitar uma maioria absoluta em prol do desenvolvimento económico do país?
Fiz parte do primeiro Governo minoritário de Cavaco Silva, que depois pediu aos portugueses uma maioria absoluta e os portugueses deram-na. Reconheceram que tínhamos uma estratégia económico-financeira para desenvolver e fazer crescer o país e a maioria absoluta iria ser naturalmente um bom instrumento, um meio que o povo português dava a Cavaco Silva para que pudesse continuar e a desenvolver aquilo que tinha anunciado no Governo minoritário para a prossecução de políticas corretas para o desenvolvimento económico e social do país. Neste caso o que se passa? Vemos um PS que esteve seis anos no Governo que não resolveu problema nenhum, agravou os problemas de despesa pública, na economia não resolveu nenhum problema, mesmo tendo uma conjuntura extraordinária, com o preço do petróleo baixo, com taxas de juro baixas devido ao BCE e com a expansão do turismo. Tudo isto não foi aproveitado para fazer reformas estruturais no país. Dir-me-á que nestes últimos dois anos tivemos a pandemia, mas a pandemia não afetou só Portugal, afetou todos os países. Um partido que esteve seis anos no Governo e que não aproveitou uma conjuntura externa fabulosa que tivemos antes da covid para resolver algumas das mazelas estruturais da economia portuguesa não é credível para pedir maioria absoluta. Para quê? Para ter o mesmo tipo de políticas? A maioria absoluta não é um fim é um meio. Se visse o PS com essa capacidade de fazer reformas estruturais obviamente que achava bem que pedisse a maioria absoluta, mas não o vejo com essa capacidade. Um fim é ter uma política económica-social que melhore a vida dos portugueses.
E acha que os portugueses vão dar essa maioria?
Não acredito que deem maioria absoluta ao PS. Acho também que há uma grande recuperação do PSD e está-se a aproximar muito do PS, agora quem é que vai ganhar não sei dizer. Mas não é só essa questão que é importante. Também é importante ver onde é que vai haver maioria. Se vai ser uma maioria parlamentar à esquerda ou à direita.
Rio já disse que apoiava o PS se este fosse o partido mais votado…
A disponibilidade que Rui Rio mostrou não tem infelizmente para o país reciprocidade do lado do PS. Até vou mais longe: Não conheço nenhum líder do PSD que tenha sido tão colaborativo, tão disponível nos acordos com o PS, sem este nunca lhe ter ligado nenhuma. Não conheço na história do PSD a quem tenha acontecido isto. António Costa desperdiçou ingloriamente para o país quatro anos de um líder do PSD que se mostrou sempre totalmente disponível para colaborar com o PS e António Costa nunca quis essa colaboração. Não acredito que agora haja essa reciprocidade de António Costa. Rui Rio mostra essa disponibilidade com grande sentido nacional e acima dos interesses partidários caso o PS fique em primeiro lugar.
O PSD votou mais leis ao lado do PS na última legislatura do que os partido de esquerda..
O que acho espantoso e parece que as estatísticas parlamentares mostram isso é que, apesar de tudo, o PSD teve muitas vezes disponível para colaborar com o PS. Nos tempos de Governo de Cavaco Silva até conseguimos negociar uma revisão constitucional com o PS de Vítor Constâncio.
O PSD pode fazer acordos à direita…
O cenário que gostaria de ter era o PSD em primeiro lugar e uma maioria parlamentar de direita. Pelos debates que já houve é evidente que o PSD conseguirá entender-se com o CDS e com a Iniciativa Liberal em termos de acordo de Governo. Com o Chega, Rui Rio já mostrou a sua estratégia: vai ser chamado às suas responsabilidades para ver se viabiliza ou se se opõe a um Governo de centro de direita.
No caso dos Açores foi possível…
O PSD Regional tem autonomia e o que se passa ao nível regional pode não se passar ao nível nacional. Gostamos muito de falar em autonomias regionais mas depois também é preciso ser coerente e consequente com essas autonomias regionais. O Governo regional tem uma autonomia em relação ao PSD central e aquilo que se passa nos Açores não sei se é repetível a nível nacional. E André Ventura começou por dizer que só viabilizaria um Governo de centro direita se houvesse a tal maioria de direita no Parlamento e se entrasse no Governo, agora parece que está mais moderado. Não sei qual vai ser o comportamento do Chega, mas Rio já disse que se o PSD for o partido mais votado obviamente que tenta formar Governo e depois o Chega terá de assumir as suas responsabilidades e aí logo decide se viabiliza ou não um Governo de centro direita em Portugal que é essencial para tirar o país do impasse estrutural em que está.
As contas podem baralhar se for o PS mais votado..
As dúvidas estão sempre do lado do PS. Rui Rio está sempre disponível para colaborar com o PS mas nunca viu o PS disponível para colaborar com o PSD. E daquilo que Rui Rio se disponibilizou para fazer fá-lo-á certamente porque é um homem sério e de palavra, mas acho que o PS não irá ter essa disponibilidade se o PSD for o partido mais votado.
O que achou do debate entre os dois?
Rui Rio pareceu-me bastante incisivo, bastante acutilante e, de todos os debates que vi do líder do PSD, foi a sua melhor prestação. Não cometeu erros e mostrou que tem uma estratégia clara e diferente do PS, já que a do PS é continuarmos a descer em termos económicos a nível europeu. E mostrou-se bem preparado, não tendo a experiência de Governo de António Costa, mostrou nos dossiês em que abordou uma grande preparação para as discussões que até foram mais técnicas do que políticas. Mas António Costa como habilíssimo que é aproveitou para ser o último a falar para acabar com uma grande demagogia porque quando fala do crescimento económico do seu Governo face ao anterior esqueceu-se de dizer que o crescimento económico do Governo de Passos Coelho esteve limitado por causa da bancarrota criada pelo Governo socialista.
Pode ajudar quem está indeciso?
Acho que o eleitorado do centro que estivesse indeciso pode ajudar favoravelmente em relação a Rui Rio. Veem um homem do PSD que também pode ser primeiro-ministro.
Como vê a ideia sugerida por Rui Tavares em criar uma PAN Gerigonça?
O Livre como se viu pelo debate com António Costa candidatou-se a um emprego no PS. Achei imensa piada à fase em que o PS andava a vender em Bruxelas que não precisaria tanto do Bloco de Esquerda para viabilizar o Orçamento porque tinha o PAN que era mais gerível. Tudo isso para dizer que não estava na mão da extrema-esquerda como alguns pensariam. Agora esta seria um gerigonça mais alargada, em que inclui o Livre que é uma cisão do Bloco Esquerda, embora seja mais europeísta do que o BE porque Rui Tavares defende a União Europeia e entra também o PAN. Mas não sei, depois do comportamento que António Costa teve com Jerónimo de Sousa no debate não sei se é fácil reconstituírem o núcleo duro da gerigonça.
Agora com Jerónimo de Sousa afastado da campanha..
Lamento o problema de saúde do líder do PCP e desejo-lhe uma rápida recuperação, mas obviamente que as coisas não estão famosas para o PCP. Nem para o PCP, nem para o Bloco de Esquerda depois de terem chumbado o Orçamento do Estado. A lógica agora de António Costa é captar o voto útil no PCP e no Bloco de Esquerda.
Os debates pouco ou nada falam das questões económicas..
Nada, nada. Não vi todos. Vi, por exemplo, o de Rui Rio com Catarina Martins, em que Rui Rio ainda tentou enunciar algumas questões económicas, mas com aquele formato só os soundbytes é que passam e as discussões de fundo não. Vi o debate de Rui Rio e de Cotrim Figueiredo e, do ponto de vista económico, foi esclarecedor, em que foram abordadas questões importantes do país. O PSD mostrou uma atitude responsável em termos orçamentais ao propor uma redução do IRC mas faseada, pois poderá estimular a economia através de um aumento de receita para, numa segunda fase, reduzir os impostos. Já a proposta da Iniciativa Liberal, nesse aspeto, é mais arriscada ao defender uma redução abrupta de impostos. A proposta do PSD é mais responsável e em termos de modelo económico é mais correta: primeiro reduz às empresas e só depois aposta na redução do IRS, daí o PSD apontar para 2025 e para 2026 essa redução. Já o CDS propõe imediatamente a redução do IRC para 19% e depois para 15%. Os partidos CDS, IL e PSD concordam que haja uma redução de impostos, quer do IRC, quer do IRS, só que o PSD é mais prudente. Também acho muito bem vista a proposta do PSD na redução do IVA na restauração porque o setor está numa situação dramática. Mas quando ouço o secretário de Estado-Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, a dizer que não queriam fazer a redução do IRC porque aumentava o lucro das empresas fico espantado. Como é que em 2022, o PS ainda tem uma lógica de não gostar das empresas com lucro? Essas declarações mostram a visão do PS que não quer a redução do IRC das empresas porque não quer que tenham lucro ou porque pensa que depois é mal aplicado. Mas sem lucro não há empresas saudáveis e sem empresas saudáveis não temos melhores salários, não temos mais investimento, nem mais crescimento. O lucro é uma questão fundamental na economia. O PSD ao propor primeiro uma redução do IRC nas empresas – em coerência com o que o Governo de Passos Coelho negociou com o PS – está a ser de grande realismo económico de apostar nas empresas e, a partir daí, a economia cresce e vamos depois também tratar das famílias, reduzindo o IRS na segunda fase. Claro que admito que se isto não for explicado seja mais simpática a proposta do PS de maior redução às famílias e de não redução às empresas. Mas em termos de modelo económico, o que faz sentido é o modelo do PSD. E há outro aspeto chocante da visão do PS que é a questão dos salários. Temos um salário mínimo nacional que anda nos 665 euros, a mediana dos salários anda nos 850 euros, 30% dos trabalhadores ganham menos de 650 euros e cerca de 60% menos do que mil euros. Isto é uma realidade chocante dos salários baixos em Portugal. É evidente que por via política ou administrativa o PS propõe aumentar o salário mínimo. O que está a fazer? Está a transformar Portugal num país de salários mínimos, porque não é por via pública ou administrativa que vai aumentar o salário médio dos portugueses. Isso só é possível por crescimento da economia e do aumento da produtividade. Se não incentivarmos e não estimularmos as empresas para os aumentos de produtividade e para um maior crescimento económico não vai ser possível resolver o problema dramático dos salários médios baixos. Um panorama que devia ser vergonhoso para todos nós. Um país da União Europeia com tantos anos de integração ter uma mediana de salários de 850 euros?
António Costa propõe aumentar o SMN para 900 euros até 2026…
Estamos todos de acordo que o salário mínimo é baixo, mas temos que puxar pela economia para que os salários aumentem, caso contrário, temos um país de salários mínimos. Se continuar a subir o salário mínimo sem puxar pela economia é fácil perceber que, às tantas, estamos todos no mesmo regime de salários mínimos.
E para este ano, o aumento foi decidido sem o acordo dos parceiros sociais…
Aí é o PS a gerir a sua base à esquerda. Acha que é uma medida simpática ao atuar em conformidade com aquilo que já tinha decidido antes de o Governo cair. O que está em causa e que tem sido evidente no período da gerigonça é que quando a esquerda não estava no poder aparentemente privilegiava a concertação social, como forma de evitar que um Governo por decisões político-administrativas tomasse essas decisões. No tempo da ‘gerigonça’, como a esquerda sentiu que tinha o poder do seu lado teve sempre tendência a esquecer a concertação social. Depois as confederações patronais reagem como se viu porque sentiram que questões como o salário mínimo nacional não são consensualizadas na concertação social, estando a ser esvaziado o seu papel insubstituível.
Mas depois os parceiros sociais regressaram para discutir outras medidas, como as do trabalho…
Em política, aprendi isso no Governo, nunca se pode ter atitudes radicais. Tomam-se umas posições para sinalizar o nosso desconforto e descontentamento com o que se passou, mas depois há outros assuntos que têm de ser tratados à mesa das negociações. Isso é o realismo político, mas naquele dia ao saírem da concertação social percebi que não era para saírem para sempre.
Voltando aos debates, temas como o novo aeroporto ficam para segundo plano…
Este modelo de debates é perfeitamente chocante porque não dá tempo para discutir grandes questões de fundo. Neste modelo pessoas como André Ventura e Catarina Martins estão perfeitamente à vontade. Já pessoas como Rui Rio que querem debater questões de fundo têm uma tarefa difícil, se calhar até consegue fazê-lo com João Cotrim Figueiredo, mas se for com Catarina Martins será mais complicado. E depois há uma questão que ainda é mais chocante é que depois do debate acabar, em que é dado pouco tempo aos oradores, os comentadores têm todo o tempo do mundo.
Um dos temas em cima da mesa nestes debates diz respeito aos subsídios…
Devemos ter preocupações sociais, mas o que me choca na esquerda é que a lógica é sempre esta: mais subsídios e mais apoios estatais. Os problemas de pobreza e de carências dramáticas só se resolvem a prazo com o crescimento económico. Mas para estes senhores é sempre mais subsídios, mais apoios do Estado é sempre a função distributiva do Orçamento e, como dizia o economista americano, quando passamos a vida – como tem acontecido com estes Orçamentos da gerigonça – só a distribuir e sem ter estímulos à criação de riqueza o que fazemos? Acabamos por distribuir pobreza e é evidente que num país pobre, como infelizmente somos no contexto da União Europeia, há sempre uma razão para haver um subsídio.
Outro tema em debate tem sido as privatizações…
A TAP tem um problema complicado que é o da inviabilidade económica porque está entalada entre dois modelos: o das empresas low-cost que competem com custos muito baixos que a TAP nunca conseguirá ter e o das grandes empresas que têm uma dimensão que a TAP não consegue ter. Mas agora que já se gastou o dinheiro, que é um balúrdio que cada português vai ter de pagar, devia-se arranjar um parceiro o mais rapidamente possível porque sozinha vamos continuar a ter um filme de terror e não vamos para lado nenhum.
E com a obrigação de ceder 18 slots [direito de pousar e descolar]…
Isso mostra que a TAP, mesmo antes de conceder os slots, já não tinha a dimensão das grandes empresas e sem estes slots fica ainda com uma dimensão menor. E com este dinheiro que vai para a TAP se calhar vai haver menos possibilidades de fazer hospitais ou bons investimentos públicos. Está a ter um terrível custo de oportunidade ao dar três mil milhões de euros à TAP e isto tem custos terríveis para o país. E o que me choca é que os mais pobres e que pagam impostos se calhar não têm dinheiro para viajar na TAP, nem de avião. Em termos sociais é um bocado chocante.
E em relação à RTP?
Não me choca nada que haja um serviço público de televisão, agora a questão que se põe é se é preciso ter uma empresa pública de televisão ou se podemos, como propõe a Iniciativa Liberal, contratualizar um canal privado para prestar um serviço público de televisão. Isso é um debate muito interessante para se fazer.
E quanto à Caixa?
Nem tudo corre mal neste país, felizmente. A Caixa está a ter bons resultados e até está a dar dividendos, que bem precisamos. O que é curioso é que a Caixa atua cada vez mais como um privado. Mas também aí há um argumento que é, como infelizmente já não temos bancos portugueses porque estão todos na posse de capital estrangeiro, ter um banco público neste momento é a única maneira de ter um banco de capital português. E tanto atua numa lógica de banco privado que o Governo para resolver algumas falhas de mercado foi recriar o Banco de Fomento.
Que não funciona….
Isso é outra história. Mas mostra que a Caixa Geral de Depósitos não é aquele instrumento público para apoiar a estrutura empresarial nas chamadas falhas de mercado ou falhas do sistema bancário e, por isso, teve de recriar o Banco de Fomento. Podemos perguntar se já temos a Caixa pública então porque precisamos de um novo banco público? A resposta é porque a Caixa está atuar como os privados e não atua naquelas falhas do sistema bancário, em que é necessário intervir.
Falou da falta de crescimento económico. Esta semana foi apresentado um estudo para o Fórum Económico Mundial que diz que a falta de combate às alterações climáticas poderá penalizar a economia…
Portugal produz 0,15% do CO2 mundial, enquanto a Europa produz 8 a 9% do CO2 mundial. Acha que sozinhos ou a Europa sozinha podemos arcar com essas responsabilidades? É totalmente irrealista. Portugal, sendo membro da União Europeia, tem de respeitar os compromissos europeus, bem ou mal, tem de entrar num processo de descarbonização. Mas alinhar não significa liderar em termos europeus a descarbonização. Também a Europa está a querer liderar em termos mundiais, o que é completamente irrealista. Outro aspeto, não desprestigiando Portugal, é que não vamos produzir grandes equipamentos para os processos de descarbonização. Se em Portugal tivéssemos essa capacidade ainda se percebia que o Governo puxasse por isso porque iria ter efeitos positivos do lado da oferta. Só que não é isso que vai acontecer. Uma Alemanha, um Japão, uns Estados Unidos ou uma China têm toda a capacidade para produzir esses equipamentos. Há que ter aqui uma perspetiva realista e encontrei esse realismo no programa do CDS e da Iniciativa Liberal. Os dois têm coragem política e realismo de dizer que não devemos ser nós a liderar esse processo europeu, claro que estando na União Europeia temos de alinhar no processo, mas para isso basta estar na média europeia. Então queremos ser líderes na descarbonização e depois em termos económicos podemos estar a caminho de sermos dos mais pobres da União Europeia. Faz sentido? Não bate a bota com a perdigota. E mais, na minha opinião, sempre houve alterações climáticas que foram induzidas por causas naturais só que com as revoluções industriais passou a haver uma maior interação entre o homem e a natureza porque as revoluções industriais tiveram impacto no meio ambiente. Os países mais desenvolvidos vão ter de liderar o processo, mas a questão não passa pela Europa. Ou a China, a Índia e os Estados Unidos tomam contam e assumem a sério estes compromissos ou não levam a sério e não é a Europa que emite 8 a 9% de CO2 mundial que pode resolver o problema global e Portugal com 0,15% ainda menos. É uma questão de realismo face à nossa situação económica e financeira.
Outro problema diz respeito aos aumentos das matérias-primas, energia, gás, etc. Isso vai ter de se refletir no preço final?
Há dois problemas. Primeiro está a ter problemas dramáticos em alguns setores, como é o caso das cerâmicas, que está muito dependente do gás natural, assim como o têxtil. No caso da energia elétrica, o Governo e a ERSE trabalharam em conjunto, e bem, para mitigar o aumento dos preços da energia elétrica para os consumidores de média tensão. Agora na alta tensão, infelizmente não conseguiram mitigar. Tudo isto tem efeitos até na ameaça de fecho de muitas empresas do nosso país nesses setores. Em segundo, há um problema de inflação. Quando ocorrem aumentos de custos de matérias-primas e de custos de energia o que vai acontecer? Vai dar lugar a um fenómeno de inflação. O Banco Central começou por dizer que seria uma inflação temporária, mas quando os consumidores, os agentes económicos e até os trabalhadores não acreditam que sejam temporais então a inflação passa de temporária para permanente.
E mesmo com a subida do salário mínimo será difícil acompanhar estes aumentos?
Quando os trabalhadores sentem estes aumentos nos produtos que compram a tal inflação passa a ser permanente. Já se vê o Banco Central dos Estados Unidos a dizer que a inflação se calhar já não é bem temporária, mas que pode ter algo permanente e, face a isso, anuncia subidas das taxas de juro. Não acredito que o Banco Central Europeu consiga ficar imune a isso. Se, até agora, Christine Lagarde tem resistido a uma eventual subida da taxa de juro, a partir do momento, em que a Fed começa a subir as taxas de juro obviamente que o Banco Central Europeu vai também ter de o fazer. E isso não é só um mau sinal para os consumidores portugueses mas também para o Estado português porque somos a terceira economia mais endividada da zona euro, a seguir à Grécia e à Itália.
Ao mesmo tempo, as empresas deparam-se com falta de mão-de-obra…
Isso só pode ser resolvido com uma política de imigração seletiva e bem gerida, coisa que os portugueses nunca souberam fazer bem. O que é que acontece? Antes da pandemia já visitava boas empresas que me diziam ‘tenho produto, tenho preço, tenho tecnologia, tenho mercado, não tenho é trabalhadores qualificados para expandir o meu negócio’. Agora há falta de qualificados e não qualificados. O que tinha acontecido até agora é que não tinha sido fácil atrair trabalhadores qualificados porque a nossa estrutura económica de pouco valor acrescentado e de salários baixos não atraía trabalhadores altamente qualificados, mas agora o problema é muito maior.