No debate entre António Costa e Francisco Rodrigues dos Santos, este disse a certa altura que é incompreensível que os conteúdos da Educação para a Cidadania sejam objeto de uma disciplina obrigatória – enquanto, por exemplo, os valores do cristianismo constituem (e bem, segundo ele) matéria opcional.
Em resposta, António Costa começou por dizer que não é crente, embora respeite os católicos, mas adiantou que estamos perante coisas diferentes: a Educação para a Cidadania é uma educação para a tolerância, para o respeito por opções diferentes, para uma sociedade democrática – ao passo que o cristianismo é uma religião, na qual as pessoas podem acreditar ou não.
Os valores da cidadania estão plasmados na Constituição, a religião católica não está.
E depois, pergunto eu? Recorde-se que a Constituição de 1976 falava de um país empenhado na «construção do socialismo». Ora, seria aceitável que todas as crianças nessa época fossem educadas obrigatoriamente para a construção de uma sociedade socialista? Deveriam desde pequenas ser formatadas para o socialismo?
O ‘socialismo’ desapareceu da Constituição, mas foi substituído pelo ‘politicamente correto’ –cujo instrumento de divulgação é hoje a Educação para a Cidadania. António Costa dizia a Rodrigues dos Santos que nesta disciplina se ensina «a tolerância, o respeito pelas opiniões dos outros, pelas opções dos outros». Ora, não é assim. O politicamente correto não é ideologicamente neutro – é uma doutrina que tende a ser totalizante, que tende a substituir as outras e impor-se como única. E que hoje constitui uma das grandes ameaças à liberdade. Em seu nome faz-se censura a toda a hora. Nas redes sociais, os artigos ou os vídeos ‘heréticos’ são retirados.
Ora, assim sendo, será legítima a existência de uma disciplina obrigatória que a propagandeia?
É claro que, como qualquer doutrina, o politicamente correto deve ser estudado. O fascismo, o comunismo, a democracia, a ditadura, os autoritarismos, os totalitarismos devem ser objeto de estudo. E já agora o cristianismo, embora constitua um caso à parte.
E isto porque os seus valores estão na base da construção da nossa civilização. Ao ensinarmos o cristianismo, estamos a ensinar História – pois ele faz parte integrante da formação da cultura europeia, da identidade europeia.
Mas se todas as ideologias devem ser estudadas, cada coisa tem o seu tempo.
E isto é decisivo.
Torna-se evidente que, ao ensinarmos a ideologia de género a uma criança, não estamos a ensinar-lhe nada – estamos a doutriná-la. Porque a criança parte do princípio de que só lhe ensinamos ‘o bem’.
Se lhe dissermos que uma menina pode ser um menino, ela fica baralhada – mas acha que isso é a verdade. Não discute.
Mas será isto legítimo? Será legítimo doutrinarem-se crianças numa certa ideologia? Uma ideologia, de resto, negacionista, pois não há maior negacionismo do que negar-se a própria natureza.
A natureza diz uma coisa mas a doutrina diz outra – alegando que a ‘biologia’ e a ‘identidade de género’ são realidades diferentes. Ou seja, que o facto de uma menina ser fisicamente uma menina não quer dizer nada, pois o que interessa é a forma como se ‘sente’. A biologia não interessa. A natureza não interessa. A realidade não interessa.
Com base numa subjetividade discutível, e impossível de demonstrar, contradiz-se a realidade biológica.
É estranho como isto pode ser objeto do currículo obrigatório.
Por mais voltas que se deem, a obrigatoriedade da frequência da Educação para a Cidadania nas escolas é uma aberração.
Para além do mais, as pessoas não têm que ser ensinadas pelo Estado a ser ‘boas cidadãs’, até porque há várias formas de o ser. O papel de educar os filhos para a vida em sociedade compete às famílias. Sempre foram os regimes totalitários que quiseram sobrepor-se às famílias na educação das crianças. Assim foi na Rússia comunista como na Alemanha nazi. Em democracia, isso é inadmissível. A existência de uma disciplina chamada Educação para a Cidadania já é muito discutível. Mas deixem ao menos os pais decidirem livremente sobre se querem ou não que os filhos a frequentem.
Será pedir muito?