Eduardo Catroga: “Temos de criar condições para crescer, pelo menos, 3% ao ano durante 10 anos”

O ex-ministro de Cavaco Silva entende que deve haver um acordo entre o PS, PSD, CDS e IL, no sentido de haver um compromisso em aumentar a produtividade. Apela ainda a Marcelo para que intervenha neste imperativo nacional.

O que espera da economia portuguesa. O Ministro das Finanças já disse que mantém as previsões. Sente o mesmo otimismo?

A previsão para 2022 e 2023 não se pode desligar da queda da atividade económica, em consequência da pandemia que ocorreu em 2020. Nesse ano, a economia portuguesa foi das que mais caiu no quadro dos países da OCDE e também da União Europeia: à volta de 9%. O ano de 2021 seria de recuperação – 4,4%, de acordo com a última estimativa – e é natural que em 2022 se continue este processo de recuperação do grande trambolhão que tivemos em 2020. Mas será uma recuperação face ao nosso atraso relativamente aos demais países.  

As contas ficaram baralhadas com a pandemia e com os custos extra? Mas todos os países foram afetados…

A pandemia atingiu todos os países, mas uns foram mais atingidos do que outros, em função da sua estrutura produtiva, mas também foi dos que menos apoiou as famílias e as empresas no contexto europeu. O Estado português é ressegurador de última instância dos riscos sistémicos sobre a economia e a sociedade, como tal, deve estar financeiramente preparado para acautelar os períodos de crise, mas no final de 2019, isso não acontecia. Apesar do sucesso do programa de ajustamento imposto pela troika, da recuperação das contas públicas e das contas externas que se iniciou em 2013, a dívida pública situava-se na casa dos 130%. Portugal, ao contrário de outros países, não tinha margem orçamental para dar mais apoios, como tinha a Alemanha ou, até mesmo, a Espanha. E, por isso, atrasamo-nos no processo de recuperação.

Mas a questão central é saber qual é a taxa potencial de crescimento económico numa perspetiva de longo prazo, uma vez eliminados os impactos negativos da pandemia. Perdemos 11 lugares no ranking de PIB per capita a nível mundial nos últimos 20 anos e, desde 2004, altura em que entraram novos países ex-comunistas na União Europeia, dos oito que entraram já fomos ultrapassados por quatro e a este ritmo corremos o risco de caminhar para a cauda da Europa que tínhamos abandonado nos anos 90. Este é o grande problema da economia portuguesa e todos os Governos deveriam se focar no crescimento económico. Os agentes políticos, económicos e sociais têm que interiorizar o imperativo da produtividade. A produtividade é a via para o crescimento e para a prosperidade. Temos que orientar todas as políticas públicas e empresariais para este objetivo maior.

E a produtividade continua a ser o nosso calcanhar de Aquiles…

Pode-se dizer que o PIB é apenas um indicador, mas se formos analisar, além do PIB per capita, o índice de desenvolvimento humano que é publicado pelas Nações Unidas – tem em conta dados ligados à saúde, envelhecimento, esperança de vida ou fatores ligados ao capital humano, como a taxa de escolarização ou a fatores ligados à distribuição de riqueza – a nível mundial melhoramos uns pontos, em termos do índice de desenvolvimento humano e quatro ou cinco pontos em relação ao índice per capita. Não há nenhum país que tenha um bom índice de desenvolvimento humano sem ter um bom índice de rendimento per capita. Isto é, sem conseguir produzir riqueza.

E é esta falta de ambição que tem existido na sociedade portuguesa e os portugueses têm sido pouco exigentes em relação aos agentes políticos, económicos e sociais, no sentido de criarem condições para o aumento do ritmo de crescimento económico como condição de base para melhorar os indicadores de desenvolvimento económico e social. Temos tido uma situação de empobrecimento relativa que se reflete nos baixos salários, nas baixas pensões face aos países com maior índice de produtividade e isto vai-se refletir cada vez mais nas dificuldades do financiamento do próprio Estado social que é uma conquista civilizacional.

Os agentes políticos, económicos e sociais têm que interiorizar que o objetivo maior é o crescimento económico como instrumento para o desenvolvimento económico-social para a melhoria do nível de vida das pessoas. Vamos recuperar no final de 2022 a riqueza que tínhamos em 2019, mas como 2019 representa 20 anos de uma estagnação relativa e de um empobrecimento relativo, a grande questão que se impõe é definir políticas e criar uma ambição nos portugueses, nas empresas e nos projetos políticos, no sentido de criarmos condições para crescer, pelo menos, 3% ao ano durante 10 anos.

Se conseguirmos isso resolveríamos, em grande medida, as condições para o emprego mais qualificado, para melhores salários médios, salários mínimos mais elevados, maior capacidade de atração de jovens talentos portugueses e estrangeiros. No fundo, queixamo-nos de falta de dinheiro para o Serviço Nacional de Saúde ou dos salários mínimos ou médios baixos, mas ignoramos a causa, que é aumentar o valor acrescentado nacional. Esta é que é a grande interiorização que temos de fazer.

Não é novidade. Há vários estudos feitos que apontam para isso…

Estudos não faltam, diagnósticos também não. Foi este grito de alarme que me levou em novembro de 2020 a publicar o livro Desenvolver Portugal, Reflexões em Tempos de Pandemia, onde dei a minha visão estratégica para o país e defini quais são as políticas fundamentais no domínio das políticas públicas e no domínio dos incentivos às políticas empresariais para se obter níveis crescentes de produtividade e de prosperidade económica e social. 

Mas continua tudo na mesma…

O problema é que este um processo lento. Também não há uma boa economia sem uma boa política, isto é, estamos num modelo político-económico de economia de mercado, somos membros da União Europeia, somos membros do Euro, estamos inseridos na economia global, somos uma pequena economia aberta ao exterior, portanto, este quadro é o ponto de partida para dizer ‘dentro deste modelo político-económico quais são as políticas para fazermos de Portugal um país vencedor’.

Nos últimos 20 anos, em termos relativos não o fomos. E desde o Presidente da República, a todos os demais agentes políticos, sindicatos, confederações patronais, sociedade civil deveria haver um despertar coletivo de uma nova ambição de crescimento e de aumento da produtividade para melhorarmos o nível de vida das pessoas.

Para um bem comum…

Claro. Mas não há boas políticas estruturais para a melhoria da produtividade e da competitividade sem a interiorização deste modelo político-económico e sem a interiorização de qual é o tipo de políticas capazes de nos levar ao sucesso. O que existe ainda na sociedade portuguesa é uma grande divisão ideológica. Existe um segmento ideológico minoritário que quer mudar o modelo. E como são anti-economia de mercado, anti-euro, anti-União Europeia não querem políticas estruturais que nos façam vencedores neste modelo político-económico.

E foram os partidos que apoiaram o Governo nos últimos anos…

Esses partidos têm tido influência nos últimos seis anos na definição de políticas, de objetivos e não estão interessados no modelo político-económico, logo não estão interessados em melhorar a produtividade do país, nem em melhorar o nível de vida das pessoas por mais que depois chorem lágrimas de crocodilo, por exemplo, por não haver dinheiro para o Serviço Nacional de Saúde. Só sabem reclamar mais dinheiro para pôr em cima dos problemas, em vez de os solucionarem: põem mais despesa pública, mais dívida pública, para a educação, etc.

Nunca os ouvi dizer que estavam preocupados com o nível de criação da riqueza, nunca vi estas correntes políticas e ideológicas preocupadas com o facto de Portugal estar a empobrecer relativamente e a caminhar para a cauda da Europa. Mas depois choram lágrimas de crocodilo porque não há fundos adequados para financiar a despesa pública crescente que eles próprios reclamam.

Pedem aumentos salariais, de pensões…

O seu programa político é aumentar a despesa e aumentar a dívida, não é criar riqueza e melhorar a produtividade. O Partido Socialista – que tem dois segmentos, um que chamo de mais bloquista e outro mais social-democrata – devia “aliar-se” aos sociais-democratas moderados, aos democratas cristãos e aos liberais que têm um modelo político-económico para que Portugal vença na economia europeia e na economia global. Quando digo “aliar” não quer dizer coligações. É haver um acordo estratégico implícito entre todas as forças políticas que defendem o modelo político-económico de uma economia de mercado inserida na economia europeia e global para que Portugal seja um país vencedor. Isso exclui as forças estatizantes e as forças da direita radical no atual espetro político português. 

É a tal ideia de Bloco Central tão defendida na campanha eleitoral?

Essa designação é um papão. O país sempre foi governado ao centro, além de umas derivas ideológicas entre 1975 e 1985, mas desde aí é governado ao centro com boas políticas ou más políticas. Só tivemos boas políticas de uma forma consistente quando conseguimos dar um grande salto de 55% da média europeia do PIB per capita em paridade de poder de compra  – relativamente aos países europeus mais ricos, que é a União Europeia a 15–  para 68% e foi no tempo de Cavaco Silva. No final de 2019 estávamos a 73%. Desde 1995 a 2019, ainda antes da crise, melhorámos apenas quatro/cinco pontos percentuais.

Analisando a nossa história económica recente quando é que progredimos? Quando tivemos estabilidade política ao centro, com políticas reformistas, orientadas para a melhoria da produtividade e da competitividade da economia portuguesa. Nos últimos 25 anos, o Partido Socialista governou 18 e o PSD sete e destes sete anos, o PSD governou em 2002 com o legado de António Guterres, em situação de défice excessivo e depois o Governo no tempo de Pedro Passos Coelho herdou uma situação de pré-bancarrota. Isto é, dos sete anos em governou, o PSD não pode aplicar o seu programa durante cinco anos porque foi em situação de emergência financeira provocada pelo mau legado económico-financeiro deixado pelo Partido Socialista.

O que agora precisávamos era de ter boas políticas públicas, bons incentivos às políticas empresariais viradas para a melhoria da produtividade e da competitividade, no sentido de aumentarmos o valor acrescentado nacional com vista a criar mais emprego qualificado e criar melhores condições para aumentar os salários, as pensões e garantir o Estado social. Estas forças mais à esquerda têm na boca o Estado social, mas não o defendem. A melhor defesa para o Estado social é criar condições para aumentar a riqueza do país, para termos dinheiro para financiar a educação, a saúde e a proteção social. Se não crescermos, independentemente de qualquer Governo, não conseguimos manter esta conquista civilizacional.

Temos um Estado social que a nível europeu é capaz de se posicionar nos 10 ou 15 melhores serviços de saúde, quando estamos no 40.º lugar em PIB per capita. Este gap foi financiado muito à custa de endividamento dos últimos 40 anos. Como já esgotámos as capacidades de endividamento temos de conseguir criar mais riqueza a um ritmo adequado para resolver o problema da dívida pública, criar condições para melhorar o nível de vida das pessoas e para termos empregos mais qualificados e salários mais altos. Vê este desígnio coletivo no debate político? Infelizmente não vejo.

Foram temas esquecidos?

Não vejo as forças políticas a discutir o nosso empobrecimento relativo, a identificar as causas para tomar medidas corretoras, não vejo ir aos pontos-chave que os investidores apontam para melhorar a competitividade em Portugal. O último relatório do IMD, do instituto suíço sobre o posicionamento de Portugal no ranking da competitividade, fala em cinco desafios que permanentemente são apontados nos inquéritos aos investidores. O primeiro diz respeito à redução drástica da burocracia das administrações públicas.

É necessária a modernização das administrações públicas, a otimização dos processos e dos meios, a racionalização da despesa pública, a melhoria da qualidade da despesa pública e agora existe uma oportunidade de uma utilização digital ativa, que exigiria uma reestruturação de estruturas e de processos para que não se digitalizasse mais do mesmo. Não vi isto debatido na luta política. Outra questão chave que aparece sempre é a celeridade das decisões dos tribunais administrativos e fiscais, a celeridade das decisões, a alteração do sistema de gestão dos tribunais, sem prejuízo da autonomia do poder judicial. É mais um tema ausente no debate político.

Outro tema ausente foi o desenvolvimento das competências técnico-profissionais dos portugueses. Hoje ainda cerca de metade dos trabalhadores por conta de outrem têm apenas o 9.º ano, mas o problema não é a formação de base. É o desenvolvimento da qualidade quer do ensino secundário, quer do desenvolvimento das competências técnico-profissionais. E estas últimas exigem uma revolução no ensino profissional, para que seja definido como um vetor estratégico de atuação das políticas públicas de educação. 

O ensino profissional praticamente deixou de existir…

Em 1976, salvo erro, eliminámos o que vinha do tempo do velho regime. Havia uma escola em cada concelho do país, acabara, por ser integradas no ensino secundário e o ensino profissional passou a ser um parente pobre. Mais tarde por várias pressões locais e de associações empresariais começou a desenvolver-se o ramo das escolas profissionais, mas nunca se apostou estrategicamente, nomeadamente através de uma direção-geral do ensino técnico-profissional.

Outro tema ausente do debate político foi a flexibilidade das regras laborais para uma organização eficiente do trabalho, antes pelo contrário, o que aparece é a pressão dos grupos de esquerda para alterar algumas regras de flexibilização na nossa legislação e que foram introduzidas no tempo da troika.

Outra questão apontada é a necessidade de uma carga fiscal mais moderada e sua estabilidade. Mas esta questão tem sido muito maltratada no debate político. Uns falam em reduzir o IRS, outros o IRC, outros falam em reduzir primeiro o IRS e só depois o IRC, outros querem reduzir o IRC para todas as empresas, uns é só para as micro, pequenas e médias empresas. 

O que seria mais desejável?

O nosso sistema fiscal precisa de uma revolução. É uma manta de retalhos porque nos últimos 20 anos houve necessidade de criar receitas para fazer face a um Estado cada vez mais gordo e com um apetite feroz para aumentar os impostos e para aumentar a dívida pública. E por pressões de vários grupos altera-se aquela taxa, aumenta-se outra, introduz-se contribuições extraordinárias e adicionais que são uma vergonha. Há contribuições extraordinárias sobre o setor bancário, farmacêutico, energético, etc. Qual é lógica?

O sistema fiscal precisa de uma profunda reestruturação e isso só é possível fazer com cabeça, tronco e membros com os partidos do arco do poder porque é preciso estabilidade para não voltar a acontecer aquilo que aconteceu, em que o PS e o PSD acordaram uma redução progressiva do IRC no tempo de António José Seguro e depois vem António Costa e a gerigonça e esqueceram esse compromisso de Portugal para com os investidores. É preciso estabilidade nas regras fiscais e é preciso estabilidade na reforma do sistema fiscal que exige a cooperação dos partidos com vocação na área do poder e que não são anti-sistema.

Daí falar da tal convergência dos tais partidos e o Presidente da República que, no primeiro mandato, preocupou-se apenas com uma cooperação tática com o Governo, devia-se preocupar agora com uma cooperação estratégica ativa, assumindo algumas bandeiras na sua magistratura de influência viradas para a melhoria da competitividade e da produtividade do país, lutando contra o empobrecimento relativo de Portugal.

Seria então um acordo entre PS/PSD/CDS e IL?

Não se trata de um acordo. As forças sociais que apoiam o PS, o PSD, o CDS e a Iniciativa Liberal deveriam estar integradas dentro deste modelo político-económico que defendo. 

Mas a Iniciativa Liberal defende a liberalização de tudo…

A Iniciativa Liberal tem a sua filosofia, mas ainda não tem maioria para implementar a sua ideia. O problema é se, em termos partidários minoritários, as suas exigências são compatíveis com o sentido político-económico, que é ser governado ao centro, com moderação. Apenas a direita radical e a esquerda radical se autoexcluem.

A solução que terá mais de 70% dos votos e representa a vontade do povo português em ter um modelo implícito de pacto político-económico e social de progresso, de ambição no sentido de Portugal crescer e de se desenvolver nos próximos anos. Mas também entendo que quem ganhar as eleições deve governar, agora tem que ter presente os seus compromissos para com o país e não pode estar a provocar crises políticas periódicas, que põem em causa o próprio regime democrático.

Então o partido que tiver mais votos deve governar, os outros devem deixar governar durante um período largo, para não termos eleições de dois em dois anos. Devia existir na Constituição uma regra de que o Governo só devia cair com a moção de censura quando fosse apresentada, em simultâneo, uma moção que fosse construtiva, isto é, tinha que apresentar em simultâneo qual era a solução de estabilidade política. Não se pode andar a derrubar Governos ao sabor das conjunturas e da pressão do dia-a-dia.

As eleições devem ter o seu período normal de realização e temos de aperfeiçoar o nosso sistema político, o nosso sistema eleitoral e melhorar a qualidade das instituições, porque são um fator crítico para a qualidade das políticas públicas e para a criação de um ambiente favorável à iniciativa empresarial, ao investimento e ao risco. 

A bazuca também esteve fora dos debates…

Os debates em relação à bazuca monetária do BCE, que permitiu juros baixos, e a própria bazuca da União Europeia estiveram fora dos debates. Em 1989/1983 tivemos o primeiro quadro comunitário de apoio com uma média de 2,8 mil milhões. Veio depois o segundo entre 1993 e 1997 e um terceiro. Tivemos também o QREN, Portugal 2020 que ainda temos um saldo por utilizar, Portugal 2030, mais o PRR. Tivemos em média 3/4 mil milhões de euros em média anual de apoios da UE desde 1989 e agora vamos duplicar. Temos uma oportunidade de ouro para revitalizar o tecido produtivo português, para desenvolver políticas ativas de inovação, conducentes à melhoria da produtividade e da competitividade.

Vejo outros países com a França e a Itália que deram uma grande prioridade ao setor produtivo da economia, enquanto Portugal cerca de 70 a 80% está no setor público, o restante vai para o setor privado. É mais uma razão para que as forças políticas, as forças que pensam no interesse nacional criem condições para alocar bem os fundos que são colocados à nossa disposição, mas também temos de eliminar os bloqueios à melhoria da produtividade e da competitividade do país. Não basta apenas investir também é preciso investir bem e fazer reformas.

Rui Rio já disse que apoia António Costa se perder, mas do lado PS isso não foi garantido…

Os partidos que não são radicais têm a obrigação de criar entendimentos para que o país progrida. Devem pôr em primeiro lugar dos seus objetivos, o país, em segundo lugar o país e só em terceiro o partido, as suas tribos e as pessoas.

O que vejo é que, em muitas situações, isto está invertido. Ouvi Rui Rio dizer que põe em primeiro lugar os interesses do país e como concorda com o princípio de quem ganha deve governar mostrou esse apoio ao PS se perder as eleições. E este princípio lógico e equitativo exige reciprocidade. Aliás, era um principio que não estava escrito, mas era resultado da experiência portuguesa, quem o quebrou foi António Costa, em 2015. Mas temos de regressar a esse princípio com tal desígnio nacional que falei.

Os partidos não radicais devem ter responsabilidade para não andarem a encurtar ciclos eleitorais normais, mas também é altura de olhar para a Constituição para vermos que aperfeiçoamentos temos de fazer face ao fracionamento do espetro político português, no sentido de criar condições de estabilidade política.

O Governo alemão também é fragmentado…

Nas democracias mais maduras é natural haver entendimentos partidários. Na Alemanha há um conjunto de três ou quatro partidos com, algumas nuances de diferenciação, mas que estão dentro do modelo político-económico e querem que a Alemanha seja vencedora na economia global. E dentro deste pressuposto estão dispostos a fazer todos os entendimentos.

Os nossos partidos não têm maturidade ou não têm vontade?

Ainda fruto do nosso processo histórico dos últimos 40 anos, a ideologia de esquerda ainda está muito marcada, como também existem ainda os saudosistas da ideologia mais da extrema-direita. É preciso dar tempo ao tempo e já disse aos meus amigos de esquerda que olhando neste momento para o mercado eleitoral português temos todos os segmentos de mercado: a esquerda marxista, a esquerda trotskista, os socialistas democráticos estatizantes, os sociais-democratas centristas, os democratas-cristãos, os liberais e a direita radical. Vejo aqui sete segmentos de mercado.

Vamos demorar tempo a ganharmos esta maturidade. Esta maturidade já existe na Alemanha, já tiveram experiências radicais de direita e de esquerda e não querem repetir. Mesmo os antigos países do Leste já não acreditam nos amanhãs que cantam, tiveram a sua experiência estatizante coletivista e, às vezes, ainda têm algumas tentações um pouco autoritárias mais ao centro ou mais à direita, mas já estão vacinados. 

As sondagens apontam para um crescimento da extrema-direita…

Pode ser um fenómeno passageiro. Agora temos que vencer o vírus da inação estrutural que se tornou mais forte nestes últimos seis anos em que o PS se deixou influenciar pela esquerda radical e deixou que o vírus da inação estrutural fosse agravado por um vírus anti-empresas, anti-iniciativa privada, anti-investimento privado. Precisamos de vencer este vírus.

É preciso que a gente martele na cabeça das pessoas que as empresas são as células base da atividade económica, são as fontes do crescimento e do emprego, as fontes dos rendimentos das famílias e do Estado. São as empresas que criam valor acrescentado e são a fonte do crescimento e da prosperidade. Se esta grande verdade indesmentível tivesse sido interiorizada por todos os partidos políticos estaríamos hoje não a caminho da cauda da Europa, mas a meio da tabela com o desígnio de virmos fazer parte da Champions.

Temos de interiorizar a sustentabilidade das contas públicas, das contas externas e não porque são impostas pelo tratado orçamental ou pela União Europeia. Devem existir porque são condições necessárias e fundamentais para o processo de desenvolvimento económico e social. António Costa fala agora em contas certas. As contas certas são as contas públicas e as contas externas, o país vai para  pré-bancarrota quando acumula défices externos durante muitos e muitos anos de elevado grau.

A política económica deve ter dois pilares fundamentais: uma política de estabilidade macro-económica no quadro europeu e uma política estrutural, atacando os estrangulamentos que impedem a melhoria da produtividade e da competitividade relativamente aos países nossos concorrentes. O segundo pilar tem sido muito mal tratado nos últimos anos e, é por isso, que não temos progredido e os salários não subiram como deveriam ter aumentado. 

É impossível continuar a aproximar-nos dos salários da União Europeia quando estamos com estes problemas económicos…

Não podemos aproximar-nos de ter os salários médios em termos reais iguais à União Europeia enquanto não tivermos a produtividade média igual à União Europeia. Temos também de ter níveis de investimento privado a caminhar para os 25% e público adequados de 3%, 4% do PIB. O investimento público chegou a 1,6% do PIB  no tempo da geringonça porque deu maior ênfase ao aumento da despesa corrente primária, à reposição de salários e pensões de uma forma mais acelerada porque dá mais votos. No fundo, precisamos de melhorar o stock de investimento e a qualidade da alocação de recursos na economia. Precisamos de reestruturar e melhorar a qualidade da despesa pública e do investimento.

A população está a ficar mais envelhecida. Como deve evoluir a despesa pública nos próximos anos? As despesas sociais vão aumentar porque estão ligadas ao envelhecimento da população mas temos de racionalizar todos os outros tipos de despesas para evitar desperdícios. Também a carga fiscal é exagerada face ao nosso nível de riqueza. Às vezes diz-se assim ‘37% do PIB é igual à média’, mas nós somos menos 30% menos ricos do que a média. Isso significa a pressão fiscal relativamente ao nosso nível de vida é mais elevada. É aquilo a que chamo de esforço fiscal relativo.

O esforço fiscal relativo dos portugueses é superior ao dos suecos, por exemplo. Eles têm uma carga fiscal superior à nossa, mas também têm um rendimento per capita superior ao nosso, como tal, o Estado português absorve mais recursos às famílias e às empresas. É um estrangulamento ao crescimento, à produtividade e ao trabalho.

E o que diz em relação às borlas fiscais?

Isso é muita espuma mediática. Todas as empresas por onde passei, a última foi a EDP, têm preocupações de aplicação da lei fiscal, mas têm preocupações de otimização fiscal no quadro da lei. Não conheço esses assuntos em pormenor mas não acredito que uma empresa como a EDP tenha feito uma otimização fiscal sem ser no quadro da lei. 

E assim evitou o pagamento do imposto de selo.

Provavelmente não é devido. Por muito que determinados setores gostariam que fosse devido. É um processo que a administração tributária com certeza está a analisar. Depois há os recursos para os tribunais tributários e normalmente, em 80% dos casos as empresas têm razão no contencioso fiscal.

Numa altura em que se fala tanto do aumento das matérias-primas, do custo da energia, não seria importante rever a taxa que é cobrada para as famílias e para as empresas?

Hoje há concorrência. Temos o mercado livre. A EDP não é monopolista. Já foi. O setor, felizmente, foi liberalizado. Já há concorrência da Endesa, Iberdrola, da Galp… A melhor forma não é o Estado intervir por via administrativa, a melhor forma de defesa do consumidor é a intensidade concorrencial. Só quando há falhas no mercado é que o regulador deve intervir.

Como aconteceu com os combustíveis?

Não se pode confundir políticas racionais de preço, em função do jogo competitivo nos mercados, com necessidade de intervenção social. As necessidades de intervenção social não devem ser feitas ao nível dos preços, devem ser feitas ao nível dos subsídios às famílias ou às empresas.

É o caso da tarifa social?

Claro. Existe uma tarifa social que, em Portugal ainda não está a ser suportada pelos consumidores mas lá chegará. Não pode ser uma empresa a suportar a política social de um Governo. A política social de um Governo ou é suportada por impostos ou é suportada por todo o conjunto dos consumidores. É assim em todos os países. A EDP e os outros produtores estão a suportar a tarifa social indevidamente.

O Governo espanhol também começou por essa via e a União Europeia obrigou a anular essa política de tarifa social. Mas a tarifa social deve existir, deve é ser financiada pelo conjunto dos cidadãos ou pelo conjunto dos consumidores. Não podemos distorcer o cálculo económico. Temos que ter determinado objetivo e o Estado deve corrigir falhas de mercado, aplicar subsídios às famílias e às empresas de acordo com as suas possibilidades. Isto é, de acordo com aquilo que os contribuintes possam suportar, assim como a dívida pública.

Para não assistirmos a mais casos como a TAP?

A TAP tem sido um caso mal gerido nos últimos 30 anos. Quando estive no Governo, em 93/94 e 95, houve um grande saneamento económico-financeiro das empresas públicas para prepará-las para a privatização. Foi um sucesso e quem aproveitou mais esse sucesso foi o Governo seguinte de António Guterres que teve receitas das privatizações como nenhum outro. Em 93, a estratégia das privatizações do Governo de Cavaco Silva, começou pela banca, ainda fizemos a primeira fase da PT, da Cimpor.

No setor dos transportes urbanos, as rodoviárias que eram uns cancros espalhadas pelo país, foram todas privatizadas. A TAP era um caso complexo e, em 93/94, o Ministério das Obras, Transportes e Comunicações que tinha a tutela da TAP fez pressão sobre o Ministério das Finanças, em que era titular da pasta, para fazer um plano de reestruturação operacional e financeira. Esse plano foi aprovado, salvo erro em 94, pela União Europeia, representou um grande esforço financeiro para os contribuintes e, uma vez executado, a TAP estava em condições de voar e ser privatizada. Teve lucros em 97/98 e o Governo de António Guterres decidiu iniciar o processo de privatização da TAP, após uns anos de bons resultados financeiros, fruto desse programa de reestruturação. Simplesmente fomos pouco cuidadosos no processo. A TAP, operando num setor competitivo só tem condições de sobreviver se fizer parte de um grupo com mais massa crítica, focalizado numa determinada região do globo. Em 98, salvo erro, António Guterres iniciou o processo de privatização da TAP e escolheu a Swiss Air que estava falida. Está a ver o pouco cuidado que houve em escolher uma noiva falida?

Foi nesse contexto que veio o Fernando Pinto para ser o administrador delegado indicado pela Swiss Air. O Estado ainda mantinha uma posição mas era integrada num grupo maior. Foi uma má escolha estratégica. O Partido Socialista pôs a privatização no PEC IV que acabou por não ser aprovado e a TAP voltou a ser integrada no programa de privatizações da Troika, negociado pelo Governo. Estávamos em 2011. Durante muitos anos foi um dossiê esquecido. Andámos anestesiados.

O Governo de Pedro Passos Coelho cometeu a asneira de não ter feito logo a privatização no início no mandato e a opção foi integrar a TAP num grupo regional para consolidar o mercado brasileiro e o americano. Depois veio António Costa que, por razões ideológicas e por pressão da esquerda radical, queria ter o maior controlo, ficando com 50% do capital, mas sem ter controlo, nem tinha nada que mandar porque o Estado não sabe aviação nem tem vocação de gestão numa indústria global. A TAP estava num processo de recuperação quando veio a pandemia, que atingiu todo o setor a nível global e todos os Governos tiveram que apoiar o setor de aviação. Até o próprio Governo alemão ficou com 20% da Lufthansa mas teve o cuidado de dizer que não queria nenhum administrador e que numa primeira oportunidade seria para vender.

Em Portugal, dentro dessa visão ideológica que ainda existe dentro de algum segmento do PS e por pressão da esquerda radical, foi-se para uma opção em que se comprou aos privados, ficando com 100% do bebé nos braços. Na Europa qual é o Governo que tem 100% de uma empresa de transportes aéreos? Nenhum. Agora há que fazer a reestruturação aprovada por Bruxelas para não ser considerada ajuda de Estado. E aqui, o grande desafio é termos uma TAP que seja, no quadro competitivo da indústria de aviação, uma empresa competitiva e nunca poderá ser competitiva se o Estado tiver responsáveis na gestão.

O Estado gestor não tem vocação para gerir empresas em concorrência e muito menos no mercado global. Não se pode confundir serviço público com racionalidade económica e financeira. O serviço público é legítimo, mas o Estado tem de lançar os respetivos contratos públicos para prestar o serviço público e respetivas contrapartidas. É preciso libertar o espartilho ideológico que cria confusões e que, normalmente são os contribuintes que suportam estas confusões.

E que pagam sempre a fatura…

Nem sempre são os contribuintes atuais porque vai para a dívida pública. E quem irá pagar serão os seus filhos ou os meus netos. E pagam porque têm que pagar mais impostos daqui a meia dúzia de anos. Para haver dinheiro para pagar juros não há mais dinheiro para fazer outras coisas mais úteis para o nível de vida das pessoas. Portanto, no fundo, demasiada ideologia. O que espero é que tão depressa quanto possível, a TAP, num processo transparente, avance com a reestruturação e lance o processo de escolha do parceiro.

A CCD é exceção na lista de empresas mal geridas? 

A CGD está a ser gerida como se fosse um banco privado. 

Daí carregar nas comissões…

Pois, com certeza. Está em concorrência. Tem que ser gerida de acordo com os princípios de racionalidade económica, tem que saber escolher os seus gestores, quadros e tem de ter autonomia. Caso contrário, a prazo, não terá futuro. Repare, foi objeto de um assalto do poder político. Sobreviveu, custou cinco mil milhões de euros aos contribuintes. Agora está a recuperar. Não podemos cair noutro assalto do poder político.

A Caixa tem que ser gerida de acordo com princípios de racionalidade económica. Hoje tem uma função que é praticamente o único banco grande de capital português e tem essa função porque não existe capital privado português com estrutura adequada – ao contrário de Espanha – para ser acionista– do núcleo duro de grandes instituições e de grandes empresas.

Agora criou-se o Banco de Fomento Nacional para tentar colmatar falhas de mercado, nomeadamente no financiamento a médio e longo prazo à economia portuguesa. Vamos lá ver se consegue funcionar com eficiência. No fundo, o Estado tem o papel nobre de garantir serviços públicos essenciais aos cidadãos e às empresas.