“Quem falhou foi o povo português”. A frase, que encerra um tiro nos joelhos da senhora democracia, foi proferida por outra senhora: Isabel Meireles, de seu nome, deputada do PSD, de seu cargo. Um sentido antidemocrático que não ficou fechado na social-democracia de Isabel Meireles: é que no Epic Sana, onde decorreu a noite eleitoral do PSD, os militantes presentes ululavam às perguntas que os jornalistas iam fazendo a Rio. Uma hostilidade pouco esperada de um partido fundador da democracia.
A razão para tanto mal-estar devia-se à pesadíssima derrota do PSD perante o PS. O PS ficou com 41,68% e o PSD com 27,80% – ou seja, menos quase 0,2% do que o resultado de 2019 (que já então era considerado como uma pesada derrota de Rio). Com a maioria absoluta, o mapa continental de Portugal vestiu-se de cor-de-rosa chiclete e abafou os suspiros alaranjados: safar só mesmo a Madeira, onde o PSD ficou com 39,83% face aos 31,47% do PS.
Rui Rio, esse, admitiu demitir-se: “Se se confirmar que o PS tem maioria absoluta, ou seja, uma horizonte de governação, não sei como serei útil com mais quatro anos”, disse, em português. Perante a insistência dos jornalistas na questão, saltou para o alemão “Ich habe auf Portugiesisch gesagt [Eu já disse em português]”, protagonizando assim um momento inusitado. Logo depois, de forma bastante alemã, notou “não ser preciso um drama” sobre o assunto. “Se quer uma frase? O primeiro responsável sou eu. Quem é que haveria de ser?”, dizia ao jornalista. E ia insistindo, sempre naquele tom a que os portugueses costumam apontar honestidade e frontalidade: “Não estou preso a lugar nenhum. Quero prestar um serviço ao PSD e a Portugal”.
Dado a sua postura de despedida, não será por certo de admirar que tenha considerado o resultado eleitoral “substancialmente abaixo” e “nem de longe nem de perto os objetivos que queriam” ter. A razão, essa, encontrou-a no “voto útil à esquerda” que não se verificou à direita. “A esquerda mobilizou-se. À direita não houve a mesma mobilização”, sugerindo assim que afinal até tem algumas tendências para aquele espetro político (o que sempre negou). No seu entender, a sua estratégia de captação de “voto ao centro” até funcionou, algo que, todavia, não impediu que o PS fosse buscar “milhares de votos do PCP e do BE”. Pelo contrário, à direita, “reforço da IL e Chega”, ‘matematiza’ politicamente.
A esta hora já havia dado os parabéns “pessoais” a António Costa: “pessoais, quer dizer, pelo telefone”, explicava no seu jeito trôpego. Sucederam-se os agradecimentos protocolares aos camaradas de partido. Depois, a multidão que o ouvia – e que em coro o havia recebido a fazer o símbolo do partido e a entoar as suas iniciais – ficou a saber que a campanha do PSD, “mesmo com aquele resultado”, não resultará em “qualquer défice ou dívida para o partido”. Além das contas à ‘moda do Porto’, Rio enalteceu, também, o facto de “em vez de comícios aos gritos terem explicações eleitorais”. Explicações essas que eram fruto de “um grande programa”, aproveitando para parabenizar Joaquim Sarmento e David Justino pelo mesmo. “Apresentámos um grande programa eleitoral no qual me orgulho de ter sido líder”, acabaria por rematar.
Reações sociais-democratas Quando ainda estava por confirmar a maioria absoluta do PS, Nuno Carvalho – cabeça de lista do PSD por Setúbal – esperançoso notava que a “a Esquerda ainda podia ser minoritária”. Tal não se verificou. O deputado realçava que ainda faltavam “os grandes centros urbanos”, apostando na “expectativa do centro-direita de crescer nesses mesmos grandes centros”. No seu entender, as coisas “ainda não estavam definidas”, pelo que a Esquerda “ainda pode ser minoritária”.
Algum tempo depois foi a vez de Carlos Eduardo Reis falar. Eduardo Reis, peça importantíssima na vitória de Rio sobre Rangel, basicamente antecipou o discurso de Rio, notando que o PS fora buscar força ao PCP e ao BE. “O voto útil funcionou à esquerda, mas à direita não. A estratégia de medo incutida pelo PS nos últimos dias resultou”, notou, confessando que esperava que o PSD ganhasse as eleições.