A saúde mental tem sido um dos temas de conversa no mundo desportivo mais discutidos nos últimos tempos.
Josip Ilicic, avançado esloveno da Atalanta, colocou uma pausa na sua carreira profissional pela segunda vez, devido aos seus problemas com a sua saúde mental, e tornou-se num dos casos mais recentes dos atletas que, abertamente, assumem estar a debater problemas do foro da saúde mental.
Quem revelou a razão por trás da sua ausência foi o técnico Gian Piero Gasperini, que a relacionou à depressão de que sofre o esloveno. “Posso apenas dizer que estamos a acompanhar o caso de perto, porque estas situações vão para além do futebol, para além da profissão. Já o conheço há muitos anos, vivemos muitos momentos felizes juntos”, explicou o técnico italiano, atirando: “Ele é uma pessoa muito normal, muito positiva, mas os interiores das nossas mentes são como uma selva”.
O tema ganha um contorno especial quando se sabe que Ilicic já tem um histórico de luta contra a sua saúde mental. Em 2020, depois de ter sido infetado com o novo coronavírus, o avançado de 33 anos já se tinha afastado temporariamente do mundo do futebol (falhou sete jogos) pela mesma razão… que não está 100% identificada. “Se é complicado para os psiquiatras, quanto mais para nós. Espero apenas que ele possa voltar e que possa sentir novamente alegria ao estar num relvado”, esclareceu Gasperini.
longa história O caso de Ilicic é só mais um dos muitos em que atletas de alta competição acabam por revelar estar a sofrer com a sua saúde mental. Recorde-se, por exemplo, o caso de Simone Biles, a ginasta olímpica norte-americana que acabou por se afastar nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, devido a problemas com a sua saúde mental, ou, por exemplo, o episódio com Romelu Lukaku, o avançado belga que revelou, através de uma sessão de perguntas e respostas no Twitter, ter tido problemas do mesmo tipo em 2018. Na altura, Lukaku disse que voltaria a falar sobre o assunto no futuro.
Aumento de casos À conversa com o i esteve Jorge Silvério, psicólogo desportivo, procurando entender, afinal, que ligações há entre o desporto de alta competição e a deterioração da saúde mental. “Ultimamente temos assistido a uma série de casos de atletas a falar de problemas de saúde mental. Não é que eles não existissem antes, mas como houve atletas ‘ícones’ mundiais, como o Michael Phelps, o Tiger Woods, a reconhecer que tiveram problemas relacionados com a saúde mental, isso abriu a porta – felizmente – para os atletas falarem sobre isso”, começa por explicar o psicólogo, alertando para o “silêncio” em que, até agora, a maioria dos atletas vivia com os seus problemas no foro da saúde mental.
“Até alguns deles achavam que só eles é que tinham aquelas dificuldades, e, hoje em dia, a verem atletas desta dimensão a falar sobre isso, fica mais fácil falar sobre o assunto”, continua Jorge Silvério, remetendo para o caso de Simone Biles nos Jogos Olímpicos, que “disse que também se tinha sentido mais à vontade para falar porque já havia uma série de atletas a falar sobre isso”.
Neste ambiente, no entanto, não basta que os atletas se abram sobre os seus problemas com a saúde mental, defendendo Jorge Silvério o papel desempenhado “extremamente importante” dos psicólogos desportivos, até porque os mesmos podem atuar “de forma preventiva, proporcionando aos atletas uma série de técnicas”.
“Os atletas são pessoas normais, com carreira desportiva, e aquilo que acontece aos não-atletas, em termos de ansiedade e depressão, acontece também aos atletas, muitas vezes agravado por aquilo que são as especificidades do desporto”, alerta o psicólogo, de novo recorrendo ao exemplo de Simone Biles, que, “de repente, ficou com o peso do mundo”. “Havendo este trabalho prévio de prevenção deste tipo de problemas, torna mais fácil. Não quer dizer que não aconteça, e que os atletas não tenham de fazer uma pausa”, revela ainda.
Com o aumento do número de atletas a revelar estar a sofrer – ou ter sofrido – com problemas de saúde mental, há quem se questione se o desporto de alto rendimento não estará ligado a uma maior propensão dos mesmos a desenvolver este tipo de problemas. Jorge Silvério, no entanto, descarta esta possibilidade. “Se formos analisar a população de atletas e não-atletas, será mais ou menos a mesma incidência nesta categoria dos problemas de saúde mental”, começa por explicar, alertando: “No alto rendimento, há aqui um conjunto de fatores que podem propiciar alguns problemas de saúde mental. Estamos a falar de uma exigência muito grande, de atletas que são submetidos a uma avaliação da parte de toda a gente prova a prova, jogo a jogo.”
A profissão, muito específica na sua avaliação constante, vem com este risco, alerta o psicólogo. “Há aqui um conjunto de circunstâncias do desporto que torna os atletas diferentes de outras pessoas, portanto pode acentuar aqui a probabilidade de aparecerem mais problemas mentais”, defende, alertando também para um outro fator além das constantes avaliações: as lesões. O maior medo de qualquer atleta, “que acaba sempre por ter repercussões em termos psicológicos”.
“Desse ponto de vista, pode haver um exacerbar desta propensão para os atletas de alto rendimento terem problemas em termos de saúde mental”, conclui Jorge Silvério.