Azia do day after

Mais do que um líder, o que o PSD precisa, no imediato, é de um capitão que não se coíba de abraçar como causa maior (apenas) levar o barco a bom porto. Que não esteja limitado na ação pela ambição pessoal de comandar, no futuro, o país. Precisamos de alguém que tenha como desiderato único…

“Quem não se sente, não é filho de boa gente”. Diz o povo e é verdade verdadinha. Estranho seria que, depois dos resultados da noite eleitoral, não reinasse por aqui a azia e o desconforto.

No rescaldo doloroso, há duas notas que quero deixar. E depois não se fala mais nisso.

1. A minha previsão falhou em toda a linha. Nunca, nos vários cenários que coloquei, estimei que, na atual conjuntura, o Partido Socialista pudesse ter o resultado estrondoso que teve. Confesso que ainda estou em choque. Foi um feito histórico e difícil de digerir. E, neste momento, não sei a que fatores se pode atribuir.

Do ponto de vista do marketing político, a campanha socialista foi um conjunto do que não se deve fazer. Ziguezagues, mentiras, hostilidade gratuita, superficialidade.

A experiência governativa dos últimos seis anos mostrou-nos que foi dado poder a várias pessoas que não o honraram, logo, não o mereceram. E não falo só de incompetência reiterada mas mesmo de casos de polícia.

O programa do PS é uma enfiada de ilusões imediatas e, no seu todo, falta de ambição a longo prazo. Custa acreditar que os portugueses se tenham deixado convencer por tão poucochinho, meia dúzia de migalhas e uma ausência de visão de futuro, que já é crónica. Há um caderno de encargos populista, com medidas manifestamente impossíveis de implementar. Para promessa, não estava mau. Na prática, é utopia.  Quero ver como o absoluto PS vai convencer os patrões a reduzir a semana de trabalho em 20% e aumentar salários na mesma proporção!

Em busca dos porquês deste desfecho improvável, ensaio várias hipóteses. Terão os portugueses se assustado com a evolução da extrema direita e resolveram massivamente dizer “não”? Mas, se assim fosse, não faz sentido o Chega instalar-se como terceira força política e ser o segundo grande vencedor da noite. Gostamos inexplicavelmente de vendedores de sonhos? Serão mais pesadelos. Em breve saberemos.

É ilógico que os portugueses acusem cansaço da gerigonça e apenas castiguem os parceiros de esquerda. O mestre da gerigonça é o PS. Também não bate certo que penalizem o BE e o PCP por não terem deixado o PS governar, quando o que o PS prometeu é implementar o OE mais à esquerda de todos. Fizeram-no para dizer que não queriam ter ido a eleições? Ninguém diria.

Num futuro próximo, estou certa de que a noite de domingo vai dar o mote a várias investigações académicas e talvez tenhamos que rever alguns conceitos. Para já, este foi um resultado contranatura e situa-se no campo dos milagres que ninguém, mas mesmo ninguém, antecipou – nem mesmo os iluminados tardios que garantem que já tinham pressagiado o sucedido.

Rezemos então para que não se repita a fatídica prática da outra maioria absoluta socialista e que, desta vez, Portugal não seja encaminhado para a bancarrota.

Valha-nos Santa Democracia dos Aflitos!

2. Que caminho para o PSD?

Tivemos uma corrente de crescimento, que fez disparar o PS, o Chega e a IL. E uma corrente de retrocesso, que secou a CDU, o BE, o PAN e (drasticamente) o CDS.

E tivemos a absoluta exceção: o PSD.

Um partido de poder, o challenger por defeito, que as sondagens chegaram a dizer que seria responsável por virar a página para uma nova era de governação – sou daquelas que acredita que as sondagens são reais, maioritariamente bem feitas, mas que têm efeitos perversos.

Apesar de terem votado maioritariamente no partido que estava em funções governativas, os portugueses demonstrar uma grande vontade de mudança. Esse ímpeto explica os bons resultados da IL e do Chega. E até os do PS, porque governar com maioria absoluta é bem diferente que ter apêndices parlamentares. Mas o PSD não foi capaz de capitalizar esse sentimento e apresentar-se como uma alternativa. Acabou por fazer o mais improvável nesta conjuntura: ficar exatamente na mesma. Por mais votos que se diga que se arrecadou aqui e ali, por mais apoteótica que tenha sido a campanha (e foi!), para um partido que não é de parcos objetivos nem de ambição modesta, ficar na mesma é o equivalente a uma rotunda derrota. Tão mais azeda quanto o entusiasmo e a dedicação com que se acreditou na vitória.

Seguem-se quatro anos de governação socialista e o PSD tem pela frente aquela que acredito ser uma das mais exigentes missões da sua história: reinventar-se, reencontrar-se e reposicionar-se. Aqui chegados, há duas formas de viver o day after.

A mais imediata, menos trabalhosa mas, de certo, menos proveitosa, é a de dissecar culpados, alimentar clivagens e tensões que já se viu que não têm respaldo na luta pela confiança do eleitorado. Não sair de um ciclo vicioso de culto de egos, fulanização partidária e egomania do poder.

A outra forma é aquela em que aposto verdadeiramente e recomendo, com toda a minha energia. Usar estes quatro anos para refletir, reorganizar, unir e reestruturar o projeto de centro direita que se pretende apresentar ao país. E que tem de ser a alternativa segura no fim deste renovado mandato socialista.

Para isso, o PSD não precisa de ter na liderança um putativo candidato a primeiro-ministro. Aliás, não deve mesmo tê-lo. Porque antes de se conhecer o rosto é preciso delinear o corpo, o programa, a mensagem. 

Mais do que um líder, o que o PSD precisa, já, é de um capitão que não se coíba de abraçar como causa maior (apenas) levar o barco a bom porto. Que não esteja limitado na ação pela ambição pessoal de comandar, no futuro, o país. Precisamos de alguém que tenha como desiderato único aportar numa plataforma de entendimento, de reflexão interna, de auscultação da sociedade e de aferição das que serão as necessidades futuras. Do país e dos portugueses.

São quatro anos que devem ser uma redescoberta de identidade, de um partido voltado para dentro, sempre como um espelho do exterior, e nunca fechado sobre si mesmo. Com a noção de que é preciso respeitar as vontades da tripulação mas, sobretudo, atrair novos passageiros, novo talento.

Hoje, anseio pelo caminho em busca da unanimidade na definição e pelo rejuvenescimento da honra de ser social democrata.