Em 1966 um psicólogo israelita chamado George Tamarin fez uma experiência que chocou o mundo: perguntou a um grupo de mil estudantes judeus o que pensavam sobre um episódio da Bíblia com grande violência: a conquista de Jericó por Josué de que resultou um massacre da população. Resultado: 66% dos inquiridos aprovou e justificou o massacre feito pelos israelitas. No entanto, quando modificou os nomes e os locais da história – Josué passa a ser um general chinês -, noutro grupo de estudantes os resultados foram inversos: 75% condenou o massacre.
Agora reproduza-se a experiência em Portugal desta maneira: conta-se a um grupo de adultos uma história onde um rei tinha gastado mais do que o reino produzia, o que levara esse reino a perder a independência e a tornar-se vassalo de outro. Seguira-se um tempo de pobreza e humilhação. Além disso, tinha havido um naufrágio onde morreram dezenas de pessoas, mesmo depois do rei ter sido avisado de que era preciso reformar esses barcos e nada ter feito. Contava-se ainda que os conselheiros do rei nomeavam a família para os melhores cargos e havia imensa corrupção. Vinte anos depois, o reino fora ultrapassado por outros mais atrasados e era um dos mais pobres do continente.
Quantas pessoas aprovariam o comportamento deste rei? Quantas considerariam que o reino fora bem governado? Nenhuma, tenho a certeza!
Agora, com outro grupo de adultos, a experiência de Tamarin é esta: substituímos a história do reino malgovernado pela história do PS nos últimos vinte anos. E se lhes perguntássemos se o PS era responsável pela bancarrota, a vinda da Troika e a austeridade, se Costa tinha responsabilidades políticas por ter estado ao lado de Sócrates, por não ter tomado as medidas para prevenir a segunda vaga de incêndios, por manter ministros envolvidos em escândalos, por nomear amigos para órgãos independentes e, por fim, pelo atraso económico do país, os resultados seriam diferentes. Tal como os israelitas, mais de metade iria encontrar justificações, desculpas e outros culpados.
Ou seja, a maioria absoluta que o PS conquistou.
Assim se vê que tanto a religião como a política têm o poder de alterar o julgamento moral de determinados acontecimentos quando estes entram em conflito com as crenças mais profundas do ser humano. Algo semelhante verifica-se no futebol: o cidadão bem-formado e respeitador da lei, subitamente, transforma-se num hooligan que insulta o árbitro e vota no presidente do seu clube sabendo que ele é corrupto. O que importa é ganhar. Ou, também, o que importa é que o adversário não ganhe.
Em Portugal, o Socialismo – tal como o Comunismo – funciona como uma religião e poucos são os crentes que conseguem libertar-se do dogma. Quem criticou Sócrates enquanto ele levava o país para o abismo? E quantos não o defenderam ou desvalorizaram as notícias que noutro país, com outra exigência ética, o forçariam a uma demissão? Tal como os estudantes israelitas, os eleitores socialistas viram em Sócrates um Josué que encarnava o Bem e cujos métodos (pacíficos, obviamente) eram justificáveis. Se as suas trombetas tinham derrubado o muro de Jericó da Direita, porque não desculpar-lhe alguns pecadilhos? Foi-lhes por isso muito fácil atirar com as culpas da bancarrota socialista para cima de Passos Coelho e transformar Costa no salvador que os conduziu para a terra de Caná onde manava mel e leite e austeridade disfarçada.
E o reverso da crença é a fúria: como te atreves negar a existência de Deus e os seus milagres? Se não acreditas no Bem (o Socialismo), só podes ser uma pessoa má (de Direita). O crítico do Socialismo, o blasfemo que prefere o mérito à igualdade, é, assim, transformado num herege que merece a fogueira. Basta ver os insultos e ameaças nas redes sociais e nas caixas de comentários dos jornais.
Se George Tamarin tivesse feito a sua experiência em Portugal, talvez fôssemos um país diferente.