O Estado da Saúde e a dança das cadeiras

Agora que o Partido Socialista já não tem de ceder a golpes de chantagem da esquerda, nem tem de ser cauteloso para não desagradar a putativos parceiros e agentes de viabilização do governo, talvez António Costa possa reconhecer o mérito da solução apresentada pelo PSD para contornar a incapacidade de resposta do sistema de saúde…

O governo tomará posse dentro de algumas semanas, mas os donos das tutelas nos próximos anos já estão certamente identificados. Não se perspetivam grandes mudanças onde as mudanças são absolutamente necessárias.

O critério que deve presidir à seleção de uma pessoa para o cargo de ministro devia ser um e apenas um. Competência. Porque o que mais interessaria, em teoria, ao chefe de governo é que a sua equipa apresentasse os melhores resultados e resolvesse o maior número possível de problemas. Mas será que é mesmo assim?

Pela tinta que corre movida a oráculos de rádio alcatifa, perspetiva-se que a dança das cadeiras irá servir, como tem sido habitual, para pagar alguns favores, repor alegadas pseudo-injustiças, reconhecer e agradecer sacrifícios. Mas não em nome do melhor interesse nacional. Antes, em prol do melhor interesse pessoal de António Costa e dos seus entes queridos.

Dirão: “todos fazem o mesmo, não há novidade”. Por mais que assim seja (é discutível!), não faz da prática correta. Nem recomendável. E não devemos deter-nos nos maus exemplos como se fossem um vaticínio fatídico. Algum dia, as coisas têm de mudar.

E o argumento de que, ao votar no PS, a maioria dos eleitores subscreve e aplaude o trabalho desenvolvido por determinado coletivo ministerial também não colhe. Ou teríamos de concluir que Eduardo Cabrita, que Costa segurou enquanto foi humanamente possível, foi um soberbo governante.

Foquemo-nos na pasta da Saúde. Se a atual ministra for reconduzida no cargo, que mensagem estará Costa a transmitir aos portugueses: que o estado da Saúde em Portugal é bom e recomenda-se. Por isso, não se deve mexer numa equipa que resulta.

Analisemos, então, o status quo, numa malha mais fina.

1. A Pandemia. Ninguém a antecipava e a ação política regeu-se pelo experimentalismo. É compreensível e não foi uma escolha errada. Portugal usufruiu de uma vantagem circunstancial, que foi a diferença temporal da propagação do vírus em relação à maioria dos países europeus. Estivemos na cauda do gráfico, muitas vezes em contraciclo, o que permitiu que pudessem ser antecipadas boas medidas de combate à Covid-19. Mal seria se não conseguíssemos seguir bons exemplos.

Ao nível da vacinação, fomos nós um modelo à escala mundial. Logisticamente bem equipados e no ritmo certo, sob o comando irrepreensível do Almirante Gouveia Melo. Mas, acima de tudo, demonstrámos ser racionalmente esclarecidos e ordeiramente bem-mandados. Mas não haja ilusões. Ninguém vacinaria quase toda a população portuguesa se a população portuguesa não aceitasse ser vacinada. Correu bem e isso deve-se, sobretudo, a cada um de nós.

Quanto às restantes respostas políticas à pandemia, no que respeita à Saúde e a outras tutelas, ainda é cedo para falar. A avaliação terá, contudo, de ser feita, para bem do futuro coletivo. Mas estaremos ainda um longo período de tempo a apanhar os cacos.

2. Os profissionais. Os médicos, os enfermeiros, os auxiliares e técnicos de saúde têm duas coisas em comum. A primeira: deram o que tinham e o que não tinham para ajudar os portugueses a superar os dois anos mais difíceis das últimas décadas. A segunda: tiveram o reconhecimento profundo dos portugueses, mas não se sentem minimamente reconhecidos pelo governo. Não vêem as suas reivindicações de décadas atendidas, não vêem as suas remunerações atualizadas, não vêem as insuficiências que identificaram nem as dificuldades que sinalizaram no exercício de funções corrigidas. Durante a governação socialista, queixaram-se sempre de não conseguir chegar sequer à fala com a ministra da Saúde. Antes e durante a pandemia nunca se sentaram à mesma mesa. Como pode a regente da tutela não falar com aqueles que deviam ser os seus principais aliados? Como pode Marta Temido hostilizar as classes profissionais que tanto deram (abnegadamente!) ao povo português?

Ouvi-los será o mínimo. No meu entender, condição sine qua non para que a governante possa continuar em funções.

3. As listas de espera. É dramático que existam mais de duzentos mil portugueses a aguardar cirurgia, neste momento. Mas mais dramático ainda é que não se reconheçam esses números. Porque isso indica-nos que nada será feito para os corrigir.

Ouvimos Costa dizer que, em 2020, ao contrário do que diz a oposição, as listas de espera para cirurgias desceram. Areia para os olhos!

O que fez com que a espera diminuísse não foi o aumento de capacidade de resposta do sistema (como poderia ser?), mas sim a incapacidade do sistema de receber mais utentes. Ou seja, havendo quebra na assistência, há um menor número de doentes referenciados para cirurgia. Números e jogos de palavras à parte, esta é uma verdade dura que toca a cada um dos duzentos mil portugueses à espera de cirurgia, e de outros tantos que até podem precisar de cirurgia mas não sabem. Para já, estão por fazer centenas de milhares de intervenções e de consultas de seguimento de doentes já em tratamento adiadas de 2020, que não se realizaram em 2021, e centenas de milhares de primeiras consultas a doentes que ainda não entraram no sistema. Estes são os números que interessa reter e estes são os atos que é imperativo recuperar.

Agora que o Partido Socialista já não tem de ceder a golpes de chantagem da esquerda, nem tem de ser cauteloso para não desagradar a putativos parceiros e agentes de viabilização do governo, talvez António Costa possa reconhecer o mérito da solução apresentada pelo PSD para contornar a incapacidade de resposta do sistema de saúde a tamanha procura e atos protelados. Talvez o primeiro-ministro possa focar-se na concretização do melhor objetivo para os portugueses, em detrimento de manobras de diversão e “diz-que-disses”. O PSD propõe que o Estado veja o sistema de saúde como um todo, considerando os seus recursos na totalidade, o que incluiu o público, o privado e as instituições sociais. Perante o imperativo do Estado de garantir o acesso universal à Saúde, importa que este esteja em condições de alocar os meios indispensáveis para responder às necessidades. Sejam eles de que natureza forem.

Esperemos que Costa consiga reconhecer nesta proposta o seu potencial e o seu pragmatismo. Porque os problemas dos portugueses no acesso à saúde resolvem-se com ações e soluções. A ideologia, para o efeito, não adiantará de nada.