Bloqueio do SWIFT insuficiente para travar Rússia

Reservas elevadas de dólares e recurso a intermediários são alguns dos entraves apontados pelos economistas contactados pelo i face às sanções impostas pela UE, EUA, Reino Unido, Canadá e mais recentemente Japão. Em cima da mesa estão ainda medidas destinadas aos “oligarcas russos”. 

A intenção é clara: cortar o acesso dos principais bancos russos ao sistema de pagamentos internacional SWIFT que permite que as instituições financeiras troquem de forma rápida e eficiente as mensagens eletrónicas necessárias para levar a cabo transferências bancárias ou ordens de pagamento. Uma rede que é gerida pela Sociedade de

Telecomunicações Financeiras Interbancárias. Este é um reforço das sanções que têm vindo a ser impostas à Rússia e que recebeu luz verde, depois de algum impasse e reservas, pelos líderes da União Europeia, em conjunto com os EUA, o Reino Unido, Canadá e mais recentemente Japão.

Mas se a medida é vista com otimismo por parte da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, os economistas contactados pelo i reconhecem os impedimentos mas garantem que é possível encontrar alternativas.
“Não sei se representa um verdadeiro impedimento. Estive a ver a associação nacional russa dos utilizadores de SWIFT, têm mais de 300 bancos inscritos e foram suspensos sete, logo sobram 293 para fazer negócio”, diz ao nosso jornal João Duque. Ainda assim, admite que para fazerem operações vão ter de recorrer “quase obrigatoriamente” a intermediários porque acredita que não haja um banco europeu que vá aceitar fazer operações depois do bloqueio. “Os próprios operadores de mercado também não vão fazer essas operações diretas. Pelo menos, nas grandes empresas. Já as pequenas e médias acredito que sim porque já fizeram isso no passado e continuam a fazer hoje com países com embargos”.

E dá exemplos: basta que o produto seja vendido ao Paquistão ou Iraque, que depois vende, por exemplo, ao Cazaquistão que, por sua vez, manda para Moscovo. “O produtor português recebe de uma pessoa do Iraque. Há sempre formas de contornar. Dá mais chatice, implica mais intermediários e mais risco. Também representa mais custos e menos margem, mas é possível”.

Um pouco mais otimista está Luís Mira Amaral ao reconhecer que a medida irá criar grandes dificuldades à economia russa. “Por que razão alguns países não queriam? Porque a Rússia fica incapacitada de fazer pagamentos ao exterior, não é só receber dinheiro, também não pode fazer pagamentos ao exterior. Daí a resistência da Alemanha. Como é que a Rússia manda o gás se não receber em troca os respetivos pagamentos”, afirmando que esta medida “põe algumas dificuldades a alguns países que precisavam de receber pagamentos e todos aqueles que têm dívida russa também deixam de receber”. No entanto, o economista garante que isto não deve ser visto como contabilidade, mas como solidariedade com a Ucrânia. “Há um mínimo de decência em relação à resposta ocidental”, diz ao nosso jornal.

Reservas altas A Rússia tem cerca de 630 mil milhões de dólares em reservas cambiais e ouro. Josep Borrell, responsável da União Europeia para a política externa, lembrou ainda que as sanções financeiras à Rússia vão congelar “mais de metade das reservas financeiras russas”, que estão colocadas em bancos do G7. Também o Banco Central Russo será severamente afetado nas suas reservas. São “medidas de grande impacto”, garantiu Borrell, acrescentando: “Vamos atrás da elite que apoia Putin e que tem beneficiado do regime”. Estarão ainda a ser preparadas sanções para atingir especificamente “oligarcas russos”. O objetivo “é isolar totalmente a Rússia, de forma diplomática”.

Uma medida defendida pelos economistas. “Se as reservas estiveram fora não podem mexer e se for dentro também não”, refere João Duque. Uma hipótese aplaudida por Mira Amaral. “Há uma via que é o congelamento de todos os bens dos plutocratas russos: Putin e seus amigos. É uma via bastante efetiva e realista. Pode ter um problema que é o facto de toda a banca ocidental poder estar a gerir a massa destes gajos”. 

Mira Amaral lembrou que “a Rússia forrou-se antes e pode-se aguentar uns tempos mesmo com este travão”, diz Mira Amaral.

Uma garantia acompanhada por João Duque. “Eles têm-se abastecido de dólares e de euros e já há muito tempo. Em 2020 tinham 19 meses de importações em reservas; quando em 2019 tinham para 15 meses e em 2018 para 13 meses.

Eles exportam mais do que importam, o PIB deles anda à volta de 30% de exportações e 20% de importações, isso mostra que têm um saldo positivo, o que lhes permite acumular reservas sobre o exterior em moeda estrangeira”.
mercados alternativos Também o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) admite algumas dores de cabeça para Portugal. As contas são simples: importamos da Ucrânia cereais: trigo e milho. E 40% do milho que importamos vem deste país. Também importamos cereais da Rússia. 

Um trabalho que não tem para já dias fáceis. “Desde que começou a guerra, os ucranianos não vão desenvolver as culturas porque fica tudo estragado e nem têm condições para isso. Admito que possam haver zonas em que ainda é possível cultivar, mas não é uma prioridade. Isto vai criar um grande transtorno, e o preço também vai subir”, diz ao i Luís Mira. 

Também o bloqueio SWIFT vem dificultar este processo. “Uma pessoa não consegue fazer uma transferência bancária para esse país. Isto é uma questão técnica que impede uma transferência de dinheiro de qualquer país para a Rússia e vice-versa, isto é altamente penalizador”. 

No entanto, o responsável aponta para mercados alternativos. “Portugal pode ir para aos mercados da América do Sul: EUA, Argentina, Brasil. Geralmente abasteciam-se nestes dois países porque era mais perto”.

Gás e petróleo a subirem Tal como tem vindo a ser avançado pelo i tanto o preço do petróleo como do gás natural terão tendência a aumentar, Uma realidade também reconhecida pelos dois economistas.”Temos mercados mundiais de energia, não vamos ter apenas o mercado russo. Mas a Rússia é um dos produtores mundiais de petróleo e gás e acredito que possa haver alguns problemas de curto prazo”. E deixa um alerta: “Se do lado da oferta, o mercado ajusta-se no petróleo, em relação ao gás natural, Portugal não recorre à Rússia para se abastecer de gás natural mas obviamente que faz aumentar o preço. Já não estávamos famosos, agora vamos assistir a um agravamento da questão”.
Também João Duque vê essas situações como inevitáveis. “É normal. As empresas antecipam as compras, aumentam os stoks de reservas a recear falhas e assistiremos a aumentos de preços posteriores”. 

Ainda ontem, a França, que preside ao Conselho da União Europeia, anunciou para esta segunda-feira uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros da Energia, em Bruxelas, uma vez que muitos países europeus dependem fortemente da Rússia para importações de gás. O encontro irá arrancar às 15h.