As cidades ucranianas que desesperam sob cerco russo

As tropas de Putin têm evitado tomar de assalto grandes cidades ucranianas. O combate urbano “é a pior coisa, pode-se levar um tiro vindo de qualquer sítio”, diz ao i o major general Carlos Branco. 

Em Mariupol, nas margens do mar de Azov, combate-se até à morte, Kharkiv está cercada e sob pesados bombardeamentos. Uma enorme coluna blindada russa parece prestes a cercar Kiev, vinda da Bielorrússia, na margem oeste do rio Dniepre, outra avança no norte e uma terceira força segue a toda a velocidade do leste para o interior do país, vinda da fronteira com a Rússia como quem avança sobre a capital. As autoridades ucranianas insistem em não se render, prometendo lutar até ao fim, mas a situação soa cada vez mais desesperada.

Claro que é difícil saber exatamente o que está a acontecer no terreno. Como em todas as guerras, mas nesta particularmente, damos por nós “no meio de um nevoeiro informativo imenso”, frisa Carlos Branco, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) e major general do exército português na reserva, ao i.
O certo é que as celebrações de que a ofensiva russa não estaria a correr como Vladimir Putin esperava – notando que o seu rápido avanço nos primeiros dias da guerra estacara, explicando-o como resultado da feroz resistência ucraniana – podem ter sido prematuras, alerta o major general.

“Repare, as forças americanas demoraram três semanas para chegar a Bagdade”, exemplifica, traçando o paralelo com o derrube de Saddam Hussein, em 2003, uma operação hoje recordada como rápida e com enorme sucesso bélico – o desastre seria depois, durante a ocupação. “Aqui ainda vamos na primeira semana de guerra”, acautela Carlos Branco. “Não se conquistam cidades com uns 3,5 milhões de habitantes, ou 1,5 milhões de habitantes, num dia”, salienta, referindo-se a Kiev e Kharkiv, respetivamente. 

“O objetivo do Putin é cercar cidades e obriga-las a capitular por essa via. No caso de Kiev, nesta altura já há problemas com a alimentação, há racionamento, e combustíveis”, nota. 

Afinal, não espanta nada que o Presidente russo queira evitar a todo o custo o combate urbano, acrescenta este antigo major general, que serviu nos Balcãs e no Afeganistão. “Até tenho alguma dificuldade em explicar o quão duro é o combate em zonas urbanas”, admite. “É a pior coisa que pode acontecer. Um indivíduo pode levar um tiro de qualquer sítio sem ver de onde vem o disparo”, descreve. “Tem de se lutar rua a rua, prédio a prédio. Em cada janela tem um nicho de atiradores. Até os telhados das casas podem ter armas anticarro, porque a aviação não consegue controlar os telhados de uma cidade com milhões de habitantes”.

Outra opção seria varrer do mapa boa parte da cidade-alvo, à semelhança do que as tropas russas fizeram em Grosny, durante a Segunda Guerra na Chechénia, entre 1999 e 2000, às ordens de Putin, que tinha acabado de chegar ao poder. A capital chechena que seria declarada a cidade mais destruída do planetapela ONU, “foi nivelada totalmente, quarteirão a quarteirão, impiedosamente, eficazmente, deliberadamente, com cada uma das armas à disposição do antigo exército soviético, exceto as nucleares”, descreveu Andrew Harding, o então correspondente da BBC, em entrevista à WBUR. 

Por agora, essa não parece ser a intenção das manobras de Putin, apesar da escala dos bombardeamentos russos – há relatos da utilização de armas termobáricas, que causam uma explosão tão poderosa que sugam o ar à sua volta, bem como do uso de bomba de fragmentação, ou seja, bombas que libertam uma grande quantidade de projéteis, algo proibido por convenções internacionais, mas utilizadas pelas forças russas na Síria, com efeitos devastadores na população civil – estar a aumentar, avalia Carlos Branco.

A questão é que “o objetivo é apanhar a Ucrânia o mais intacta possível. Isto para eles é crucial”, explica o antigo major general. “Quando encontram alguma resistência, eles não atacam deliberadamente, procuram contorná-los e que as forças defensoras se rendam”, descreve. “Até porque se o objetivo for colocar alguém que não seja pro-ocidental à frente do Governo, eles têm que ter a população minimamente neutral. Não podem começar a matar desalmadamente pessoas, senão têm uma resistência que nunca mais acaba”.

Claro que, se a frustração levar a melhor no que toca a Putin ou aos seus generais, o caso pode rapidamente mudar de figura. E, no que toca a Mariupol – uma cidade que tem menos de meio milhão de habitantes, mas é dos grandes motores industriais da Ucrânia, essencial para controlar o mar de Azov – não deverá haver quartel.

“A zona do sul é onde estão as milícias de extrema-direita, com centro de gravidade em Mariupol. Essas vão ser varridas”, assegura o major general, referindo-se a grupos como o infame batalhão Azov, uma milícia de ideologia neonazi. Estes paramilitares – ainda há uns dias circulavam vídeos de tropas ucranianos a submergir as suas balas em banha de porco, para negar o paraíso a combatentes muçulmanos de origem chechena – sabem que provavelmente não têm sequer grande hipóteses de se render. “Por isso é que Mariupol ainda não foi conquistada, porque a resistência aí é grande”, explica Carlos Branco.