Foi preciso ser Carnaval para o PCP e o Bloco de Esquerda deixarem cair a máscara. O primeiro, ao votar no Parlamento Europeu contra a condenação da invasão russa na Ucrânia, recorrendo ao argumentário do costume, mistificador da realidade, atribuindo a responsabilidade do conflito à «intensificação da escalada belicista dos EUA, NATO e UE». Grotesco.
Já os bloquistas, embora tenham votado a favor da resolução no seu conjunto, opuseram-se aos pontos tidos como «pretexto» para «para lançar uma corrida ao armamento» […] e para «um alargamento da NATO» que é, afinal, «historicamente responsável por inúmeras ocupações, conflitos armados e manobras de desestabilização», conforme se lê no seu site. É a História às avessas.
As posições agora assumidas pelos comunistas do PCP e do Bloco só poderão surpreender os incautos ou os falsos crentes numa ‘normalização’ de ambos os partidos, convertidos às virtudes democráticas, por obra e graça da ‘geringonça’, o que nunca aconteceu.
Houve quem, teimosamente, encontrasse o ‘elixir’ para aquietar as consciências, na suposta afabilidade de Jerónimo de Sousa, combinada com a ‘civilidade’ de João Ferreira, em harmoniosa aliança com o sorriso postiço de Catarina Martins e a pose de pregador de Francisco Louçã. Imperdoável.
Ora nem o PCP alguma vez renunciou ao estalinismo, nem o Bloco ao trotskismo, e ambos nunca negaram ser contra a NATO, a União Europeia e o Euro.
Ao contrário do PCP e do BE, e goste-se ou não do Chega e de alguns dos seus tiques radicais, o certo é que o partido de André Ventura está inequivocamente «ao lado do Governo português, […] no esforço militar diplomático e económico para pôr travão à Rússia». Faz a diferença.
Perante esta guerra na Europa – lançada por um tirano formado nas antigas escolas da URSS e da sua polícia política, o KGB –, ao menos o PCP e o BE não puderam iludir por mais tempo, a sua verdadeira natureza, colocando-se ao lado dos algozes em vez de defenderem as vítimas.
Entretanto, na política interna, que passou para segundo plano, Rui Rio resolveu ‘mostrar serviço’ e dar mais um passo na sua assumida ‘inutilidade’ no PSD, deslocando-se a Londres e a Paris para contactar as comunidades portuguesas emigrantes, antes da repetição das eleições, determinada pelo Tribunal Constitucional.
Com o Conselho Nacional do PSD a ‘marinar’, Rio parece empenhado em adiar a sua substituição à frente do partido, sem tirar as consequências do desaire nas legislativas. E, à falta de melhor, proclamou-se detentor de um recorde à frente do partido na oposição.
Ora, é esse o seu equívoco. De facto, e ao contrário do que disse ufano, de que «não há ninguém que tenha resistido quatro anos na liderança da oposição», Rio deve um pedido de desculpas aos portugueses, e, em particular, aos social democratas, porquanto não se vislumbra na história do PSD alguém que se lhe compare em cumplicidade com um governo socialista, fértil em ‘erros de palmatória’.
Se hoje António Costa goza de uma segunda maioria absoluta, deve-o, em larga escala, às omissões de Rio na oposição, além do ‘pronto-socorro’ instalado em Belém, que nunca se furtou a acudir-lhe nas aflições.
O que move, afinal, Rio a eternizar-se na liderança do PSD, não obstante as sucessivas derrotas eleitorais?
Há quem admita que os opositores internos não têm pressa em substitui-lo, o que é, obviamente, uma falácia. Outros, talvez mais certeiros, suspeitam da estafada regionalização. E da clientela.
É certo que o congelamento da posse da nova Assembleia da República e do novo Governo, devido ao círculo da emigração na Europa, poderá esmorecer a vontade dos candidatos à sucessão, que antecipam uma dura ‘travessia do deserto’.
Só que o impasse favorece, objetivamente, Costa, quase sem escrutínio, com os trabalhos parlamentares cingidos à Comissão Permanente.
Arrumada a pandemia ‘no baú’, sobreveio a crise europeia. E é neste grave cenário de conflito que Portugal continua com um Governo de gestão, limitado nas competências, enquanto as esquerdas comunistas juntam à derrota nas legislativas a vassalagem ao agressor da Ucrânia.
Antes de ‘entregar as chaves’, Rio ainda quis provar que estava do lado certo da História. Defendeu contra a Rússia um «terceiro nível de sanções […] que seja brutal», mas, timorato, ressalvou logo que «não pode ser feito de imediato», porque «têm de ser estudados os efeitos […]».
Felizmente, a Europa não lhe deu ouvidos….
Nota em rodapé: Na crónica publicada na semana passada escreveu-se que: «Com a invasão russa consumada na Ucrânia e a capital em Kiev tomada no segundo dia da ofensiva […]». Era essa, de facto, a informação disponível quando escrevemos. Afinal, Kiev resistiu heroicamente ao invasor, até hoje (quinta-feira), dia em que fechamos esta coluna. Aqui fica a retificação.