Que os produtos estão mais caros, não é novidade. Produtos de primeira necessidade, legumes, frutas, leite, carne ou peixe, tudo conta com aumentos nos preços. Juntam-se também, claro, os combustíveis e a energia. E os mais recentes dados da inflação não são animadores uma vez que tem atingido máximos históricos.
Esta semana a OCDE revelou que a inflação homóloga na sua área subiu para 7,2% em janeiro de 2022, em comparação com 6,6% em dezembro do ano passado e apenas 1,6% em janeiro de 2021, atingindo a taxa mais alta desde fevereiro de 1991.
E, na zona euro, segundo o Eurostat, a taxa de inflação homóloga atingiu, em fevereiro, um novo máximo de 5,8% na zona euro, valor que é comparado com os 5,1% do mês anterior e os 0,9% registados em fevereiro de 2021.
Sobre estes dados, Henrique Tomé, analista da corretora XTB diz que «enquanto a inflação continuar a subir na zona euro, os decisores de política monetária poderão ser ‘obrigados’ a intervir através de aumento sobre as taxas de juro». E acrescenta que «embora recentemente a presidente do BCE tenha afastado essa possibilidade, a verdade é que se a inflação permanecer elevada e se não der sinais de abrandamento, o BCE não terá outra alternativa senão intervir, tal como está a fazer a Fed».
E diz ao Nascer do SOL, que se a inflação permanecer elevada e persistente, «poderemos vir a assistir a uma redução substancial de determinados produtos, correndo o risco de passarmos por um período de estagnação que poderá trazer consequências gravosas para o crescimento económico».
Também Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, alerta ao nosso jornal que «a inflação elevada empurra o Banco Central Europeu para mais firmeza na sua política monetária, postura que poderá a travar a recuperação económica europeia».
Lembrando que o aumento dos preços da energia responde por mais de metade da subida da inflação no consumidor, o economista acrescenta que a zona euro «tem uma considerável dependência energética do exterior, logo preços mais elevados do petróleo e do gás tendem a traduzir-se em transferência de riqueza do bloco para os países produtores destas energias». Mas os alertas de Paulo Rosa não ficam por aqui: «Preços mais elevados diminuem o poder de compra da população e das empresas da zona euro» e, por isso, «dificilmente essa alta de preços é mitigada por ajudas dos governos sem retirar fundos de outras partes da economia da zona euro, devido à dependência energética e transferência de riqueza para o exterior».
Por seu turno, Mário Martins, membro do conselho de administração ActivTrades CCTVM diz que a inflação elevada «é vista como um ‘imposto’ escondido que corrói as poupanças e o poder de compra, o que pode levar a uma retração do consumo e a um abrandamento do crescimento económico, até porque os juros aumentam para a travar».
E Portugal?
De todos os dados económicos sobre a inflação que têm sido divulgados, Portugal fica abaixo da média. Será bom ou mau sinal? O analista da XTB diz que apesar de estar abaixo, «a verdade é que o último relatório do índice de preços ao consumidor (IPC) já começou a dar sinais novos de aumentos dos preços e esta tendência crescente poderá intensificar-se ainda mais, dado que o preço de várias commodities (mercadorias) têm estado a valorizar significativamente devido às tensões no leste da Europa que deverão agravar ainda mais o cenário inflacionista que tem preocupado os bancos centrais».
Já Paulo Rosa explica que «a alta dos preços da energia também representa a maior parte da subida dos preços no consumidor em Portugal». E não tem dúvidas que uma subida da energia «irá impulsionar a inflação em Portugal para níveis acima dos observados na última publicação», lembrando que «preços no consumidor elevados na zona euro e energia mais cara, acabam por agravar ainda mais os preços em Portugal».
Já Mário Martins é claro ao garantir que o aumento da taxa de inflação em Portugal vai trazer um menor crescimento económico «até porque dependemos bastante da construção e juros mais elevados restringem o setor, reduzem o poder de compra e aumentam as imparidades no setor financeiro».
A energia e a guerra
Os preços da energia continuam a ser os principais impulsionadores da taxa de inflação . Questionados sobre se a guerra entre a Rússia e a Ucrânia podem piorar esta tendência, os especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL não têm dúvidas que sim até porque, lembra Henrique Tomé, «temos visto isso acontecer». O analista diz ainda que os preços dos produtos energéticos e dos cereais «têm valorizado duma forma assustadora». E deixa números: só esta semana o preço do crude esteve a valorizar mais de 18% «e estas subidas deverão provocar aumentos nos combustíveis, mas também nos preços dos bens alimentares entre outros produtos e serviços, uma vez que as transportadoras não deverão conseguir contornar a atual situação» (ver página 15).
Já o economista do Banco Carregosa avança que a agudização da guerra entre Rússia e Ucrânia «faz renascer cada vez mais um cenário de estagflação, ou seja, uma estagnação económica associada a uma elevada inflação». E garante que, neste momento, não se trata apenas da alta dos produtos energéticos a impulsionar a inflação mas também «o considerável aumento dos preços dos principais cereais, como o trigo e o milho, e a subida dos metais industriais, nomeadamente alumínio e paládio».
O responsável recorda que a Rússia é o maior exportador mundial de trigo e a Ucrânia o quinto. «O preço do trigo registou na última semana uma subida de 60%, mais precisamente desde o dia 24 de fevereiro. A Ucrânia é o terceiro maior exportador de milho e a cotação deste cereal está em máximos desde maio do ano passado, valorizou pouco mais de 10% desde o início da guerra».
Lembrando que a situação já está a piorar neste momento, Mário Martins fala ainda noutro problema: «não há um final à vista». Em causa está a «elevada dependência da Europa aos ativos energéticos russos, principalmente o petróleo, uma vez que o gás natural, apesar de ser importante pode em parte ser substituído pelo consumo de carvão, ou seja inverter o movimento em direção a uma economia mais verde».
Dívida pública cresce
Ainda esta semana o Banco de Portugal (BdP) anunciou um agravamento da dívida pública que registou um crescimento de 2,8 mil milhões em janeiro deste ano face a dezembro do ano passado, para um total de 272,4 mil milhões. Pouco tempo depois, a Comissão Europeia deixou um aviso: os Estados-membros mais endividados precisam de começar a reduzir gradualmente a dívida pública e o défice orçamental no próximo ano, sem contar com os efeitos positivos dos fundos europeus.
Sobre o assunto, Nuno Mello, analista da XTB diz que «em 2021, o défice orçamental ficará muito próximo dos 3%, eventualmente mesmo abaixo dos 3% e portanto cumprindo com os tratados orçamentais da União Europeia».
Já Paulo Rosa diz que a tendência do rácio da dívida pública portuguesa em relação ao PIB nominal era de queda até há uma semana. «Com o agravar da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, a queda da dívida pública em percentagem do PIB nominal pode ser menor do que o esperado», acrescenta.