Depois da pandemia, agora enfrentamos uma guerra quando a economia parecia estar a crescer e as empresas a ganhar algum fôlego….
Estávamos a sair de uma pandemia, parece que saímos mais rápido do que aquilo que era previsível, pelo menos, no que diz respeito ao comportamento das pessoas. Neste neste momento somos confrontados com um novo grande desafio. A pandemia deixou as empresas numa situação frágil, primeiro por causa da disrupção das cadeias de abastecimento que ainda se verifica, o que trouxe problemas complicadíssimos à atividade das empresas. Depois devido ao aumento das matérias-primas, durante a pandemia que foi enorme e por todas as consequências que tivemos daí, nomeadamente a inflação que se verificou e que ainda se verifica. Em fevereiro, deste ano, a inflação na zona euro chegou aos 5,8%.
Está a bater sempre novos recordes…
Exatamente. Além disso, temos uma dificuldade que já tínhamos durante a pandemia e que se continua a manter que são as dificuldades de mão-de-obra, não só a qualificada, mas também a indiferenciada. Tudo isto com a quebra de volume de negócios que houve, com a dificuldade em circulação e de abastecimento, nomeadamente em questões de logística,
Estávamos no início do ano a registar um andamento positivo da atividade económica e, de repente, somos confrontados com uma dificuldade destas. E que vem agravar aquilo que já tínhamos, como os custos energéticos, os custos com os combustíveis que estão a afetar gravemente alguns setores.
Já havia alertas de que estes aumentos iriam penalizar inevitavelmente a tesouraria das empresas…
Mexem com toda a atividade económica, quer seja ao nível do funcionamento de algumas empresas, quer seja ao nível logístico, mais direto ou indireto. Os custos dos combustíveis afetam sempre as empresas e viemos agora a saber que é muito provável que, na próxima semana, tenhamos um aumento de oito cêntimos na gasolina e de sete cêntimos no gasóleo, o que é muito significativo. Por outro lado, assistimos ao agravamento dos custos da energia, em janeiro deste ano, a variação homologa era de 46,5%.
Como é que as empresas vão acomodar todos estes aumentos? Imagine o que é uma empresa ter uma subida de fatura mensal de cerca de meio milhão de euros. Estas situações em setores, como o da cerâmica, o do vidro, o da metalomecânica e todos aqueles, onde a energia tem um peso muito intensivo estão a provocar situações de grande asfixia nas empresas. Veremos até quando é que vão aguentar, daí defendermos que se deve pensar na alocação de recursos do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] para apoiar estes aumentos, não é para pagar a fatura da energia, mas para apoiar as empresas neste impacto.
Temos este recurso de verbas comunitárias, em que virá muito dinheiro nos próximos anos, mas se não atacarmos desde já aquilo que é fundamental, que é garantir a continuidade do funcionamento das nossas empresas pouco nos serve, num futuro próximo, termos muito dinheiro disponível se não tivermos depois como e onde aplicar. Ou pelo menos, aplicar de forma mais reprodutiva possível e o investimento mais reprodutivo é o que é feito nas empresas, na criação da riqueza. Se queremos que a recuperação do país passe pela recuperação da riqueza, pela criação de emprego e pela melhoria das condições remuneratórias da pessoas então não há outra solução que não seja o de termos empresas competitivas e com melhores desempenhos. Naturalmente ao melhorar a produtividade das empresas melhoramos o rendimentos das pessoas, que é o que todos ambicionamos.
Mas a verba do PRR está toda alocada. Há abertura para haver essa mudança?
Neste momento penso que a União Europeia deverá estar disponível a poder aceitar algumas alterações e alguma recolocação das verbas do PRR. Até porque, um dos grandes objetivos do programa é a competitividade da economia ou recuperar a competitividade da economia dos países e das empresas. Foi para isso que houve este programa excecional, além de todos os outros programas normais dos fundos comunitários.
Foi uma das vozes críticas das opções do PRR por abranger apenas 7% das empresas. Se houver essa alteração, o tecido empresarial poderá ser mais abrangido?
Espero que haja essa abertura e essa possibilidade de fazer essa revisão. E se dúvidas houvessem em relação às prioridades que não foram bem definidas basta ver a procura que houve nas agendas mobilizadoras face aquilo que era o orçamento disponível no PRR. Houve um conjunto enorme de bons projetos para valores muito superiores aquilo que estava previsto no PRR e que podiam ter sido apoiados pelo programa. Mas as prioridades que foram definidas foram assentes no investimento público e muito dele não reprodutivo.
É o caso da digitalização da função pública?
É importante que seja feita, até porque ao nível da função pública há uma necessidade muito grande de se fazer essa transição digital e de ter uma capacidade de resposta muito mais célere, com serviços mais modernos, mais capazes de apoiar as empresas e de não serem mais um problema para as empresas e para a economia nacional. A questão vai muito além disso. Era preciso que a verba alocada ao PRR tivesse sido feito como foi feita em outros países, em que a prioridade foi alocar mais recursos ao setor privado, mais recursos ao setor empresarial para que pudéssemos ter um investimento mais reprodutivo e com melhores impactos.
Mas há quem diga que é para digitalizar a burocracia…
Claro, a transição digital não é colocar mais equipamentos informáticos nas instituições. É preciso que esses equipamentos informáticos contribuam para diminuir o tempo de decisão dos processos, para diminuir todo o atraso que há nas respostas aos processos e que as pessoas estejam capacitadas para tirarem o devido proveito. Caso contrário, é passar de uma burocracia mais manual para uma mais digital.
Disse recentemente que há risco do PRR não ser executado…
Disse exatamente por essa razão. Se o PRR tem como forte componente o investimento em infraestruturas e se as empresas já têm dificuldade em dar resposta aos contratos que têm, com a falta de recursos humanos que existe, com a falta de matérias-primas e com o acrescimento de todos os custos corremos o risco de não executar o PRR por não temos capacidade de resposta.
Neste momento sem o PRR e sem estes investimentos todos previstos já estamos na situação em que estamos então com este acréscimo de investimentos e de infraestruturas teremos naturalmente muita dificuldade em dar resposta e em executar. Isso preocupa-nos e por isso é que as prioridades deviam ser revistas. Penso que a Comissão Europeia deve estar aberta e disponível a isso, porque o contexto do mundo está em constante mudança com estas situações e deve haver uma capacidade de adaptação. Isso é o que se pede às nossas empresas, a todos nós.
Então se temos esta capacidade de adaptação face aquilo que são os contextos que vão surgindo então porque é que ao nível dos Governos e da Comissão Europeia não deve acontecer o mesmo? As empresas tiveram de se reinventar, de reestruturar e de se readaptar a tudo isto então porque é que o Estado, o Governo e os decisores europeus não têm de fazer o mesmo? Acho que devem. Os tempos estão a mudar e as políticas têm que ser adequadas a estas mudanças e a estes novos desafios que temos pela frente. Caso contrário vamos ter consequências que ninguém gostaria de ter.
Quando Portugal apresentou o PRR era para enfrentar os efeitos da pandemia, não de uma guerra…
Era para enfrentar as consequências de uma pandemia que, neste momento, estão agravadas. Se, naquela altura, o PRR fazia sentido para fazer face às consequências da pandemia, que fragilizaram a economia dos países e as suas empresas, hoje essa situação ainda está mais agravada. As verbas que foram alocadas pela Comissão Europeia é para serem utilizadas pelos países para aquilo que são as suas prioridades no sentido de minimizar os impactos causados pelas consequências da pandemia. Alguns países da Europa já estão a pensar em pôr essa alocação ou reafetação de verbas do PRR para apoiar as empresas no impacto que estão a ter com estes custos energéticos.
Estes aumentos contínuos não dão nenhum fôlego às empresas…
Sem dúvida. O preço do barril do petróleo tem vindo a aumentar, o custo do gás natural já subiu cerca de 55% e vamos ver até onde vai. Há aqui uma variável que vai ser diretamente proporcional ao impacto que é a duração do tempo desta guerra. Quanto mais durar mais impacto vai ter nas economias. Temos que nos preparar para o pior e esperar o melhor.
Precisamos de preparar as empresas para um cenário mais difícil, esperando que não seja tão difícil. Agora não podemos é pensar o contrário porque aí as coisas têm tudo para correr mal. E neste momento estamos a viver uma outra situação, o Governador do Banco de Portugal também já veio falar que é esta estagflação, como aquela que já tivemos nos anos 70. Ou seja, estamos com um crescimento praticamente zero, com uma elevada taxa de inflação e com a possibilidade de aumentar ainda mais, o que coloca aqui um desafio enorme que é saber quais são as políticas que contribuem para resolver este problema. Porque, se por um lado, para resolver o problema da inflação era bom aumentar as taxas de juros, por outro lado, se o fizermos, o crescimento ficará ainda mais comprometido.
Então que tipo de políticas públicas é que podemos ter para resolver isto? Penso que a melhor forma ou a menos má será a melhor alocação e a melhor aplicação dos recursos que temos neste momento disponíveis. É o caso dos programas comunitários. O Portugal 2020, que falta executar 30%, o PRR que está no início da sua execução e o Portugal 2030 que ainda nem sequer começou, nem o acordo de parceria está ainda assinado. Vamos ter até 2030 perto de 70 mil milhões de euros para executar. Se formos capazes de fazer uma boa alocação destes recursos poderemos eventualmente ter um impacto menor face à situação que estamos a viver e, desta forma, poderemos dar resposta aos desafios que são colocados hoje à economia nacional, às nossas empresas e naturalmente às pessoas.
Outra coisa que sabemos é que vivemos num momento de economia europeia, com uma forte interligação e interdependência entre os diferentes mercados e, além do que poderemos fazer para mitigar o problema também sabemos que vamos ter na nossa economia e nas nossas empresas uma situação que não depende só de nós. Podemos tentar resolver internamente, agora há sempre um conjunto de fatores, dois quais não temos qualquer controlo e que podem afetar a atividade. Por isso, o melhor que temos a fazer é criar as melhores condições possíveis para atuar sobre as nossas empresas. Só dessa forma é que criamos emprego, criamos riqueza e continuamos a manter a nossa economia com um desempenho menos mau face a impactos de grande dimensão que são muito preocupantes.
Um dos últimos estudos da AEP e falava numa recuperação clara do nível de atividade mas que termos de em exportações ficava aquém do desejado. Com este problema a situação ainda se vai agravar mais?
As empresas vão ter um desafio acrescido. Em 2021, as exportações cresceram 18,1% face a 2020 e 6% face a 2019. Já se estava a iniciar um processo de recuperação e, nesta altura, há ainda um outro fator a agravar: as moratórias fiscais e bancárias que terminaram em dezembro do ano passado. As empresas foram novamente confrontadas com um esforço financeiro acrescido e não havendo uma retoma da atividade para valores normais, ou seja, os negócios não retomando, as exportações não retomando, o consumo interno não retomando vai levar a situações de grande asfixia. Se a isto somarmos os aumento que já falámos diria que está tudo criado para termos uma situação muito complexa e difícil para as nossas empresas, sem falar na possibilidade do aumento das taxas de juro.
É preciso que o Governo com os recursos que tem disponíveis dos programas comunitários ser mais ágil, menos burocrático e ter mais capacidade e mais sensibilidade para apoiar o tecido empresarial. Estas eleições permitiram que o Governo se libertasse eventualmente de aquilo que poderiam ser as imposições de alguns partidos que estavam na gerigonça e que podiam limitar a atuação no apoio às empresas e à economia, agora não tendo essa limitação tem uma responsabilidade acrescida que é, nesta fase, disponibilizar o máximo de recursos e colocar as empresas no foco da sua prioridade, da sua atenção.
Sem falar das questões sociais que já temos e vamos continuar a ter e a melhor forma de dar resposta a estes problemas sociais é termos empresas com bom desempenho, empresas a criarem emprego e a criarem riqueza, porque essa é a melhor resposta social que se pode dar em qualquer sociedade.
Nesta fase há risco de empresas fecharem as portas?
Há empresas que neste momento estão em risco de fechar as portas porque já vinham de uma situação frágil do período da pandemia. Além do aumento de custos têm também necessidade de liquidez porque têm de começar a pagar os financiamentos que tinham. E depois há ainda a questão da disrupção das cadeias de abastecimento que ainda não está resolvido, o aumento das matérias-primas mantém-se, ou seja, não voltou a preços anteriores da pandemia. Face a isto e face à situação que estamos a viver há empresas que tenho sérias dúvidas que se consigam manter em funcionamento.
Tem ideia de quantas empresas estão nessa situação?
Não tenho um número exato. As empresas fazem-me chegar as suas preocupações e são mais penalizadas as que estão em setores de atividade, onde os custos energéticos na sua produção têm mais significado. São essas que estão neste momento com maior dificuldade. Diria que estão nesta situação todos os setores industriais e, em especial, os que têm utilização de consumo muito elevada da energia.
O aumento das matérias-primas é outra dor de cabeça que já existia…
No outro dia estava a jantar com um empresário que tinha feito uma encomenda de aço e não tinha afirmado a encomenda na sexta-feira e ia fazer o pagamento na segunda-feira. De sexta para segunda aumentou 7%, a acrescer aquilo que já tinha sido o aumento de cerca de 30% durante o período da pandemia.
Estamos a falar já de um aumento de 37%…
Se fizermos contas de uma forma muito simples sim. Além do aumento da logística de transportes que não voltou aos preços anteriores, mantém-se em preços do período da pandemia. O transporte marítimo, em muitos casos, triplicou e até houve situações, em que quadruplicou.
Há muitas empresas portuguesas a exportar para a Rússia ou para a Ucrânia?
O aço tem algum significado. Depois tínhamos algumas empresas no setor da cortiça que estavam a crescer nas exportações para a Rússia. O mesmo acontecia no setor do papel e das bebidas. Mas a relação bilateral Portugal/Rússia não é muito fácil de identificar em termos de indicadores porque, muitas vezes, as exportações não são diretas. Ou seja, vão por países que estão ao lado para contornar as políticas restritivas que existia em termos de importações que a Rússia muitas vezes tem em alguns setores e para alguns produtos.
O problema é que voltamos sempre ao mesmo que saber qual é o impacto que isto vai ter ao nível das economias da zona euro. Portugal exporta cerca de 60% para a Europa e se estas economias vão ser afetadas, naturalmente que isso irá se ressentir nas exportações. Há casos em que o impacto vai ser mais direto, em outros indireto. Além das questões que estão relacionadas com a suspensão do acesso à possibilidade de pagar através do sistema bancário, mas isso são questões que se conseguem resolver de uma forma ou de outra.
É o caso do bloqueio do SWIFT…
É mais um fator a dificultar esta relação comercial que tínhamos com a Rússia.
Era inevitável esta medida?
As sanções que estão a ser aplicadas à Rússia tinham que ser feitas. Não havia outra alternativa que não fosse aplicar sanções porque entrar diretamente na guerra transformaria esta guerra entre os dois países numa guerra mundial e com as consequências que isso teria.
Um dos problemas que tem vindo a apontar é a falta de mão-de-obra que está a afetar todos os setores. A vinda de ucranianos para Portugal poderá, em parte, resolver este problema?
Acho que sim. Enviámos na sexta-feira passada uma carta ao Governo, através do ministro da Economia, em que nos disponibilizámos para apoiar e trabalhar num programa de integração de imigrantes, de refugiados e também para estimular alguns portugueses a regressar. Já alertámos isso há algum tempo: precisamos de ter uma política de imigração. Agora já se vão criar mecanismos para simplificar a entrada desses refugiados e todo o seu processo de legalização. Até agora, as empresas que queriam trazer pessoas de outros países tinham imensa dificuldade, havia uma burocracia enorme.
Uma teia burocrática?
Uma teia burocrática, com imensa demora e com imensos custos. Portugal precisa de uma política de imigração e quando falo em politica de imigração não é só trazer pessoas para virem cá para trabalhar. Temos o exemplo de pessoas que vieram de alguns países, que estão a trabalhar no setor agrícola e no agroindustrial, onde estamos a criar bolhas de pessoas que não estão integradas nas comunidades.
No caso da Ucrânia vai ser difícil trazer homens nesta fase porque estão a ser chamados para combater, mas no futuro acreditamos que virão muitos, apesar de virem por razões menos boas. Se trouxermos famílias resolvemos vários problemas: a falta de mão-de-obra nas empresas, poderemos ter senhoras para darem assistência a pessoas com mais idade, tendo em conta que temos uma população cada vez mais envelhecida e temos cada vez maior dificuldade em ter pessoas disponíveis para esse trabalho.
Também podemos ter mais miúdos nas escolas e eles passado algum tempo terão a sua aculturação ao nosso país e já se sentirão como portugueses. Ainda por cima temos essa capacidade de saber receber as pessoas e de integrá-las. Mas para isso é preciso haver ações de aculturação, de formação linguística, de integração social para que venham para o nosso país e se sintam como cidadãos portugueses. O que tem acontecido é que essas pessoas vêm e ficam em determinadas bolhas, em que não se potencia essa integração no nosso país.
Como aconteceu com as estufas em Odemira?
Não queria estar a particularizar, mas temos aí o exemplo do que não deve acontecer. Mas também tem de haver alguns cuidados. Portugal não pode servir de plataforma para depois entrarem na Europa, ou seja, entram para o nosso país e depois como alguns conseguirão melhores condições noutro país europeu vão-se embora. Tem de haver naturalmente algum controlo, mas Portugal tem de apostar nessa política de imigração. Neste caso concreto e de uma forma muito rápida ao nível da ação de acolhimento de refugiados, mas temos outros mercados, como os países do CPLP, etc., que nunca explorámos da forma que devíamos.
A ideia seria replicar este processo mais ágil a outros países?
Exatamente. Não só para o presente e para o imediato, mas para o futuro porque Portugal vai precisar de trazer outras pessoas de outros países para virem trabalhar.
Principalmente quando temos o desemprego em mínimos históricos…
Essa notícia é muito boa porque temos uma taxa de desemprego muito baixa. Mas por outro lado dá-nos o sinal que há falta de pessoas para trabalhar.
A AEP fez algum levantamento de quantas pessoas são precisas?
Não porque isso exige um trabalho muito extenso e intenso, implicaria irmos de setor a setor. Sabemos que os empresários quando falam connosco apontam sempre a dificuldade que têm em matéria de mão-de-obra e na dificuldade que têm em cumprir com os contratos porque não têm pessoas para trabalhar. E isto está a provocar um aumento do custo da mão-de-obra. Esse é um verdadeiro problema no presente e continuará a ser no futuro próximo se não fizermos nada rapidamente.
Esse custo já ultrapassa os valores fixados do Salário Mínimo Nacional?
O mercado de emprego é como outro qualquer, a relação oferta/procura dita o preço. Sabemos que há muitos setores que já não praticam salários mínimos porque têm escassez de mão-de-obra e, como tal, têm de oferecer mais para poderem ter pessoas disponíveis para trabalhar. Outra coisa que é preciso fazer é atuar sobre o salário médio e sobre as pessoas qualificadas.
Portugal faz um grande investimento que é reconhecido pela qualidade do ensino que é desenvolvido ao nível das universidades e dos politécnicos, mas depois os nossos jovens qualificados, diria alguns bastante qualificados, vão para outros países. Ou seja, o investimento que fizemos na formação desses jovens vai ter frutos em outros países. Temos de ter a capacidade, condições e sermos atrativos em termos remuneratórios para fixarmos muitos dos nossos jovens. O problema não está no salário mínimo mas também no salário médio e na nossa capacidade de retermos talento e de retermos pessoas qualificadas.
Nas eleições, o PS acenou com poucas ou nenhumas mudanças face ao Orçamento que iria apresentar em 2022. Com estas alterações, o documento vai ter que ser diferente?
Acho que sim. Há uma série de questões que mudaram e acho que o Governo deverá rever o documento. Por exemplo, o Orçamento do Estado previa que o preço do barril de petróleo era de 67,8 dólares. Neste momento está mais de 76% acima daquilo que estava previsto. Ou seja, é preciso refazer contas e olhar para a questão de apoio às empresas. É preciso também olhar para a carga fiscal sobre os custos energéticos.
Percebo que o Estado tem que se acautelar porque pode vir a sofrer um grande impacto se houver uma alteração significativa das taxas de juro, mas uma coisa é certa, se não tivermos uma economia a funcionar com as empresas minimamente competitivas também todo o resto deixa-se de verificar. Face a isto, o Orçamento devia ser revisto, repensado e há várias contas que vão ter de ser feitas porque tudo mudou.
A par da revisão do ISP que outras mudanças deveriam ser feitas?
Precisamos de ter uma carga fiscal competitiva. Depois há outras situações que estão relacionadas, como é a questão da lei laboral, em que é preciso torná-la mais ágil, mais adequada a estas mudanças e a estes desafios que as empresas têm. Depois há outras coisas mais em detalhe e é preciso rever toda estas questões que foram colocadas durante a pandemia, em algumas delas vão ter de ser repensadas e reutilizadas eventualmente com novas linhas de apoio às empresas. Relembro que o Banco de Fomento devia estar já com uma atividade mais célere e ainda não está, quando as empresas estão com uma grande necessidade de liquidez. A banca tem liquidez mas não coloca o dinheiro nas empresas na forma que é necessário colocar. Ainda por cima, o Banco de Fomento tem verbas do PRR para criar linhas que permita às empresas receber financiamento. Isso deve ser visto como uma prioridade, uma necessidade, em que é preciso dar resposta.
Ainda está a meio gás…
Precisamos de acelerar o funcionamento de um conjunto de estruturas e colocar mais instrumentos ao serviço das empresas para que possam funcionar.
A banca tradicional dá menos empréstimos às empresas? Ainda têm receio das carteiras de mal parado do passado?
A banca, por um lado, não quer e haverá situações em que não pode correr alguns riscos, daí a grande importância do Banco de Fomento.
Antes das eleições tinha defendido um compromisso ao centro. Ficou surpreendido com a maioria do PS?
Para nós empresas, empresários é fundamental que haja estabilidade no país e que as empresas sejam respeitadas e apoiadas naquilo que é o seu contributo para a economia do país, para a criação de riqueza do país, para as políticas sociais e para aquilo que são sempre chamadas que, mesmo nesta situação difícil, dão apoio a todas as situações mais complicadas que estamos a viver. Não se podem lembrar apenas das empresas nestes momentos. É preciso lembrar que também precisam de apoios para depois poderem desempenhar esta função.
O Governo que estava muito dependente dos partidos à esquerda com uma visão em que olhava para as empresas como um inimigo naturalmente tinha um contexto de atuação mais desfavorável. Agora espero que o Governo com esta maioria e com esta estabilidade tenha políticas diferentes e que vá de encontro daquilo que o país e a economia precisa e, por não estar refém desses partidos pode fazer uma atuação mais ao centro.
Deve olhar para as empresas e para a economia como deve ser olhada e não como era no passado recente e com algumas medidas que foram tomadas, completamente desajustadas, em que às empresas tudo era exigido. Para podemos ter postos de trabalho, boas condições remuneratórias e para empresas pagarem os seus impostos precisam de condições para terem um bom desempenho, para serem competitivas. Se assim for teremos crescimento, criação de riqueza, um país que é mais interessante para que as pessoas fiquem cá e e também para captarmos investimento, mostrando aos investidores que somos um país que respeitamos e temos preocupação em criar boas condições para as empresas desempenharem a sua atividade no nosso país.
E como viu a discussão durante a campanha eleitoral da redução do IRS vs IRC?
Para captar investimento é fundamental que exista estabilidade. Essa é a primeira condição. A segunda é ter uma política fiscal que permita que as empresas não tenham de alocar grande parte dos seus recursos ao pagamento de impostos e possam utilizar esse dinheiro para investir e para criar melhores condições para a sua competitividade. É natural que cada partido tenha a sua visão. Uma coisa é certa se não criarmos uma política fiscal que seja menos penalizadora para a atividade das empresas vamos ter certamente maior dificuldade em pagar salários. Já dizemos há muito tempo que os salários não devem ser aumentados por decreto. Devem ser aumentados porque o salário é uma remuneração pelo trabalho prestado e influenciado pelo desempenho das pessoas e pela melhoria da produtividade das nossas empresas.
Ora se temos um problema de produtividade muito complicado e que anda à volta dos 76/77% da média, enquanto não resolvermos este problema, a melhoria das condições salariais vai sendo cada vez mais difícil. Por isso, é preciso criar condições para investir, para qualificar as pessoas. Aí deve haver uma grande preocupação e que deixou de existir, em que as associações empresariais tinham um papel ativo, interventivo e de resposta em relação aquilo que são as necessidades de qualificação dos recursos humanos.
Não podemos é cometer os mesmos erros do passado ao nível de formação que era fazê-la por catálogo, não indo ao encontro daquilo que as empresas precisam. Daí o papel das associações empresariais que interagem diariamente com as empresas e, como tal, deviam ter um papel central nesta qualificação de recursos humanos e na requalificação. Esta decisão de melhorar o fim da linha, ou seja, queremos melhorar os salários só porque sim ou porque é importante não faz sentido. O que faz sentido é criar as condições para que isso aconteça naturalmente.
Também já disse que ambiciona que o próximo ministro das Finanças seja menos cativador. Um dos nomes falados para essa pasta é a de Fernando Medina. É uma boa solução?
Não consigo fazer essa antevisão. Só consigo avaliar depois do desempenho. Espero um ministério das Finanças mais ágil, que responda mais rapidamente e que permita que os investimentos não fiquem muito tempo parados à espera de decisões. E que tenhamos um ministro da Economia que aja mais diretamente, que tenha peso político no Governo e que coloque as empresas no centro das políticas publicas porque é fundamental e crucial para o país. Sei que do lado do Ministro das Finanças tem uma tarefa dificílima que é o de gerir um Orçamento.
E que tenha as tais contas certas…
As contas certas são importantes e Portugal precisa de ter contas certas, mas por outro lado, temos que ter contas certas por via da não utilização de recursos ou de não investimento depois vamos ter consequências mais à frente, fragilidade do país que nos vai obrigar a fazer investimentos maiores que seriam aqueles que eram necessários neste momento.
Mas o nome de Fernando Medina não gera grandes consensos e por ter partilhado dados com a Rússia…
Essa é uma competência do primeiro-ministro, não quer dar opinião sobre a pessoa em concreto. O importante é que tenhamos pessoas competentes e que contribuam para que o Governo tenha um bom desempenho. Se o Governo tiver um bom desempenho todos ganharemos com isso e no fim o país é que será naturalmente beneficiado. Quanto à pessoa em concreto não é isso que define a sua capacidade ou a sua. Foi um momento infeliz, penso que já foi julgado por isso porque todos já criticaram a situação, mas não é isso que define a competência da pessoa.