Se até aqui era um dado adquirido, a saída de Augusto Santos Silva do Ministério dos Negócios Estrangeiros para vir a presidir a mesa da Assembleia da República parece agora fazer soar os alarmes. Com a ofensiva russa na Ucrânia que ameaça arrastar o resto da Europa para uma guerra há quem questione se este é o momento certo para substituir o chefe da diplomacia portuguesa.
No Parlamento, na terça-feira, durante a sessão da Comissão Permanente, dedicada à guerra na Ucrânia, André Ventura desafiou diretamente Santos Silva a responder sobre se vai ou não abandonar o Executivo: “Vai ou não continuar como ministro dos Negócios Estrangeiros? Não venha dizer que não sabe porque não há ninguém neste Parlamento ou no país que acredite que não sabe”, lançou.
O deputado do Chega lembrou “o momento difícil” que se vive nas relações internacionais e acusou o governante de “fugir às suas responsabilidades” para poder vir a “sentar-se na cadeira de Eduardo Ferro Rodrigues”, aludindo ao plano de António Costa de vir a propor o nome de Santos Silva para a Presidência da Assembleia da República, tal como tinha avançado o Nascer do SOL, no início de fevereiro.
O repto não mereceu uma resposta do ministro, que se manteve em silêncio sobre este tema. Já Ferro Rodrigues não se privou de comentar: “Já sabemos quem é que não vai [sentar-se à mesa da AR]”, declarou, em evidente referência ao boicote à candidatura de Diogo Pacheco Amorim pelo Chega à vice-presidência da Assembleia da República.
Até agora, nem o primeiro-ministro, nem Augusto Santos Silva desfizeram o tabu, mas dentro do PS há vozes que defendem que o “ideal é não mexer no ministro dos Negócios Estrangeiros”, pela sua experiência e reconhecimento político no estrangeiro. Esta posição foi até assumida pelo presidente da Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros, Sérgio Sousa Pinto, em declarações ao Público.
Consequências da guerra No debate plenário da Comissão Permanente, o ministro dos Negócios Estrangeiros foi ainda instado a responder sobre as soluções que o Governo e a UE têm planeadas para atenuar os impactos da guerra.
Santos Silva salientou a “unidade” e “adesão absoluta” às propostas do Conselho Europeu para enfrentar o “abalo tectónico” que a guerra representa, que passam pelo aumento do investimento em Defesa, pela redução da dependência energética face à Rússia e o reforço da independência no que se refere a matérias primas.
Pelo PSD, a deputada Isabel Meireles exigiu ao Governo mais medidas para proteger os consumidores face ao aumento generalizado do preço dos combustíveis, acusando o Executivo socialista de apenas ter anunciado “migalhas”. Neste sentido, pediu uma redução mais consistente no ISP (Imposto Sobre Produtos Petrolíferos).
Pela voz de Cecília Meireles, o CDS-PP também advertiu para os “problemas muito sérios” que existirão no país, caso nada seja feito ao nível dos apoios no setor alimentar.
Reconhecendo que o país está a sofrer “consequências indiretas da guerra”, o ministro dos Negócios Estrangeiros lembrou que Portugal tem uma posição “protegida” em relação aos mercados dos dois países em confronto militar e adiantou que o próximo Conselho Europeu “dará orientações muito importantes no domínio da resposta coordenada à escala europeia face aos efeitos negativos que decorrem da incerteza geopolítica”.
Já o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, pediu que fossem revelados os dados sobre o impacto da aplicação de sanções em Portugal aos cerca de 400 russos com vistos gold e que possuem negócios milionários no país.
“Quantos são, quem são e quais os negócios congelados pelo Governo?”, questionou, mas não obteve resposta da parte do ministro.
Orgulhosamente sós, os comunistas voltaram a acusar a União Europeia, o Governo, os Estados Unidos e a NATO de estarem a “aumentar a escalada de guerra” na Ucrânia. O deputado PCP Bruno Dias referiu até que a “censura” que existiu em Portugal “regressa” com a proibição dos canais televisivos russos, pedindo uma “condenação” ao Governo por esta medida que considera ser um “atropelo à Constituição”.
Ironicamente, a Iniciativa Liberal não deixou passar ao lado esta intervenção: “Voltamos a permitir a emissão de canais russos e o senhor fala com Putin para ele sair da Ucrânia”, atirou João Cotrim de Figueiredo.