A arte de comunicar em tempos de guerra

Na angústia e na incerteza, somos mais condicionados do que o cão de Ivan Petrovich Pavlov. Se nos dizem para não entrarmos em pânico, é certinho que o nosso nível de cortisol dispara. Talvez nem sequer ainda tivéssemos pensado sobre a hipótese de nos faltarem bens essenciais. Mas o facto de nos assegurarem que eles…

Por Sofia Aureliano

Na angústia e na incerteza, somos mais condicionados do que o cão de Ivan Petrovich Pavlov. Se nos dizem para não entrarmos em pânico, é certinho que o nosso nível de cortisol dispara. Talvez nem sequer ainda tivéssemos pensado sobre a hipótese de nos faltarem bens essenciais. Mas o facto de nos assegurarem que eles não irão faltar, alerta-nos para a possibilidade dessa consequência e alimenta-nos a suspeita de que efetivamente faltarão. Isto deve-se a um viés cognitivo chamado “da confirmação”, segundo o qual tendemos a procurar informações que confirmem as nossas crenças e medos, ignorando a informação que os contradiz. Como qualquer viés, este também influencia o nosso comportamento, estando associado ao nosso sistema automático de pensamento. Agimos emocionalmente, enviesados por estas armadilhas, e ficamos incapazes de avaliar racionalmente as situações.

O resultado? Chama-se “panic buying”, é um comportamento conhecido e documentado.  Historicamente, verifica-se em situações de crise e, em Portugal, pudemos verificá-lo recentemente, quer no caso do isolamento coletivo devido à Covid-19, ou na ausência de combustíveis para abastecimento. Nos dois casos, verificou-se exponencialmente a tendência para o açambarcamento e a compra desmesurada de bens que se antecipou que poderiam, escassear: do papel higiénico (símbolo de segurança e higiene) ao combustível (símbolo de liberdade de movimento).

Gera-se o pânico e a consequente corrida às lojas para garantir a aquisição de bens considerados essenciais, de forma absolutamente desproporcional em relação às necessidades reais. Paradoxalmente, verificamos que é a nossa ação coletiva e irracional, em resposta ao pânico, que acaba por gerar a real escassez dos bens.

Dito isto, é avisado que se adotem estratégias adequadas na forma de comunicar em tempos de guerra. Porque a comunicação já demonstrou ser uma ferramenta crucial neste conflito. Com o eco diário nos meios de comunicação social, o mundo testemunha todas as movimentações e toma partido. O que representa uma corrente de opressão contra Putin e a sua agenda megalómana, e desequilibra as forças do conflito. As tropas russas avançam e vencem no embate militar, enquanto Zelensky vai ganhando terreno na guerra digital. É a sua mensagem que colhe mais adeptos e reúne consensos, alimentando o endeusamento dos seus representantes, tidos, globalmente, como heróis. A comunicação tem responsabilidades na primeira linha, na construção da imagem pública dos dois lados da barricada. Mas também pode tê-las na colateralidade, minimizando os efeitos para os observadores (mais ou menos participantes).

A ciência já nos deu evidência suficiente sobre o comportamento humano, para sabermos construir eficazmente as mensagens, motivando o retorno pretendido. Há profissionais que dedicam a sua vida a isso e aplicam o seu conhecimento com arte e engenho.

Agora que o governo está prestes a tomar posse, é a altura ideal para fazer alguns acertos estratégicos na forma de comunicar com os portugueses. Sugiro que comecem por identificar um ou dois speakers capacitados para falar com eficácia, seguindo mensagens predefinidas e adequadas. Um governo, uma voz, uma mensagem.

E, uma vez que já reconheceram a importância das ciências comportamentais para a criação de contextos sociais facilitadores da comunicação em tempo de crise – ou não teriam criado a task force de ciências comportamentais para comunicar a pandemia – está na altura de implementar estratégias efetivas. Porque a pandemia pode estar controlada (não está mitigada!) e deixou de ter valor-notícia. Mas a guerra na Ucrânia é real, atual, poderá tornar-se crónica e os seus efeitos têm de ser controlados. Sob pena de terem consequências drásticas à escala global e de espoletarem muitas outras crises humanitárias.

Sublinho que não basta criar uma task force por decreto. É preciso que ela seja consequente e que traduza uma verdadeira intenção de ponderar a forma mais eficaz de comunicar, de acordo com a evidência existente sobre o comportamento humano. Não chega apresentar um grupo e dar-lhe um nome, simulando abertura de pensamento e alguma modernidade no exercício das políticas públicas. A inovação não se atinge com rótulos. Alcança-se, sim, com resultados efetivos e mensuráveis.

Experimentem criar uma unidade comportamental de nudging dentro do governo, como fez David Cameron ou Barack Obama. E contar com os seus inputs para contextos que favoreçam a adoção de medidas que dependam da ação dos portugueses. Uma boa ideia seria começar por assumir como caderno de encargos a comunicação relacionada com a guerra. À experiência. Teríamos um plano de ação feito à medida das nossas circunstâncias e necessidades coletivas. Promovendo a responsabilidade individual e o sentimento de pertença ao todo.

Porque existe uma razão para sermos amplamente generosos com os povos em necessidade, tão distantes física e culturalmente, ao mesmo tempo que esvaziamos as prateleiras dos supermercados, sem pensar no outro, ao nosso lado.

Parece contrassenso, mas é apenas uma resposta humana a um contexto. E está amplamente estudada.