César das Neves
'O novo Governo será mais do mesmo’
César das Neves não está à espera de grandes surpresas em relação ao novo Governo. O economista diz ao Nascer do SOL acreditar «que será mais do mesmo», reconhecendo. No entanto, também está convicto de que, «desta vez, contará com alguns brilharetes devido ao PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]». O economista não comenta os nomes escolhidos por António Costa para liderar o novo Executivo, mas em relação à novidade de juntar todos os Ministérios na Caixa Geral de Depósitos diz apenas: «Veremos se funciona bem».
E, face a este cenário, admite que a linha política deverá manter-se: «Promover o consumo e satisfazer os grupos de pressão, sem derrapar nas finanças públicas», enquanto o «progresso, reformas e transformação tecnológica devem ficar em segundo plano, como nos habituaram e o crescimento deve manter-se medíocre».
César das Neves reconhece ainda que atualmente as atenções estão viradas para a guerra da Rússia contra a Ucrânia e, de acordo com o responsável, é «uma enorme imponderável que altera tudo», acrescentando que «ainda ninguém sabe quanto e como», referindo ainda que «de qualquer modo deve ser um choque violento mas temporário, se não for terrível».
Perante as incertezas, o economista afirma que o próximo Orçamento do Estado terá de ser completamente novo e ficará quase colado ao de 2023, ao contrário do que foi acenado por António Costa durante a campanha eleitoral e que passaria por apresentar o documento que tinha sido chumbado pelos parceiros da antiga geringonça.
Aliás, reforça que tal resulta do boletim económico de março divulgado esta semana pelo Banco de Portugal, que baixa a projeção do crescimento português este ano para 4,9% e «será a primeira tentativa de por números nesta confusão». Ainda assim, reconhece que «é corajoso», mas espera que «algo será certamente revisto em breve», acenando com revisão em baixa as metas de crescimento, das exportações, entre outros indicadores.
Estamos perante um cenário de estagflação – situação em que um determinado país ou bloco económico, como é o caso da União Europeia, está numa ‘tempestade perfeita’, com três fatores a contribuírem para a crise: alta inflação, queda do crescimento económico e aumento do desemprego – apesar do Banco Central Europeu (BCE) ter afastado este cenário? César das Neves garante que o banco central tem de dizer isso, mas refere que é «mais desejo que realidade». E vai mais longe: «O choque que estamos a viver é claramente estagflacionista. Pelo menos, na inflação o BCE tem meios para a combater, mas pode com isso agravar a estagnação».
Eugénio Rosa
‘A crise económica será dramática para Portugal’
«Somos confrontados com duas guerras, uma visível – a militar – que está destruir um país e a provocar a fuga em massa da sua população para fugir aos horrores da guerra e mesmo para salvar a vida; e outra, menos visível para muitos mas não menos dramática – a guerra económica – com consequências também devastadoras que não atinge apenas o pais agressor como alguns dizem ou pensam, mas todos os países da Europa e, em particular, Portugal devido à debilidade da sua economia e do seu tecido social», afirma Eugénio Rosa ao nosso jornal. E garante que a crise económica e social será dramática para Europa e, muito em particular, para Portugal, «com a paralisação ou mesmo fecho de centenas de empresas ou de setores da nossa economia por não terem condições para funcionar – preços incomportáveis de energia e de custos de transportes, falta de matérias primas e outros materiais, etc. -, o que já se está a verificar, com o aumento do desemprego e da inflação, da pobreza e até mesmo mesmo da fome».
Desta forma, para o economista, é neste quadro que o novo Governo vai tomar posse. No entanto, garante que as prioridades do próximo Executivo «deverão passar por manter em funcionamento a economia, impedindo a destruição de grande número de empresas e de milhares de empregos e, ao mesmo tempo, apoiar os dois milhões de portugueses pobres».
Uma situação que, no seu entender, deverá ‘obrigar’ o novo Governo a rever o Orçamento do Estado. E deixa uma alerta: «As hipóteses que serviram de base à elaboração do cenário macroeconómico do orçamento chumbado já não têm qualquer aderência à realidade atual e certamente futura», acrescentando que será necessário estimar as receitas e as despesas do Estado, as alterações eventuais nos impostos, o investimento, entre outros. «O preço do barril de petróleo é cerca do dobro do considerado no cenário macroeconómico, a inflação disparou (é já 4 vezes superior), a necessidade de apoiar os trabalhadores, as famílias e as empresas aumentou significativamente, as cadeias de abastecimento estão em rutura mais grave e os custos dos transportes subiram enormemente», salienta.
Quanto à composição do novo Executivo, Eugénio Rosa acredita que «à primeira vista parece ser um Governo frágil, não estando à altura da dimensão e da gravidade dos problemas que o país enfrenta atualmente, que está profundamente debilitado por uma pandemia e ainda tem de a suportar os efeitos devastadores de uma guerra real e económica, com muitos membros que parecem estar mais disponíveis em dizer yes ao 1.º ministro».
Já quanto ao facto de ser mais reduzido, diz apenas: «O Governo anterior tinha 20 ministros e 50 secretários de Estado, o atual tem 17 ministros e 38 secretários de Estado, não se pode dizer que seja um Governo pequeno». Mas aplaude a ideia de juntar todos os Ministérios na sede do banco público. «É sem dúvida positivo a utilização do ‘elefante branco’ que é o edifício da CGD, um edifício faraónico, no entanto, é preciso não esquecer que a sua adaptação obrigará a investimentos de muitos milhões».
O economista não se mostra surpreendido com a revisão em baixa por parte do Banco de Portugal, uma vez que, entende que continua a apresentar previsões «que a experiência tem mostrado que têm sido periodicamente corrigidas, até porque não têm aderência à realidade» e dá, como exemplo, o aumento da inflação, a quebra na taxa de investimento, no consumo interno, nas exportações, entre outros.
António Bagão Félix
‘Não haverá novidades em relação ao passado recente’
«Nada de tecer encómios proclamatórios sobre a estrutura e composição do novo Governo, como também nada de criticar por criticar este ponto de partida. Aguardemos, pois, como se costuma dizer, os Governos são como os melões: só depois de abertos – ou seja, a funcionar – é que vemos se são bons ou medíocres». É desta forma que António Bagão Félix reage ao Nascer do SOL ao novo Executivo.
Apesar de ser um Governo mais curto, o economista não tem dúvidas: «A questão de mais ministro, menos ministro é despicienda e, nesta altura, só serve para comentários mais ou menos estatísticos e comparativos». E acrescenta que o «importante é vermos como se articulam entre si os vários Ministérios e direções departamentais». Para Bagão Félix, o que é desejável é «que não haja zonas cinzentas de omissão, de sobreposição ou de tutela conjunta que, em regra, atrasam mais do que adiantam».
Já em relação à junção dos Ministérios na sede da Caixa afirma que se trata de um pormenor que, no seu entender, não parece relevante, «ainda que me pareça um sinal político interessante». Ainda assim, admite que «não haverá novidades em relação ao passado recente, a acreditar no programa eleitoral apresentado por António Costa», reconhecendo, no entanto, que o ideal seria o próximo Executivo levar a cabo algumas reformas que fossem aprovadas e desenvolvidas nos primeiros tempos do novo Governo. E o certo é que, segundo Bagão Félix, as consequências da guerra condicionarão e muito a política do Governo.
Como tal, está expectante em relação ao próximo Orçamento do Estado. «A fazer fé no que o primeiro-ministro anunciou na campanha eleitoral, o OE seria fundamentalmente o mesmo que foi chumbado na anterior AR. Se assim for, será um erro e um capricho injustificado. Desde logo, porque já não está condicionado pelas posições anti-reformistas e preconceituosas quanto ao modelo económico e social dos partidos à sua esquerda». E os alertas não ficam por aqui. «Também o cenário macroeconómico, as consequências da guerra, o crescimento da taxa de inflação, os estrangulamentos da oferta e de disponibilização de matérias-primas, o maior custo do dinheiro, dos hidrocarbonetos e da energia em geral, a volatilidade dos mercados financeiros, obrigam a uma redefinição de políticas e de prioridades», sublinha.
Face a este cenário, o antigo ministro defende que a primeira prioridade é procurar conciliar o mais possível a diminuição da taxa de inflação, que corrói os rendimentos das pessoas, com políticas que promovam o crescimento e asseguram a eficácia dos apoios do PRR. «Por outras palavras, perante a alteração da política monetária do BCE, a política orçamental torna-se mais importante», diz ao nosso jornal.
Quanto às revisões em baixa por parte do Banco de Portugal, o ex-ministro das Finanças refere que já era de prever a redução da taxa de crescimento do PIB, «apesar de tudo, amortecida pela expectativa de um bom ano de turismo e pelos fundos europeus ao abrigo do PRR» e do aumento das pressões inflacionistas.
Mas deixa um alerta: «Continuo a pensar que a taxa oficial de inflação subestima o aumento generalizado dos principais bens de consumo das famílias, provavelmente por uma inadequação do cabaz que lhe está subjacente. Por outro lado, o aumento dos custos unitários a montante, ou seja na produção, já ultrapassa, em muitos casos, os 10%, o que pode induzir acrescidas pressões sobre os preços no consumo final».
Bagão Félix mostra-se também reticente face à posição do BCE que afasta um cenário de estagflação, lembrando que o banco central tem retardado à adesão à realidade, ainda antes dos efeitos da guerra na Ucrânia. «Começou por entender que a inflação era meramente temporária e agora vê-se confrontado com taxas de inflação que se afastam largamente do limite de 2% de intervenção. A poupança, agora fortemente atingida, continua a ser uma variável menosprezada – em Portugal, o Banco central estima que, este ano, desça para 7,3% do rendimento disponível. Importa perceber-se melhor o ritmo das alterações da política monetária e como vai ser compatibilizada a política de juros e a necessidade de manter razoáveis níveis de crescimento sustentável».
Nuno Teles
‘Temos uma economia mais endividada’
Para Nuno Teles, este será um Governo de continuidade com o anterior, assente na mesma fórmula: «Tentando conseguir reduzir o défice orçamental, de forma a obedecer aos critérios do Pacto de Estabilidade, sem cortar salários ou pensões e, portanto, esperando um aumento sustentado da receita fiscal resultado de crescimento económico nominal», diz ao nosso jornal. E o economista lembra que, se os anos anteriores à pandemia foram marcados por uma política orçamental onde o investimento público foi a principal variável de ajustamento, agora acredita que o Governo espera que os fundos europeus sirvam de alavanca à recuperação do investimento.
Segundo Nuno Teles, estamos «perante um Governo de continuidade, mas com maior destaque para a gestão de fundos europeus». Mas, no seu entender, nem tudo serão boas notícias. «O impacto do Plano de Recuperação e Resiliência pode ficar abaixo do esperado, sobretudo se tivermos em conta que partimos de níveis de investimento público historicamente baixos e que a economia portuguesa está ainda num periclitante processo de recuperação em relação à pandemia. Temos uma economia mais endividada e demasiado apoiada na procura externa de bens e serviços, como o imobiliário e o turismo, vulnerável à instabilidade política e económica internacional».
O responsável reconhece que a guerra irá levar a um «crescimento europeu mais baixo do que o esperado e, embora a economia portuguesa esteja pouco dependente dos fluxos comerciais e/ou financeiros vindos da Rússia e Ucrânia, o arrefecimento da economia europeia terá obviamente custos em Portugal», diz ao Nascer do SOL. E acrescenta que, a somar a isso, há que contar com o aumento dos preços dos combustíveis e dos cereais, ou seja, bens em que estamos dependentes do exterior, o que irá «provocar um aumento de custos e redução do poder de compra que se irá refletir no andamento da economia» – daí não ter ficado surpreendido com a revisão em baixa por parte da entidade liderada por Mário Centeno.
Já em relação a um cenário de estagflação, o economista admite que as expectativas para 2022 parecem ser essas. «O crescimento será menor do que esperado e a inflação mais alta. Os riscos de uma recuperação económica deficiente na Europa, ainda a recuperar dos efeitos da pandemia antes mesmo da guerra na Ucrânia, são grandes. O cenário de estagnação prolongada da economia internacional, à imagem do que aconteceu depois da crise de 2008-09, é, pois, provável. Já a sua combinação com inflação alta durante um período prolongado parece menos credível». E lembra que o aumento da inflação deveu-se inicialmente aos constrangimentos de oferta no processo de desconfinamento assimétrico da economia internacional.
Ainda assim, garante que, se as cadeias produtivas internacionais se normalizarem, não haverá justificação para a inflação atingir os níveis dos anos 70 e 80 do século passado.