Notas para a Definição do Partido Conservador II

O conservadorismo surge francamente, como a verdadeira corrente que hoje resta ao CDS; com o aparecimento e sucesso solidificado da Iniciativa liberal – que secou os liberais clássicos e o eleitorado mais liberal na matérias económica – e com a subida meteórica do CHEGA, que levou das fileiras do CDS os retrógrados nostálgicos do Estado…

por Jorge Costa Rosa
Porta-Voz e 2º Subscritor da Moção de Estratégia Global "Visão 22-30" Moção C ao XXIX Congresso do CDS – Partido Popular

Depois de reflectir longamente, escrevo agora esta nota como eleitor e cidadão conservador. Com a saída do CDS do Parlamento nesta legislatura, logo se constatou que este eleitorado tinha perdido a sua representação na Casa da Democracia, impossibilitando que as suas ideias marcassem de alguma forma a agenda política nacional, pelo menos, nos próximos quatro anos; mas essa seria, a meu ver, uma leitura não só impulsiva e desabrida, como também desatenta e descuidada.

Na verdade, há muito que o eleitorado conservador português se encontra órfão de qualquer representação, até mesmo a partidária, isto porque nem o CDS captou adequadamente as preocupações dessa fatia da população nas últimas décadas. Com a presunção de partido grande com a vocação natural para ser a grande casa das direitas, o CDS procurou abarcar liberais, democratas-cristãos e conservadores desde a sua fundação, um projecto que se provou defectivo esbarrando nas urnas contra a realidade. Se os partidos não passam de meros instrumentos de utilidade política, porque é que o CDS como instrumento perdeu aparentemente a sua?

Cegado pela ambição de ser o semblante das várias famílias da direita moderada, acabou por não conseguir dar a cara a coisa nenhuma. Não representou nenhuma dessas áreas políticas do espaço demoliberal, e acabou aparentemente por granjear apenas uma amostra módica dos eleitores. A a erosão do CDS para a Iniciativa Liberal e para o CHEGA é prova de tudo isto.

Aliás, o conservadorismo surge francamente, como a verdadeira corrente que hoje resta ao CDS; com o aparecimento e sucesso solidificado da Iniciativa liberal – que secou os liberais clássicos e o eleitorado mais liberal na matérias económica – e com a subida meteórica do CHEGA, que levou das fileiras do CDS os retrógrados nostálgicos do Estado Novo, os ideólogos da direita radical e o seu eleitorado, reaccionário e antissistema.

Sempre que vos disserem que os conservadores foram para o partido de Ventura, não acreditem. Estão a mentir-vos descaradamente. Nenhum autêntico conservador aderiria a um discurso populista radical que procura a ruptura com o regime. Roger Scruton relembra-nos incessantemente que a diferença clara entre um reaccionário e um conservador é que, enquanto o primeiro se resguarda num passado para o qual adoraria retornar, o conservador deseja-se adequado ao que há no presente, sem olvidar o melhor do que outrora houve.

Todavia, na verdade, o aparecimento do CHEGA e da IL foram positivos para o CDS, nem que seja por serem a oportunidade apropriada para encararmos eleitores e compreender o quão precisamos de repensar o partido e reposicionar o CDS no espectro político português.

Na minha opinião, restam ao CDS realisticamente apenas duas hipóteses: ou o CDS se transforma no “partido conservador britânico português”, ou se funde com a ala conservadora-liberal do PSD. Pois foi para lá que foram – sobretudo na última década – os eleitores conservadores em Portugal, aliás aquando, parece-me, o CDS deixou de lhes falar, preferindo palrar para o “eleitorado caricatura” que Paulo Portas desbravou.

Esta é madrugada que o CDS esperava para reaparecer no palco político nacional de cara lavada como um partido verdadeiramente conservador. Ao contrário do que tem sido feito até aqui, o CDS tem de se despir das concepções bacocas de um conservadorismo tradicionalista português, herdado historicamente da sua vertente católico-provinciana do Estado Novo e fruto de equivocadamente se achar que ser conservador é necessariamente ser religioso ou defensor de qualquer forma de imobilismo. Há que abandonar esta estratégia, não só por ser medíocre e ter falhado, mas sobretudo por não ser minimamente fiel ao pensamento conservador moderno.

Em todo e qualquer país saído de ditadura de direita, comummente se caricatura um conservador como um fascista ou um mero imobilista – e por isso avesso e contrário à mudança. E se formos intelectualmente honestos, o CDS contribuiu de forma cúmplice para tal mal-entendido. Foi sobretudo o CDS que criou nos portugueses a delusão que ser-se conservador é ser-se contra o aborto e a eutanásia exatamente da mesma forma que se é contra o casamento de pessoas do mesmo sexo e contra a adopção por parte de tais casais, de que é dizer “não” a todas as questões relacionadas com costumes e em todos os assuntos ditos fracturantes; como se a mesma resposta igualmente bastasse para todas as questões, independentemente da temática ou da complexidade da discussão. Contemplando a política nacional como se de um cardápio ideológico se tratasse. Não há nada menos conservador do que ser adverso à mudança por princípio, e do que fazer o pensamento ser refém de uma lista de grilhetas ideológicas e programáticas.

Cabe então ao CDS continuar intransigente na luta pela defesa da dignidade e inviolabilidade da vida humana, protegendo a vida desde a concepção à morte natural. Como? Nunca se furtando ao debate e promovendo a reflexão e a discussão públicas acerca da eutanásia e das suas implicações para a sociedade. O CDS defende a família como célula essencial da sociedade, mas defender a família em 2022 não se esgota na defesa da família tradicional. Tal como o ex-Prime Minister britânico David Cameron, eu sou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo não apesar de ser conservador, mas por ser conservador, que para ser digno do nome deve defender todas as modalidades de família. É este o posicionamento dum conservador influenciado pelo humanismo personalista que caracteriza o CDS.

Cabe também ao CDS defender uma liberalização da economia assente na necessidade de desestatizar de forma socialmente justa. Liberalizá-la sem jamais esquecer os mais pobres e os mais desfavorecidos, sem parar de lutar para que deixem de o ser. Isto só é possível, colocando no cerne das políticas económicas a preocupação em garantir que as condições de um cidadão à nascença, não determinem sentenciosamente as suas oportunidades ao longo da vida – ou realisticamente falando, que essas condições o façam o menos tanto quanto possível. Colocando de uma vez por todas o elevador social a funcionar, sem fantasias optimistas, crenças meramente ideológicas ou preconceitos dogmáticos.

Na sua apresentação de candidatura à liderança do partido, o Dr. Nuno Melo afirmou desabridamente que «ser conservador não é ser bota de elástico. Basta olhar para o Partido Conservador Britânico». O problema é que o CDS deixou há muito isso, preferindo o modelo proibicionista e antiquado da bota de elástico. E como se viu, hoje o CDS é bota que já ninguém usa. Deixou de servir. E para que é que serve um partido, se não for para servir os portugueses?

É por tudo isto, por considerar que ainda há espaço politico-ideológico para o CDS-PP, e sobretudo por considerar que o eleitorado verdadeira e genuinamente conservador está órfão de representação decente há muito tempo, que apresentarei uma Moção de Estratégia Global ao próximo Congresso do CDS-PP, juntamente com o Bruno Filipe Costa – primeiro subscritor e candidato à liderança do CDS. Uma moção construída tanto com cabeças de dentro do partido, como com pessoas independentes vindas directamente da sociedade civil e da Academia.

Para qualquer leitor de boa fé, e depois de Nuno Melo reiteradamente falar da sua candidatura a Presidente do CDS, ficam bastante claras duas conclusões: Melo já se vê como líder do partido, aguardando uma apoteótica aclamação no próximo congresso, e que para ele os problemas do CDS e o fracasso eleitoral nas urnas se deve a um só aspecto: a liderança; não só resumindo o problema a uma questão de pessoas e não de ideias, como também a uma troca entre o Francisco Rodrigues dos Santos pelo Melo, os problemas do CDS se curam miraculosamente.

Discordo veementemente desta posição. O fracasso do CDS também se justifica pelas ideias e que, depois do desaire eleitoral de dia 30 de janeiro, a reforma que o partido precisa não pode passar pela alternância de caciques ou de cliques partidárias. Tem sim que passar, num raciocínio inteiramente conservador do ponto de vista filosófico, por um período de ponderação e calibração ideológica e por uma discussão aberta e saudável de ideias. O conservadorismo moderno como ideologia substantiva, e o centrismo como ideologia processual. Porque somos assumidamente de direita, mas sabemos que é “rigorosamente ao centro” que se fazem os entendimentos.

São estas pois as minhas ideias não porque estou certo de que são as ideias que unirão as várias correntes do partido, mas sim porque sobretudo serão aquelas que unirão os eleitores ao CDS.

Se me virem no próximo Congresso do CDS, não contem comigo para discutir pessoas, para lavar roupa suja ou para atribuir culpas às direcções anteriores, não tomo nota disso. Tanto eu como a minha Moção e como o meu candidato – Bruno Filipe Costa – lá estaremos para debater ideias, discutir propostas e pensar Portugal. É ao Portugal que há, e não só ao que havia, que um conservador deve permanecer emocionalmente ligado.