Todos os anos, o assunto é o mesmo, mas 2022 tem um sabor especial no debate: deve, ou não, o aniversário do 25 de Novembro de 1975 ser celebrado com a mesma pompa e circunstância que o 25 de Abril de 1974.
Há quem diga que sim, há quem diga que não, há quem diga que esta é uma data que ‘divide’ os portugueses, como o novo ministro da Cultura e responsável pelas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, e há quem diga que o 25 de Novembro foi o «verdadeiro 25 de Abril». É o caso de António Campos, fundador do Partido Socialista e histórico nome desta força política dominante no país.
«O 25 de Novembro foi mesmo o dia em que conseguimos garantir a democracia em Portugal», começa por defender, em declarações ao Nascer do SOL, o socialista que fez parte da geração que viveu o Verão Quente de 1975 e que faz questão de contar que, no 25 de Novembro desse ano, se encontrava no COPCON, «à espera que o Otelo abandonasse».
«Ainda trouxe alguns militares comigo para não serem presos», diz o socialista entre risos, recordando também os seus tempos quentes na Assembleia da República e recordando repetidamente o nome de Mário Soares, bem como o do general Pires Veloso, a quem agradece por ter garantido a sua segurança. «Os ficheiros do Partido Socialista, na altura, foram deslocados para minha casa, com medo que ficássemos sem eles», conta.
«O 25 de Novembro foi mesmo o momento em que a liderança de Mário Soares conseguiu consolidar a democracia em Portugal. De facto, com um homem que vale a pena ser destacado: o Vasco Lourenço, que aceitou ser comandante da Região Militar», continuou o socialista, que não duvida sobre o porquê de esta ser uma data ‘polémica’: «O verdadeiro amante da liberdade tem de comemorar o 25 de Novembro. Eu fui deputado e estive lá não sei quantos meses sem vencimento, a emprestar dinheiro aos outros deputados para irem à sexta-feira para casa», continua, atirando ainda uma ferroada a Marcelo Rebelo de Sousa: «Há uma demagogia brutal quando vejo o Presidente da República dar medalhas ao Vasco Gonçalves e ao Rosa Coutinho. Está a enganar a própria história que se passou em Portugal».
À direita e à esquerda
As opiniões sobre o 25 de Novembro são eclécticas e da direita à esquerda há quem opine que esta deve ser uma data comemorada tanto quanto o é o 25 de Abril. «Se é certo que o 25 de Novembro só aconteceu por ter havido o 25 de Abril, sem o 25 de Novembro, o 25 de Abril jamais cumpriria o seu desígnio democrático, liberal, agregador e pluralista», avança ao Nascer do SOL António Bagão Félix, argumentando, sobre a polémica em torno desta data, que «tudo o que não acolhe o argumentário, mais ou menos capcioso ou dissimulado, das esquerdas radicais levanta polémica».
«Leninistas, estalinistas, trotskistas e maoistas, agora mais disfarçados nas suas intenções, julgam-se detentores da verdade e, com a colaboração ou omissão de muitos media, apropriaram-se, indevidamente, da data e autoconsideram-se os monopolistas da ‘moral abrilista’», continua, pedindo: «Para perceber a importância do 25 de Novembro para a consolidação de um Estado de Direito democrático, tente-se imaginar o que seria a continuação do que, sob a capa de uma sigla eufemística, o PREC, se estava a passar.»
Bagão Félix é crítico nas suas palavras, defendendo que «omitir, secundarizar, diminuir» o 25 de Novembro é uma atitude de «ingratidão para quem, naquele momento, nos libertou de tentações antidemocráticas e antidesenvolvimentistas, e de cobardia perante o tal ruído das franjas esquerdistas».
Polémico
As discussões sobre as comemorações do 25 de Novembro geram sempre um certo burburinho no país, e há quem fale até em polémica. O politólogo João Pereira Coutinho, no entanto, discorda. «A data não tem nada de polémico, para qualquer democrata». E o professor do ISCTE explica: «A data só é polémica para quem preferiria que Portugal, em 1974 e 1975, tivesse seguido o caminho da Albânia ou da Venezuela de hoje. Para esses é que a data é polémica, não para os restantes, que felizmente ainda são a maioria da população portuguesa».
Da política nacional, «sem surpresas», Pereira Coutinho augura que «a possibilidade de se celebrar o 25 de Novembro vai separar aqueles que festejam a democracia liberal e aqueles que não a festejam, nem nunca a festejaram».
«Não que eu veja aqui qualquer drama. Quando temos partidos políticos que duvidam ou lançam cortinas de fumo sobre o genocídio que está a acontecer na Ucrânia, podemos dizer que o 25 de Novembro não passa de um detalhe», continua o politólogo, concluindo: «Se aceitamos que o 25 de Abril marca o fim de uma ditadura e inaugura a construção da democracia em Portugal, excluir o 25 de Novembro só tem explicação por fanatismo ideológico ou por ignorância histórica.»
Questão a Adão e Silva
Conforme o Jornal i noticiou, a 4 de abril, um grupo de deputados do PSD pediu ao Governo um esclarecimento sobre que iniciativas serão dinamizadas para as comemorações do 25 de Novembro de 1975. Numa pergunta que foi enviada ao ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, através da Assembleia da República, os deputados signatários lembram que «a vitória dos militares moderados na sublevação dos oficiais da extrema-esquerda no dia 25 de novembro de 1975 marca a derrota da ‘ala revolucionária’ do Movimento de Forças Armadas, permitindo a recondução dos partidos políticos ao centro da vida política».