Fretavam jatos particulares, carregavam droga no Brasil na fuselagem das aeronaves e usavam Portugal como porta de entrada de cocaína da América do Sul para a Europa – e Lisboa como uma das bases para o narcotráfico internacional. A justiça brasileira acredita ter sido este o esquema usado pela rede criminosa ontem amputada com sete detenções, cinco no Brasil e duas em Portugal, no âmbito da Operação Descobrimento.
A investigação ganhou fôlego com a apreensão, em fevereiro de 2021, do jato particular português usado para a travessia do Atlântico pelo ex-presidente do Boavista, João Loureiro, que tinha encontro marcado com Rowles Magalhães, empresário e advogado brasileiro, que estaria a preparar-se para comprar a empresa dona dos táxis aéreos – a empresa Omni – com o empresário português como intermediário do negócio. No regresso, 595 quilos de cocaína no trem de aterragem fizeram soar o alarme. Agora, a justiça brasileira descarta que João Loureiro ou a empresa estivessem implicados na rede de narcotráfico, mas Rowles Magalhães foi um dos sete suspeitos detidos esta terça-feira por indícios de ser um dos homens fortes da rede criminosa. “As medidas judiciais que estão a ser cumpridas nos dois países não implicam cidadãos portugueses”, confirmou ao i o delegado da Polícia Federal brasileira, Aldair Gregório.
A rota do major Cocaína Segundo o i apurou, a Polícia Federal brasileira acredita ter atingido o núcleo financeiro e logístico da organização criminosa, que além de Rowles Magalhães tinha entre os líderes Nelma Kodama, de 55 anos, condenada em 2014 a 18 anos de prisão por branqueamento de capital. Em 2016, a ‘doleira’, que ficaria conhecido como Dama da Lava Jato, fechou um acordo de delação premiada no âmbito desta operação e ficou em prisão domiciliária, tendo saído em liberdade em 2019.
Agora Nelma Kodama, detida ontem no Hotel Ritz, é de novo suspeita do crime de branqueamento de capital e de tráfico de droga, a par dos restantes arguidos. Permanece no entanto por capturar o cabecilha, acreditam as autoridades brasileiras. O i sabe que a tese da investigação é de que esta rota já tinha sido usada pelo narcotraficante mais procurado do Brasil e um dos mais procurados em todo o mundo, o ex-major Sérgio Roberto de Carvalho, a monte desde 2020.
Os suspeitos agora detidos terão mantido a logística montada pelo “major da Cocaína” em Lisboa, cidade onde as autoridades brasileiras estiveram perto de o deter há dois anos e onde o perderam pela última vez de vista.
Detenção fracassada O antigo oficial da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, expulso definitivamente da carreira em 2018 depois de várias acusações criminosas, há muito que é um homem escorregadio. É conhecido por não usar telemóveis, comunicar por rádio e em código, recorrendo a identidades falsas.
Em novembro de 2020, dois agentes da Polícia Federal brasileira desembarcaram em Lisboa para fazer cumprir um mandato detenção, mas Sérgio Roberto de Carvalho já tinha fugido do país -o que já tinha acontecido noutras tentativas de detenção, a mais rocambolesca na pele de Paul Wounter, um dos seus pseudónimos. Também em 2020, no dia em que o tal Paul Wounter tinha de se apresentar a julgamento na Galiza, apareceu em tribunal o seu advogado com uma certidão de óbito que indicava que o arguido tinha morrido de enfarte. Além da certidão, o advogado apresentou uma declaração de cremação, não fosse a justiça lembrar-se de exumar o cadáver. Tudo validado pelo tribunal, a farsa viria a ser desmontada quando a justiça espanhola foi informada pela congénere brasileira que Paul Wounter era uma das identidades falsas que o militar utilizava e que Sérgio Roberto de Carvalho estava bem de saúde. Nessa altura, estaria já em Lisboa, onde o negócio da droga se manteve até agora.
Continuando em paradeiro incerto, os homens de confiança do major Cocaína foram agora detidos, o que será um duro golpe nas suas operações. Para a investigação, mais importante do que o tráfico é a lavagem do dinheiro, a passagem do capital da economia ilícita para a lícita e os bens em causa. Nas buscas ontem realizadas nos estados da Bahia, São Paulo, Mato Grosso, Rondônia e Pernambuco foram apreendidos dinheiro e outros bens. Segundo o i apurou, as autoridades descobriram uma verdadeira fortuna em vários imóveis e aviões.