Ponte entre ISCTE e Governo é “conflito enorme de interesses”

Os Grupos Parlamentares do Chega, PSD e IL querem ouvir o antigo ministro das Finanças sobre a polémica em torno do Orçamento do Estado e do ISCTE. João Paulo Batalha acusa conflito de interesses e pede criação de entidade independente para evitar estes casos.

A polémica em torno de João Leão, antigo ministro das Finanças e vice-reitor do ISCTE, e as verbas do Orçamento do Estado que alegadamente foram transferidas para o financiamento do Centro de Valorização e Transferência de Tecnologias (CVTT) desta universidade, quando Leão tutelava o Ministério das Finanças, ainda vai fazer correr muita tinta. Agora, os grupos parlamentares do Chega, PSD e IL querem ouvir o ex-ministro no Parlamento, para lhe exigir explicações.

Em causa está, disse ao i João Paulo Batalha, consultor em transparência e antigo presidente da Transparência e Integridade, um grande “conflito de interesses”, não só pela polémica atual, mas pelo próprio facto de João Leão, que foi professor no ISCTE antes de integrar o Governo, ter tratado assuntos relacionados com essa instituição de ensino. “Havia um conflito de interesses enorme quando foi chamado para ministro, a usar orçamento discricionário do Ministério das Finanças para um projeto do ISCTE. Portanto ele vai para o Governo como quadro do ISCTE, e já havia aí um conflito, porque estava a decidir sobre uma matéria na qual ele tem interesse por ser a entidade onde trabalhava antes de ir para o Governo”, explica o especialista, argumentando que, naquele momento, “já devia ter havido normas para que ele não pudesse tomar parte em quaisquer decisões que envolvessem o ISCTE”.

João Paulo Batalha estranha ainda que o CVTT tenha sido o único projeto tutelado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a receber financiamento do Ministério das Finanças nos últimos cinco anos. “Mesmo que depois, como aparentemente terá acontecido, haja uma ‘nova versão’ dos factos do ISCTE”, diz, referindo-se aos esclarecimentos da instituição, “isso serve para encobrir a má figura que todos fizeram neste processo, mas não resolve conflito de interesses nenhum”.

Para o futuro, Batalha não augura, ainda assim, grandes mudanças. “Se alguma coisa acontecer, será uma análise jurídica da Lei de Incompatibilidades que diz que isto não é ilegal e, portanto, pode fazer-se. É a atitude que os responsáveis políticos têm sempre a questões de natureza ética. Não vai acontecer nada de consequente”, lamenta, argumentando ser este um exemplo da necessidade de “padrões de ética na vida pública que estejam assegurados por entidades externas às próprias instituições”. “Precisávamos de uma agência independente de ética pública, e que interviesse desde logo, garantindo que o ministro não poderia intervir numa matéria orçamental que lhe dizia respeito e que beneficiava o ISCTE, por ser a sua casa de origem”, conclui.

 

Partidos querem ouvir Leão

“O Partido Chega deu entrada com um requerimento para audição urgente João Leão, atual vice-reitor do ISCTE, bem como de Maria de Lurdes Rodrigues, Reitora da mesma universidade e os Presidentes do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), para prestarem esclarecimentos sobre a transferência de 5,2 milhões de euros do Orçamento do Estado para o ISCTE, decisão tomada enquanto João Leão ainda era Ministro das Finanças”, diz o partido de André Ventura em comunicado. “A recente polémica […] carece de explicações e deve ser clarificada”, continua o documento, argumentando que “João Leão, que no dia seguinte à sua saída da pasta das finanças passou a ser vice-reitor do ISCTE, foi o ministro que tutelava a área de onde saiu a autorização para a transferência de 5,2 milhões de euros do Orçamento do Estado para o mesmo ISCTE”, um dado que, considera a estrutura política, “levanta dúvidas razoáveis que precisam de ser esclarecidas, dúvidas essas também partilhadas, ao que se sabe, por reitores de outras universidades que contestaram essa transferência de verbas, queixando-se desigualdade de tratamento, sobretudo depois de conhecerem o novo destino do ex-ministro das Finanças”.

Já o PSD, anunciou o deputado social-democrata Hugo Carvalho, entregou um requerimento na Comissão de Educação e Ciência para ouvir urgentemente no Parlamento a reitora do ISCTE, Maria Lurdes Rodrigues (antiga ministra socialista da Educação), bem como o próprio João Leão, para explicarem “o financiamento de cerca de cinco milhões de euros que vem da dotação centralizada do Ministério das Finanças para suportar uma contrapartida do ISCTE”. “Importa saber porque é que o ISCTE nos últimos anos foi o único beneficiário de tal mecanismo de suporte financeiro”, questionou Hugo Carvalho, argumentando ser necessário “perceber se há ou não uma cultura de quem em funções públicas trata bem o ISCTE, não é esquecido [por essa instituição]”.

À caravana de pedidos juntou-se a IL, que requereu a audição conjunta urgente de Fernando Medina e João Leão, atual e antigo ministro das Finanças, respetivamente, bem como do antigo ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor.

 

Polémica

João Leão tem estado sob os holofotes após a sua nomeação para vice-reitor do ISCTE, dois dias após deixar o Governo, e depois de ter autorizado, enquanto ministro das Finanças, um financiamento de 5,2 milhões de euros para um projeto dessa mesma universidade, através do Orçamento do Estado, que engloba oito centros de investigação, dez laboratórios e três observatórios da instituição no antigo edifício do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, na Avenida das Forças Armadas, em Lisboa. Este foi, aliás, o único projeto da área tutelada pelo Ministério do Ensino Superior a ser apoiado diretamente pela dotação centralizada do Ministério das Finanças nos últimos cinco anos, o que fez levantar ainda mais poeira. O antigo ministro reagiu às acusações, argumentando, em comunicado enviado às redações, que “em relação às universidades, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) apenas submeteu um único projeto, o do ISCTE, para financiamento no âmbito desta dotação”. “Enquanto Ministro das Finanças não tive qualquer intervenção nesta decisão de financiamento”, disparou.