Por José Manuel Azevedo, Economista
Como sempre disse, e pratiquei, em toda a minha vida profissional e pessoal nunca reclamei créditos que não me pertenciam, ou quando pouco fiz para os merecer. Sabem-no todos quantos trabalharam e conviveram comigo e é o caso que me traz aqui hoje…
Na realidade, conversas que de vez em quando mantenho com alguém estudioso de matérias relacionadas com energia (entre outras), e cujo anonimato preservo, levam-me a apresentar algumas questões que ele me colocou, que considero pertinentes e oportunas, atendendo ao momento que atravessamos, de seca prolongada (algo atenuada em março, pelas chuvas intensas que caíram, e que pelos vistos se repetirão nas próximas semanas) e de guerra na Ucrânia, que flagela o país há mais de 60 dias, quando escrevo.
Tendo em conta os efeitos desses dois acontecimentos, perguntava-me esse amigo, sabendo que não lhe conseguiria responder:
Sobre a agricultura
• Por que razão não desenvolvem as entidades oficiais (e o Governo) um plano agrícola para incentivar a produção, no país, dos cereais fundamentais para a alimentação base (como, por exemplo, de trigo, em que em tempos fomos autossuficientes)?
• Sendo tanta a tradição de subsidiação agrícola (para cultivar ou deixar de o fazer!), por que motivo não se concedem subsídios à cultura desses cereais essenciais, conseguindo as produções mínimas para que seja constituída uma reserva estratégica endógena, tanto para a alimentação humana como do gado?
• Falando-se tanto, e bem, da escassez de um recurso fundamental como é a água, existe alguma razão que justifique que não seja dada continuidade ao plano de transferência de água do rio Douro para o Alentejo, assegurando o volume anual que garanta sucesso na produção agrícola essencial?
Sobre a produção de energia elétrica
• Tal como outros países estão a fazer, e não desvalorizando em nada os objetivos de neutralidade carbónica a que nos comprometemos perante a União Europeia (e nós próprios), por que não se reativa o funcionamento de uma parte da central térmica de Sines?
• Visto que as energias renováveis eólica e solar sofrem de intermitência na potência gerada, por que não se instalam sistemas hidroelétricos de bombagem/geração dimensionados para resolver a variabilidade das formas de energia referidas (até porque tanto Portugal continental como as ilhas Atlânticas têm excelentes condições para sistemas deste tipo)?
• Por que motivo não se retomam os projetos hidroelétricos do anterior Programa Nacional das Barragens (do governo de José Sócrates), que foram cancelados com base em argumentos ambientais discutíveis, e que assegurariam reserva de água e capacidade produtora de energia garantida?
A ausência de resposta a todas estas questões, e a tantas outras que não foram aqui formuladas, terá provavelmente diversas justificações, que me permito apresentar (sendo tais justificações da minha responsabilidade):
• Tradicional dificuldade que temos em proceder a exercícios de planeamento estratégico sobre temas relevantes, como é o caso destes;
• O hábito, infelizmente enraizado no nosso país, de fazer estudos sobre estudos, gastando recursos materiais (muitas vezes provenientes da EU) e humanos, sem quaisquer consequências práticas, ou seja, projetos que não passam disso…
• A incapacidade (ou falta de vontade?) de desenvolver soluções técnicas que assegurem significativa incorporação de mão-de-obra e de equipamentos de fabrico nacional;
• A constante ‘sujeição’ a opções político-ideológicas que nem sempre atendem aos interesses do país (vejam-se os casos do SNS e o recurso aos operadores privados na saúde e do encerramento puro e simples das centrais a carvão);
• A impunidade de que beneficiam os agentes políticos da administração pública perante incumprimentos de objetivos, mesmo que tais incumprimentos acarretem consequências para a economia e a população portuguesa;
• A cultura de ‘nacional porreirismo’ que também nos caracteriza e que permite que sejam atribuídos louvores mesmo a quem desempenhou com ‘falha que não poderia ter acontecido…’ (não sei de que falha se tratou, não sendo relevante nem a quem esse louvor foi concedido, nem por quem).
É por essas e por outras que assistimos paulatinamente à ultrapassagem de países que entraram apenas há alguns anos na União Europeia, colocando-nos hoje em 21.º lugar entre os 27 em termos de PIB per capita, em paridade de poder de compra, e tendo a economia portuguesa recuado 3 lugares em apenas 6 anos.