A inflação tem sido um assunto constante e, mês após mês, tem atingido máximos históricos. Os preços não param de subir e não há perspetivas de quando pode vir a baixar. No entanto, o governador do Banco de Portugal foi claro: a inflação resulta de choques essencialmente do lado da oferta. “Tem uma natureza que avaliamos como temporária”, disse. E acrescentou: “Continuamos a não identificar nenhuma natureza interna endógena ao fenómeno de formação dos preços que não sejam estas raízes temporárias”.
De acordo com Mário Centeno, “devemos estar sempre muito atentos ao que os preços nos sinalizam na tomada de decisões”, considerando que a transição climática tem um impacto na “transformação estrutural no comportamento”. Para o governador, “é um fenómeno muito complexo, difícil de avaliar” e, certamente, um desafio para os bancos centrais.
Este é, aliás, um aviso que Mário Centeno já tinha sido dado em novembro do ano passado – apesar de a inflação nunca mais ter parado de subir a partir daí – mas os alertas não se ficam por aqui. “Neste momento é importante ter muita cautela na avaliação daquilo que são as atualizações salariais. Insisto que esta questão de reforço de rendimento disponível não é uma matéria apenas para um semestre ou para um ano. É uma matéria mais longa e, felizmente, Portugal tem um historial recente de reforço de rendimento disponível real, dos salários reais, que não observava há muitos anos”, alertou.
Para Mário Centeno é claro que os aumentos de salários e o rendimento disponível das famílias em qualquer que seja o país não podem ser avaliados numa variável de curto prazo, acrescentando que, nos últimos seis anos, os salários médios em Portugal cresceram acima da inflação.
E deixou números: “Desde 2015, a inflação cresceu em termos compostos abaixo de 5% e os salários médios registados na Segurança Social cresceram muito próximo de 20%”.
O crescimento de 4,9% no ano passado As palavras de Centeno sobre a atual conjuntura surgiram no dia em que o Banco de Portugal apresentou mais um Boletim Económico. Depois da queda de 8,4% em 2020, a economia portuguesa cresceu 4,9% em 2021. O banco central explica que “a recuperação foi marcada pela evolução da pandemia, apresentando um perfil intra-anual diversificado: uma redução da atividade no início do ano – reflexo de uma nova vaga e do confinamento geral –, uma forte recuperação nos dois trimestres seguintes e, no último trimestre, o ritmo de crescimento reduziu-se, devido à adoção de novas medidas de contenção”.
Ainda assim, a economia nacional cresceu a um ritmo “ligeiramente inferior” ao da zona euro. “O impacto diferenciado da crise reflete o maior peso de alguns setores de serviços, em particular das exportações de turismo em Portugal. O apoio das políticas económicas revelou-se essencial para a preservação da capacidade produtiva e para a recomposição setorial”, explica o BdP.
Já em relação ao mercado de trabalho, não há dúvidas: “Mostrou-se dinâmico ao longo do ano”. Isto porque o emprego beneficiou de políticas públicas de apoio e, assim, “manteve-se resiliente durante a pandemia”. Assim, no final do ano passado “o emprego tinha recuperado e o desemprego registou valores inferiores aos de 2019”. Já as remunerações médias por trabalhador aceleraram face a 2020, aumentando 5,5% nos dois anos de pandemia.
Quanto às famílias, os dados mostram que existiu um aumento do rendimento disponível, o que acabou por sustentar a recuperação do consumo. “A taxa de poupança das famílias diminuiu de 12,7%, em 2020, para 10,9%, em 2021, mas manteve-se acima da anterior à pandemia (7,2%)”, detalha.
Investimento cresce O BdP avança ainda que o investimento cresceu acima da média da área do euro. “É de assinalar a forte recuperação do investimento das famílias e empresarial, além da manutenção de um contributo importante do investimento público”, detalha o banco que diz ainda que os novos empréstimos à habitação às famílias registaram um crescimento elevado (32,8%), “num contexto de menor incerteza e de decisões adiadas devidos às restrições sanitárias”.
Ainda no que diz respeito ao ano passado, as empresas continuaram a beneficiar “de condições favoráveis de financiamento, taxas de juro baixas e maturidades mais longas nas linhas de crédito com garantia pública e, até ao final de setembro, das moratórias de crédito”, recorda o BdP.
Défice nos 2,8% do PIB Os dados mostram também que, em 2021, o défice orçamental fixou-se em 2,8% do produto interno bruto (PIB), reduzindo-se 3 pontos percentuais (pp) face a 2020. E justifica: “Esta evolução reflete a recuperação da atividade económica (1,2 pp), a redução do impacto de medidas temporárias não associadas à pandemia (0,8 pp) e a diminuição das despesas em juros (0,4 pp)”.
Já o rácio da dívida pública diminuiu para 127,4% do PIB, “também auxiliado pelo crescimento nominal da atividade e pela desacumulação de depósitos”.
Inflação e outros dados A inflação aumentou para 0,9% no ano passado, “devido principalmente à evolução dos preços dos bens energéticos”. E o BdP diz ainda que “as perturbações causadas pela subida dos preços dos produtos energéticos e pela escassez de alguns bens essenciais na atividade económica mundial representam um desafio, com consequências negativas na atividade e, sobretudo, na inflação”.
Já a capacidade de financiamento da economia face ao exterior melhorou. Em números, o saldo da balança corrente e de capital fixou-se em 0,7% do PIB. O défice da balança de bens deteriorou-se, tendência justificada com a subida de preços dos bens energéticos. Outros dados mostram que o excedente da balança de serviços aumentou ligeiramente, mas o saldo de viagens e turismo “é ainda cerca de metade do registado em 2019”.