Chega é linha vermelha entre candidatos

Moreira da Silva afastou qualquer tipo de diálogo com o Chega. Montenegro aproveitou a deixa para encostar o adversário à parede sobre a solução governativa dos Açores. 

A luta pela sucessão de Rui Rio começa a aquecer. Depois de os dois candidatos à liderança do PSD terem clarificarado a posição sobre a relação que o partido deve ter com o Chega, Luís Montenegro, no discurso que fez nos Açores, na passada quarta-feira,  aproveitou o embalo para desafiar o adversário Jorge Moreira da Silva a pronunciar-se sobre a solução governativa açoriana, de coligação PSD/CDS-PP/PPM e acordos parlamentares com Chega e IL.

«Tenho de ser claro. Considero que os valores e princípios do PSD não estão a ser violados com esta solução de governo e esta solução parlamentar. Convivo muito bem com a governabilidade e a estabilidade governativa que se alcançou nos Açores», afirmou, em Ponta Delgada, na sede do Governo Regional dos Açores, perante o presidente do Executivo, José Manuel Bolieiro, que entretanto manifestou apoio a Montenegro nesta disputa interna.

O sinal de apoio dado pelo líder do PSD/Açores, que nas últimas diretas se absteve na peleja entre Rui Rio e Paulo Rangel, foi revelador dos danos que as palavras de Moreira da Silva sobre a relação com o Chega fizeram. Até Ribau Esteves, que já se distanciou de Montenegro após ter desistido da corrida à liderança do PSD, leu-as como «um atestado de menoridade» a Bolieiro  por ter relações com o partido de André Ventura.

E Montenegro soube explorar esta fragilidade no flanco de Moreira da Silva: «Desafio  o meu adversário nesta eleição a dizer se entende, ou não, que esta solução de Governo nos deixa confortáveis do ponto de vista do respeito pela autonomia e pelos princípios e valores do PSD».

Quando se apresentou como candidato, o antigo ministro do Ambiente tinha rejeitado qualquer possibilidade de diálogo com o Chega e foi duro nas palavras. «Na casa do PSD não cabem racistas, xenófobos e populistas», vincou na altura. Já o ex-líder parlamentar dos sociais-democratas tardou em atravessar-se com uma posição sobre este aspeto, fugindo várias vezes à questão.

Até aqui tinha optado por manter uma certa contenção nas palavras, referindo que os partidos que estão à direita do PSD não são adversários a combater. Mas o discurso tomou outro rumo nas últimas semanas. «Recuso-me a fazer uma campanha em que o tema principal seja o Chega. É óbvio que nós, no PSD, temos uma linha vermelha que nunca ultrapassamos, que é a dos nossos valores e dos nossos princípios. Não estou a pensar negociar nada com o Chega», esclareceu.

Além dos Açores, também na Madeira – a quinta maior estrutura do partido –, Montenegro conseguiu fazer o pleno e juntou na mesma sala Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional, Pedro Calado, autarca do Funchal, e o histórico Alberto João Jardim, algo que surpreendeu, dadas as animosidades conhecidas entre o ex-presidente do Governo Regional da Madeira e o antigo líder parlamentar.

Notório é que o candidato social-democrata deixa as ilhas com um saldo positivo, somando agora o apoio de Alberto João Jardim na campanha para as diretas de 28 de maio.  «Tive ocasião de falar com os militantes de base, com os autarcas, com os deputados na assembleia regional, com o presidente e os membros do governo, com o dr. Alberto João Jardim e, francamente, senti um apoio muito entusiasta, uma esperança grande», salientou Montenegro no final da visita de dois dias à Madeira.

Com os Açores e a Madeira a juntarem-se à causa de Montenegro, Moreira da Silva acabou a  adiar as deslocações previstas para as ilhas, sem ainda ter reagendado novas datas. A campanha interna começa a aproximar-se da fase mais decisiva, mas as contas começam a complicar-se para o lado de Moreira da Silva, pois além dos territórios insulares o seu adversário tem reunido espingardas nas principais estruturas distritais do partido. Os líderes das distritais de Lisboa, Porto, Braga, Setúbal, Coimbra, Guarda e Viana do Castelo já manifestaram apoio a título pessoal ou institucional.

 No entanto, ter os líderes nem sempre significa ter as distritais. Exemplo disso é o caso do Porto, cuja máquina partidária está dividida em campos diferentes. Entre os rostos que desalinham do líder da distrital Alberto Machado, está o líder da comissão política concelhia do PSD-Porto, Miguel Seabra, que nesta disputa interna estará ao lado do ex-director-geral da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE,  que tem Francisco Pinto Balsemão como mandatário nacional da candidatura.

Com a máquina menos oleada, Moreira da Silva terá que intensificar contactos  e redobrar esforços no terreno nos próximos dias. E tem nas suas fileiras dois nomes de peso que ajudaram a garantir a vitória de Rui Rio nas últimas diretas: Carlos Eduardo Reis e Salvador Malheiro.

O primeiro como diretor de campanha, é uma figura em ascensão no aparelho social-democrata, depois de em 2021 ter recuperado para o PSD a Câmara Municipal de Barcelos, exercendo uma forte influência no distrito de Braga.

O segundo estará a ajudar a candidatura na sombra, a grande questão é determinar a influência que ainda mantém depois de ter passado o testemunho a Emídio Sousa na distrital de Aveiro.

Certo é que o apoio do autarca de Santa Maria da Feira não foi suficiente para Luís Montenegro em 2020, nem para Paulo Rangel em 2021, vencerem o distrito, e Malheiro foi a chave para essas vitórias inequívocas de Rio.

Também Manuela Ferreira Leite fez saber esta semana o seu apoio à candidatura do antigo ministro do Ambiente. E nos próximos dias poderão aparecer outros ‘notáveis’ sociais-democratas ao lado do famalicense.

 

Referendo à eutanásia

Na passada quarta-feira, uma reunião do grupo parlamentar fez agitar o PSD com divergências internas causadas pela apresentação de dois projetos, nomeadamente da revisão constitucional e da lei eleitoral, a pouco mais de um mês das eleições internas do partido. Deputados da ala montenegrista acusaram a direção de Rui Rio de querer condicionar o novo líder. E a reunião acabou com os parlamentares sociais-democratas a decidirem não entregar de imediato no Parlamento os seus projetos, deixando a possibilidade em aberto.

Sobre o assunto, Montenegro deixou votos para que impere o «bom senso» durante o período eleitoral interno.

E recuperou a morte medicamente assistida, questão para a qual ainda esta semana o PS apresentou uma nova proposta de lei tendo em vista a despenalização da eutanásia. Em relação a esta matéria, Montenegro considera que «a melhor opção para legislar é fazer o referendo» e «promover uma grande discussão sobre os conceitos».

Já Moreira da Silva, relativamente às reformas de Rio, mostrou abertura para aproveitar o trabalho já feito pelo partido, especialmente no que toca à lei eleitoral, e sublinhou a legitimidade do atual líder. «O PSD não está em processo de vacatura e tem um líder, que é líder até ao último dia», frisou.