1. A Guerra da Ucrânia veio precipitar, no domínio da energia, algo que se vinha anunciando há décadas: a substituição dos combustíveis fósseis pelas alternativas de energia ‘limpa’, como as eólicas, hidráulicas, geotérmicas, solares, biomassa, nuclear ou hidrogénio verde. O anúncio esta semana de boicote da União Europeia (UE) aos combustíveis russos, com «o fasear o fim do fornecimento russo de crude no espaço de 6 (seis) meses e dos produtos refinados até ao final do ano», anunciados por von der Leyen, é mais uma machadada na economia dos países altamente dependentes dos combustíveis fósseis.
Há muito que se discute esse tema. O Acordo de Paris (2015), com o objetivo claro de manter o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius (preferencialmente em 1,5), impôs metas ambiciosas, como «as emissões mundiais de gases com efeito de estufa terão de sofrer até 2050 uma redução de pelo menos 50 % em relação a 1990, e que sejam quase zero ou estejam abaixo de zero em 2100». A ratificação pela UE foi em 2016 e entrou em vigor em 4 de novembro, após a desejada ratificação por 55 países, responsáveis por um mínimo de 55% das emissões mundiais.
Em particular, a UE sempre se empenhou no sucesso deste Acordo, com contribuições financeiras bem significativas, para ajudar os países em desenvolvimento a reduzirem as suas emissões de gases com efeito de estufa e a enfrentarem o impacto das alterações climáticas. O total das contribuições anuais da UE e dos seus Estados-Membros ascendeu em 2016 a Eur 20,2 MM e, entre 2017 e 2020, foram sempre de valores semelhantes até atingirem cerca de Eur 23,4 MM, contudo bem longe dos intentos iniciais de se atingir em 2020 a verba anual de USD 100 MM (prolongáveis até 2025).
Mesmo assim, é indiscutível o empenho da UE em tentar conseguir as reduções preconizadas no Acordo de Paris, corroborada em finais de 2020 por uma nova meta vinculativa, aprovada no Conselho Europeu, de redução em pelo menos 55 % das emissões de gases com efeito de estufa até 2030, em comparação com os valores de 1990. Em Glasgow, em 2021, a COP 26 (Conferência das Nações Unidas sobre o Clima) estabeleceu medidas adicionais com os mesmos objetivos, reconhecendo que não tem sido feito o suficiente para que a subida da temperatura não exceda os 1,5 graus Celsius. Novamente se discutem as contribuições financeiras, visando reforçar as verbas anualmente destinadas a apoiar os países subdesenvolvidos para o tal plafond de USD 100 MM anuais.
Claramente, um dos próximos desafios será a necessidade de se conseguir energia mais ‘limpa’, o que constitui um enorme drama para todos os países cuja economia se encontra significativamente dependente da exportação de combustíveis fósseis. Indiscutivelmente, estas decisões resultam de uma exigência da Sociedade mundial, verdadeiramente uma questão de sobrevivência da humanidade.
Não se trata da Rússia, dos Estados Unidos, da China, do Canadá ou da Arábia Saudita, mas de países pobres como a Líbia, RD Congo, Irão, Iraque ou Venezuela, impreparados para enfrentar as exigências das alterações climáticas e com sérios riscos de implosão social. Mesmo que, circunstancialmente, os tempos atuais estejam de feição para estes países, pela atual subida dos preços do petróleo resultante da guerra na Ucrânia que a Rússia desencadeou, seguramente que estes tempos de prosperidade serão efémeros, cada vez mais reduzidos na direta proporção (i) dos investimentos dos países mais desenvolvidos para se afastarem da dependência dos combustíveis fósseis; e (ii) da incapacidade de transformação das suas próprias economias.
2. Em abril de 2022, a taxa de inflação atingiu os 7,2% em Portugal, aproximando-se da média europeia de 7,5%. Desde 1993 que não sabíamos o que era uma inflação desta monta e, dizem os entendidos, que a mesma já se repercute nos bens essenciais e não apenas nos bens diretamente dependentes dos efeitos da guerra da Ucrânia. Descodificando isto, começa a ter características bem mais duradouras do que inicialmente se previa e o Governo acreditava.
Nos entretantos, o IGCP anda (e muito bem) a substituir dívida mais antiga, e consequentemente mais cara, com emissões com taxa de juro mais favorável, o que permite a Cristina Casalinho acreditar que os custos dos juros da dívida pública portuguesa (que já atinge Eur 276 MM – cerca de 127% do PIB) se irão manter em linha com a verba de Eur 6,3 MM, incluída no OE 2022.
Apesar disso, Centeno não está tranquilo e as suas palavras contendo avisos sistemáticos deveriam ser escutadas bem dentro do Governo. No Boletim de maio de 2022 do Banco de Portugal, as mensagens são diversas, umas de esperança como o acreditar que a recuperação do Turismo constitua o motor de crescimento da Economia perante a recessão internacional que se perspetiva com óbvios reflexos em Portugal bem como, e sobretudo, uma frase bem enigmática que permite várias leituras: «Qualquer tentativa de mudar os mecanismos de formação de preços pode ter impacto na forma como se desenrola posteriormente a evolução económica, o que pode ter efeitos mais perversos».
Para ‘bom entendedor, meia palavra basta’ e Centeno faz aqui claro aviso sobre os cuidados a ter na subida dos preços, sejam eles da energia ou dos salários. Tempos difíceis se avizinham e o Governo já admite, num cenário adverso, que o crescimento da Economia em 2022 se fique pelos 3,8% (cenário base – 5%). Talvez fosse tempo do Governo deixar-se de “otimismos irritantes” e, à laia de ‘antes prevenir que remediar’, apelar a alguma contenção no consumo privado ou haverá seguramente, a curto prazo, desequilíbrios estruturais nos orçamentos familiares.