Numa decisão inédita, a procuradora-geral da República avançou com uma contestação à decisão do Tribunal Constitucional que, a 19 de abril, declarou inconstitucionais normas de uma lei de 2008 que até aqui fundava o uso de dados de operadoras em investigações criminais, a chamada lei dos metadados. Na semana passada, em entrevista ao i, o advogado David Silva Ramalho, especialista em prova digital e cibercrime, foi das primeiras vozes a alertar publicamente para o risco de a decisão do TC vir a criar uma “enorme litigância” em processos em curso, invalidando provas recolhidas, já que a decisão dos juízes do Palácio Ratton, por ser omissa quanto a prazos, tem efeitos retroativos.
A isto, acresce a impossibilidade de este tipo de dados, como a localização e identificação de telefonemas e de IPs, poder continuar a ser usado em investigações criminais. Seguiu-se, no fim de semana, o alerta do procurador-geral adjunto Alípio Ribeiro. “São 14 anos de ação penal que podem ir abaixo”, alertou, em declarações ao Diário de Notícias.
Esta segunda-feira, o Público noticiou que Lucília Gago avançou com o recurso com vista à nulidade da decisão e com preocupações concretas, a saber o art.º 4º da Lei n.º 32/2008 de 17 de julho, em particular no que concerne à conservação dos dados de base e IP. Além disso, explicou a PGR, requer-se “a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sobre a fixação de limites aos efeitos da mesma, requerendo que seja declarada a eficácia apenas para o futuro.”
O Público tinha noticiado que os procuradores junto do TC tinham desistido de reclamar da decisão, dado que 11 dos 12 juízes votaram a favor e a hipótese de sucesso era assim considerada baixa, mas afinal Lucília Gago não desistiu de tentar travar a decisão que arrisca causar uma derrocada na investigação criminal. A lei de 2008 transpôs uma diretiva europeia, que veio a ser invalidada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 2014. “Contrariamente ao que sucedia na Diretiva, a nossa lei prevê critérios para acesso aos dados, prevê uma definição concreta do conceito de ‘crimes graves’, prevê a obrigatoriedade de ser um juiz a autorizar o acesso aos dados, prevê garantias de segurança e prevê a proteção de segredo profissional. Mesmo assim, o TC concluiu pela sua inconstitucionalidade”, notou na semana passada ao i David Silva Ramalho, alertando que, no caso dos IPs, os juízes tinham ido mesmo mais longe, explicando o que estava em causa: “Quando falamos de cibercrime, por exemplo, é informação absolutamente vital. São várias as investigações que começam com um IP ou com outros dados de tráfego e localização”.