Morreu precocemente, com apenas 47 anos, e tinha uma saúde frágil. «Apanhava todas as gripes, e ficava bastante tempo na cama, mais do que o habitual», refere o escritor, tradutor e crítico literário Richard Zenith. Ainda assim, o «muito suscetível» Fernando Pessoa resistiu à temível gripe espanhola. «Os investigadores descobriram que, aparentemente, a gripe espanhola atacava o sistema imunitário, de modo que as pessoas mais fortes e jovens é que morriam». As pessoas «não assim tão fortes» reagiam melhor. O poeta estava nesse grupo: «Teve a gripe e passou».
A revelação, que surge numa carta inédita da mãe de Pessoa, Maria Madalena Pinho Nogueira, para o filho, chega agora ao grande público através de Fernando Pessoa – Uma Biografia (ed. Quetzal), a que Zenith – que tem estudado, traduzido e editado várias obras do poeta da Mensagem – consagrou os últimos treze anos da sua atividade. A tradução portuguesa foi apresentada esta quinta-feira na Cinemateca e chega às livrarias no próximo dia 19 de maio.
«É um grande momento da vida editorial portuguesa», congratulou-se Lúcia Pinho e Melo. A editora da Quetzal definiu esta obra como «a súmula de todos os anos de estudo e trabalho» que Zenith tem dedicado a Pessoa. «Acho que foi o Benjamin Moser que disse que Pessoa talvez tivesse no Richard Zenith um ‘amigo póstumo’. E eu acho que sim», concluiu.
Na sessão da Cinemateca, o biógrafo relatou como chegou a Portugal em 1987 com uma bolsa da Fundação Guggenheim para traduzir as cantigas medievais de amigo e de amor. «Já conhecia a poesia de Pessoa, aprendi português no Brasil, onde vivi três anos. Mas foi aqui que li o Livro do Desassossego, numa edição da Ática, de 82. Não havia ainda uma tradução para o inglês, então montei um projeto e traduzi na íntegra», recordou, fazendo a ressalva de que «ainda não sabemos hoje com 100 % de certeza o que Pessoa teria incluído no livro».
Nos anos seguintes Zenith continuou a traduzir e a editar a obra do poeta, o que acabaria por valer-lhe precisamente o Prémio Pessoa em 2012. Com o lastro do trabalho já feito e do saber acumulado neste campo, aceitou o desafio que lhe foi lançado pelo agente: avançar para uma biografia.
«Foi o meu agente literário em Nova Iorque que me ‘empurrou’ para escrever uma biografia, e eu ingenuamente achava que com todo esse trabalho já feito ia levar talvez dois, três anos. Também segundo o contrato devia ser um livro de 160 mil palavras, e acabou por ter 360 mil palavras. Nunca imaginei que uma biografia deste escritor ia ter esta dimensão, e também nunca imaginei que ia levar tantos anos, 13 anos». O volume da tradução tem cerca de 1200 páginas – e o autor revelou ter cortado «mais ou menos 15%» da versão que considerava já definitiva.
«Nós chegávamos e havia uma pilha de papel que ia aumentando com as sucessivas provas», contou Francisco José Viegas. O diretor editorial agradeceu ao revisor desta monumental obra, assim como à responsável pela produção que, «no meio desta crise de penúria de papel, conseguiu encontrar papel para fazermos esta edição de 1184 páginas mais extratexto». «Mas não se aflijam que ainda temos alguma reserva para fazer reedição», brincou.
Na sua intervenção, Zenith destacou os capítulos dedicados à infância e juventude de Pessoa como aqueles onde possivelmente os leitores poderão encontrar mais novidades. «Não temos de ser freudianos para perceber que a infância forma quem somos».
E voltou a evocar a psicologia para descrever a sua abordagem ao biografado. «Quando alguém me perguntou como era a minha relação com o Pessoa, eu respondi quer era um pouco como a de um psicanalista. Mas cuidado. Não é no sentido de psicoanalisar Pessoa», esclareceu. «Eu nunca fiz psicanálise pessoalmente, mas os que fazem sei que vão lá e a psicanalista ouve, ouve, ouve, ouve. Eu senti-me nesse papel, estar lá mergulhado nos seus apontamentos, e a ouvir. Esse tipo de relação, a tentar entrar. Mas não pretendo ter percebido Fernando Pessoa. Aliás isso é talvez impossível. Não sei se consigo perceber-me sequer a mim próprio, ou aos meus amigos». Pessoa, considera, permanecerá sempre «um mistério», até porque «está sempre a mudar», apontou. «E é um fingidor, como sabemos. O que tentei foi pôr no livro os elementos todos para que os leitores consigam sentir Pessoa».