Por Carlos Pereira, Economista e vice-presidente do grupo parlamentar do PS
Há alguns meses atrás a execução do PRR já era um dos maiores desafios de Portugal, agora também é um dos maiores desafios da Europa. Este mecanismo de financiamento da recuperação europeia, decorrente da extraordinária crise pandémica, foi quase um grito de sobrevivência dos países mais atingidos pela covid-19. O Governo português foi, aliás, um dos líderes da ação empreendida no quadro europeu para aprovar um inédito pacote de apoios que evitasse o endividamento dos países, protegendo sobretudo aqueles que foram seriamente afetados com a anterior crise das dívidas soberanas. Assim, a distribuição será feita de acordo com a necessidade e não de acordo com a sua participação no pagamento. A isto chama-se solidariedade efetiva. É evidente que houve obstáculos. Os chamados países frugais não cederam facilmente e condicionaram os meios, mas também a capacidade de execução.
Além das reformas associadas aos financiamentos, que no caso português são mais de 30 e seguem recomendações do semestre europeu, foram impostos prazos de execução apertados que exigem dos países um esforço tremendo. Se já havia essa perceção aquando da negociação do PRR, a guerra na Europa e a escalada das tensões inflacionistas, agudizaram esta ideia e acabam por instalar dúvidas consistentes sobre a capacidade dos países em executar com qualidade e eficácia os meios disponíveis. Não se trata apenas do PRR e por isso tudo se complica ainda mais: há, também a exigência de execução para encerrar o PT2020 e para arrancar com o PT2030.
Houve, obviamente, por parte do Governo, cuidados no mecanismo de governança e na tentativa de assegurar celeridade, mas claramente não há cuidados que minimizem os efeitos da conjuntura. É por isso que nas vésperas de um processo de discussão a 27 em Bruxelas sobre os meios financeiros europeus e o PRR, tenho a firme opinião que as autoridades devem colocar na agenda o tema incontornável da capacidade da Europa em cumprir os prazos de execução estabelecidos, mas que foram negociados em período de paz e sem escalada inflacionista.
Já sabemos que a atualização da contribuição financeira máxima, marcado para ocorrer a 30 junho, beneficiará Portugal com mais 11% de meios a fundo perdido. Este acréscimo baseia-se na análise intercalar dos impactos da pandemia nas economias europeias e realçou o profundo impacto no nosso país. Mas persiste a questão que hoje passou a ser essencial: o aumento dos preços das matérias-primas e da energia, assim como a incerteza e instabilidade na Europa, tem hoje uma influência decisiva no arranque e progressão do PRR. Colocar na agenda europeia a discussão sobre a alteração inesperada do contexto em que se discutiram os prazos de execução do PRR não é, na minha opinião, um atrevimento ou um procedimento despiciendo. Na prática, a boa utilização dos meios também exige boas condições de tempo de execução para que as opções não sejam apressadas e insensatas. Não é desejável criar condições para que os agentes e as estruturas de gestão relaxam no empenho que têm de ter na capacidade de execução, mas deve evitar-se que este constrangimento prejudique o planeamento necessário para usar bem os meios deste Programa.