Uma petição lançada em 2020 por um movimento de cientistas portugueses vai ser discutida esta quarta-feira no Parlamento. Os peticionários reclamavam na altura, e mantêm agora, a necessidade de um investimento urgente na ciência em Portugal e denunciam que há recursos a ser desperdiçados. Ao i, os responsáveis do Movimento 8%, que promoveu a petição, indicaram que já este mês de maio se dirigiram à nova ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, sublinhando que entre os subscritores da petição – que juntou mais de 8500 assinaturas em duas semanas – estão os responsáveis dos maiores centro de investigação do país. E dando nota de um inquérito feito aos líderes de equipa cujos contratos foram recusados no último concurso de Estímulo ao Emprego Científico da Fundação para a Ciência e Tecnologia, cujos resultados saíram em novembro de 2021, investigadores que obtiveram pelo menos uma avaliação de 8,5 em 10. Com conclusões desanimadoras: cerca de metade candidatou-se a um nível inferior para aumentar a probabilidade de aprovação, mesmo assim sem sucesso.
“Cerca de 90% dos candidatos ou estão desempregados ou têm contratos a termina”, concluem ainda, salientando que “cada um destes líderes de equipa obteve níveis de financiamento notáveis, sendo que a maioria multiplica o valor investido no seu salário várias vezes”.
Notam ainda que “estes líderes já, ou em breve, sem contrato, contribuíram de forma significativa para a formação de investigadores jovens portugueses (orientando os seus doutoramentos), publicaram dezenas de trabalhos, patentes, e coordenaram um número significativo de projetos.”
“Dado que os investigadores potenciam o investimento colocado neles num retorno financeiro concreto resultando num saldo muito positivo para o país, parece-nos lógico que estamos a desperdiçar recursos desta forma. Estas equipas de investigação irão deixar de existir, e todo este manancial de formação, e produção científica e geração de valor irá desaparecer nos próximos meses”, adverte o movimento, que na petição que será agora discutida na AR deixava propostas concretas, desde logo o aumento do financiamento para a ciência no país mas também a definição de uma taxa mínima de candidaturas a aprovar.
Neste último Concurso de Estímulo do Emprego Científico (CEEC), em 3730 candidaturas, foram aprovados 400 contratos a termo com a duração máxima de seis anos, havendo 11% de aprovação de 89% de reprovação. Foi um pouco mais do que em 2020, mas milhares de candidaturas foram reprovadas.
Na petição, salientam que é com “enorme preocupação” que se assiste “à subvalorização grave da Ciência e da Comunidade Científica no nosso País. Enquanto em 2017 o investimento em Ciência em Portugal foi de 1,33% do PIB, Israel investiu 4,5%, a Suécia 3,4% e a Áustria 3,2%”, diz o texto da petição, aludindo a dados da OCDE. “Na última década verificou-se um desinvestimento grave que hoje culmina no subfinanciamento crónico bem visível.”
Para os peticionários, é isso que tem levado a “taxas de aprovação baixíssimas” nos concursos da FCT, quer de estímulo ao emprego científico, mas também no financiamento de projetos de investigação. “Os Projetos IC&DT deveriam ser o principal motor da investigação nacional. No entanto, no último concurso realizado há 3 anos (2017) foram financiados 1618 projetos (35,2%) enquanto este ano, 2020, apenas 312 (5,3%) foram aprovados. É urgente compreender que com taxas de 95% de reprovação será impossível manter linhas de investigação plurais e diversificadas, com a asfixia de centenas de grupos de investigação”, lê-se.
“A FCT tem de ser a primeira e mais acérrima defensora de uma Ciência transparente e com princípios éticos, pautar a sua ação pela excelência científica e clareza na comunicação. No entanto verifica-se a falta de critérios claros e de grelhas de avaliação nos vários concursos, que resultam em avaliações injustas, incoerentes e desmotivantes para a comunidade científica”, denunciam na petição, concluindo que Portugal, atualmente, “não oferece condições para uma carreira científica estável.”
Os peticionários defendem três medidas imediatas: aumentar o pacote financeiro para os concursos, definir um “Limiar Mínimo de Estabilidade da Ciência de 15% de aprovação nos concursos para contratos individuais e projetos IC&DT a abrir brevemente, correspondente ao mínimo indispensável praticado nos países da União Europeia” e, a médio/longo prazo, estabelecer um pacto de regime para a ciência que garanta que o financiamento do OE nesta área atinge a meta de 3% do PIB em 2030.
PCP propõe taxar empresas com mais lucros
Para esta quarta-feira, com a petição em pano do fundo, está agendada a discussão de um projeto de lei do Livre, com vista a consagrar o dever das instituições de contratar doutorados com categoria auxiliar, ou superior, quando se verifique o termo de contrato.
Já um projeto de resolução do PCP, que será também votado, recomenda a adoção de medidas para dinamizar o Sistema Científico e Tecnológico Nacional, combatendo a precariedade e o subfinanciamento, nomeadamente substituindo o regime de bolsas por contratos que garantam um vínculo entre o investigador e a instituição ou que, até 2024, crie condições para 8500 lugares de técnicos nas instituições e grupos de investigação ativos no setor público.
O PCP defende ainda que as empresas com mais lucros devem contribuir para o financiamento da ciência com um imposto adicional, propondo ao Governo que crie um Fundo para a Inovação Tecnológica empresarial financiado pelas empresas na proporção de 1% do respetivo VAB (valor acrescentado bruto) acima de 5 milhões de euros de volume de negócios anual, com cogestão e cofinanciamento públicos.