O PSD foi a votos, para escolher o sucessor (adiado) de um líder que nunca o foi, demissionário sem pressas, desde que conduziu o partido a outra derrota e o expôs a um ‘estágio’ demorado, longe da órbita do poder.
Os candidatos à ‘pesada herança’ de Rui Rio, ambos fora do Parlamento, profundamente diferentes entre si, sabiam de antemão, que o roteiro do futuro estaria repleto de incertezas e de obstáculos, a menos que houvesse um milagre, por enquanto, improvável.
Com a aprovação do Orçamento, sem grandes retoques (requentado, com a novidade da ‘bengala’ do Livre, de Rui Tavares, o mesmo que em versão autárquica quer pôr os lisboetas ‘de cabelos em pé’ a circular a ‘passo de caracol’…), a oposição percebeu, sem dificuldade, que o PS vai ser soberano e repetir, talvez, algumas das ‘receitas’ de Sócrates, quando este deixou o país falido e de ‘calças na mão’.
É certo que António Costa concluiu, finalmente, que Sócrates «aldrabou-nos», e fê-lo sem ‘punhos de renda’, reconhecendo, implicitamente, que o ‘artista’ usara ‘truques escondidos na manga’.
Dir-se-á que ‘mais vale tarde do que nunca’. De facto, mesmo quando parece em vias de ficar esquecido, Sócrates tem artes de voltar a cena, para tentar a sua sorte, entre mais um requerimento em tribunal, com um pretexto qualquer para empatar o processo, ou uma ‘vida nova’ no Brasil, ‘às cavalitas’ de uma Justiça labiríntica e pouco empenhada em sentá-lo no banco dos réus.
Com tantas sombras e incógnitas no horizonte, não faltarão as oportunidades para o novo líder da oposição se afirmar e afirmar o PSD como alternativa à hegemonia socialista. Foi o que prometeu Luís Montenegro, o vencedor destacado das eleições internas no partido.
Assim queira e assim possa. Perante um PS absoluto e as sequelas da pandemia e da invasão russa da Ucrânia, o papel de oposição não é invejável. Em especial, quando a idiossincrasia dominante privilegia quem manda, sobretudo em tempo de crise. E se o PS, ainda minoritário, se apropriou, paulatinamente, das principais alavancas do poder, imagine-se o que fará agora em relação ao que sobrou.
Doravante, suportado pela legião de dependentes do Estado, e com os partidos à sua esquerda enfraquecidos, o Governo continuará a ser poupado nas ruas – descontadas algumas greves e manifestações para o PCP ‘mostrar serviço’, e mesmo esse vago ruído de protesto será, sabiamente, gerido com pinças pela maioria dos media.
Bastou ouvir os discursos dos candidatos, fechada a contagem dos votos, para perceber que Montenegro era o líder do PSD que menos convinha ao atual primeiro-ministro. O seu opositor, Moreira da Silva, ambicionava, no fundo, prosseguir a ambiguidade do partido, sem incómodos para o Governo socialista. E, apesar da derrota sofrida, reafirmando que «sabia ao que vinha», optou por manter o suspense sobre a sua atitude próxima.
Quanto a Rui Rio terminou, nessa noite, a sua carreira política, ainda que, formalmente, permaneça em funções até ao ‘render da guarda’. Restam-lhe, entretanto, alguns fiéis que o sonham candidato a Belém, o que parece mais uma maldade do que uma fé.
Rio foi um péssimo presidente dos social democratas e em muito contribuiu, com a sua apatia calculista, para a maioria absoluta socialista.
Quando o País precisava de uma alternativa vigorosa e clara, Rio ofereceu um PSD mendicante, em aflitivo estado de orfandade de ideias e de iniciativas, subalterno do PS, mais parecendo que já se daria por feliz com meia dúzia de vitualhas que António Costa pudesse conceder-lhe, do alto da sua boa vontade.
Mas Costa desprezou essa disponibilidade, ‘guardou o jogo’, engonhou à esquerda, e marginalizou os social democratas, transformando o Chega em ‘papão’, que promete manter bem ativo.
Não há socialista, até entre gente respeitável, que não ‘encha a boca’ com os perigos do partido de Ventura, já alheados da aliança tática e oportunista do PS com a extrema esquerda, que chegou a sonhar meter ministros no Governo, suavizando a sua narrativa com o marketing dos sorrisos.
Depois de oferecer, ‘de bandeja’, ao PS, o fim dos debates quinzenais no Parlamento – enfraquecendo o protagonismo da oposição –, Rio refugiou-se a norte, evitou pronunciar-se sobre temas polémicos – ou disparates da governação –, e empurrou o PSD para uma esquina da História.
Eleito por uma margem confortável, Luís Montenegro rasgou, logo no discurso de vitória, a ‘sebenta’ metodicamente arrumada de Rio – replicada, aliás, por Moreira da Silva –, e foi direto ao assunto, dizendo aquilo que os social democratas há muito precisavam de ouvir ao líder do PSD. Ou seja, que «Portugal não pode ser este marasmo socialista (… ), Portugal não pode ser um dos últimos da Europa, Portugal tem de ser um dos primeiros da Europa».
Para um Governo que andou ‘em roda livre’ durante demasiado tempo – amparado pela ineficácia de Rio –, Montenegro promete um escrutínio ‘aditivado’. Ou nos enganamos muito, ou acabou a ‘santa vida’ do PS…
Nota em rodapé – O Mário Mesquita partiu prematuramente. Vivemos ambos o turbilhão do Diário de Notícias, a seguir ao 25 de novembro de 1975, quando nos juntámos no jornal, e, a seu convite, partilhei mais tarde a Direção, num tempo incerto.
Apesar de ter sido um dos fundadores do Partido Socialista, Mário Mesquita nunca abdicou, nesse período conturbado, da sua liberdade de pensamento e da sua corajosa frontalidade, que lhe valeram não poucos incómodos.
Teve um dia uma frase inspirada, num editorial, que se lhe ‘colou à pele’. Falava dos ‘yesmen’, essa espécie que tem prosperado em Portugal, sem outro mérito que não seja a obediência acéfala, entre dinastias familiares e cumplicidades políticas.
Jornalista inspirado, devoto do seu ofício, professor dedicado de futuros jornalistas – dotado de invulgar talento para interessar os seus alunos –, colunista temível pela ironia cáustica que sabia tão bem usar, Mário Mesquita era, ainda, enquanto académico, um ensaísta culto e um teórico bem apetrechado nas Ciências de Comunicação.
Foi, sem dúvida, uma referência na sua geração, que Marcelo Rebelo de Sousa condecorou a título póstumo, com as insígnias da Ordem da Liberdade, destacando a sua «constante, permanente e apaixonada luta pela liberdade». Com a sua morte, desapareceu um jornalista que rejeitou ser vassalo de favores ou de compadrios. E um amigo que me faz falta.