por José Manuel Azevedo
Algures em novembro de 2021 escrevi aqui, nesta coluna, um texto que intitulei E o burro sou eu?, entre outras coisas colocando em causa o tratamento que o Governo da ocasião fazia da população portuguesa, com conselhos e advertências sobre os comportamentos a ter para prevenção da covid que pareceriam do senso comum. Dizia René Descartes que «nada é mais justamente distribuído que o senso comum: ninguém pensa que precisa mais do que realmente já tenha», o que, verifico hoje, também se me aplica…
Com efeito, pensava eu que, apesar da eliminação da quase totalidade das medidas de prevenção no tal ‘Dia da libertação’, todos teriam consciência, face às evidências científicas de que se dispunha sobre o vírus (cada vez mais, à medida que o tempo decorria) de que se justificava manter alguma prudência, de modo a evitar contágios e, com isso, reduzir os riscos de internamento, reduzir as potenciais sequelas da doença, reduzir a taxa de letalidade, reduzir as despesas de saúde da população e também do sistema nacional de saúde – público e privado – evitar o congestionamento das linhas do SNS24, etc., etc.
A verdade é que, infelizmente, o ‘milagre português’, a que se referiu a dada altura o Presidente da República, apenas derivou do receio que a doença provocou nos primeiros tempos nos portugueses e não duma atitude adulta, consciente, pensada, perante a gravidade da dita doença. Declarado o fim da pandemia, proclamada a sua ‘substituição’ por endemia, o Portugal inteiro descansou. E justamente agora, corroborando a decisão dos portugueses, foi recentemente publicado um livro COVID-19 em Portugal: a estratégia que nos vem explicar como é que se conseguiu controlar a pandemia de covid-19 em Portugal durante os últimos dois anos.
Confesso que não o li, pelo que até posso estar a ser injusto para os seus autores, mas o sentimento que tenho é que o suposto controlo da pandemia passou muito mais pelos períodos de recolhimento obrigatório ou pelo confinamento do que por qualquer outra medida estrutural, os quais, tendo entretanto terminado, nos trazem algumas evidências:
• Do 8 ao 80, do 80 ao 8, do 8 ao 80 – veja-se o número de casos que se detetaram nos dois anos decorridos desde que, em março de 2020, o primeiro surgiu em Portugal. É ou não verdade que tivemos períodos em que éramos dos países da Europa com os melhores indicadores de evolução, seguidos de outros em que tais indicadores eram os piores do continente e um dos mais negativos do mundo? Já repararam no que se passa hoje?
• Não conseguimos aprender! – reuniões alargadas em família, aglomeração em eventos de distintas naturezas – políticos, desportivos, musicais, universitários – demonstraram à saciedade os efeitos nefastos que poderiam provocar. Deixámos de os fazer? Não, e também admito que seria impossível evitá-los, porque durante dois anos ‘ficámos em casa’ em ocasiões sucessivas, donde nos fartámos, é o termo, de viver em ‘ghettos’, em bolhas, pessoais ou profissionais, fartámo-nos de teletrabalhar, fartámo-nos de ver os estádios de futebol vazios, de usar as máscaras em pavilhões, de não poder assistir a concertos, enfim…
• Duma situação em que os especialistas (médicos de saúde pública, virologistas, pneumologistas, matemáticos) eram vistos, ouvidos e lidos diariamente, tanto na televisão, como na rádio, como na comunicação social escrita e nas redes sociais, passou-se a outra em que tais especialistas desapareceram, como se se quisesse passar a ideia de que a pandemia tinha terminado de vez. Tratou-se duma decisão política? Claro que sim!
Houve ou não repercussões positivas sobre a economia? Óbvia e felizmente! Basta andar pela baixa de Lisboa ou do Porto, basta tentar reservar mesa para jantar em restaurantes ‘da moda’ (ou não), basta olhar para os números da venda de automóveis, do turismo, tudo cresce, nalguns casos a níveis pré-pandemia. Será que conseguimos sustentar esse crescimento? A ver vamos…