Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
O retrato do mercado de trabalho é arrasador: em dez anos os salários caíram e os mais qualificados foram os mais prejudicados, alerta o relatório da Fundação José Neves. Uma conclusão que não surpreende os economistas contactados pelo i. Para João Duque, estas conclusões “batem certo com um país que está vocacionado para um baixo valor acrescentado por posto de trabalho e que se preocupa, acima de tudo, com o salário mínimo nacional”.
O economista vai mais longe e diz mesmo que o Governo deve “deve ser aplaudido” face ao objetivo que pretendia e que passava por aumentar a percentagem de portugueses que recebiam o salário mínimo nacional. Dando cartão vermelho ao Executivo por não avançar com medidas concretas para “estimular verdadeiramente a mudança” e dá como exemplo o que se passa atualmente no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “O que vejo são migalhas, que não chega, nem vai chegar. Isto parece uma anedota. O SNS está a desmoronar-se e depois temos o primeiro-ministro a dizer que os problemas ficam resolvidos depois deste fim de semana, porque vão ser ajustadas as escalas. O mesmo acontece com o SEF e em todo lado”.
Também Pedro Ferraz da Costa não se mostra surpreendido com o estudo e aproveita para chamar a atenção para a necessidade de melhorar a produtividade, mas admite que, para isso, é preciso melhorar a dimensão média das empresas. “O que chamamos de empresa é auto emprego. É um tipo que tem um emprego, depois mete lá a mulher e assim pode pôr lá o carro dela, depois mete a filha e já são três. E depois chamamos de micro empresa. Ser empregado por conta de outrem com os descontos que são alvo não motiva ninguém”, diz ao i.
E face a esse cenário, alerta, os altos quadros e as pessoas qualificadas vão-se embora e só regressam quando lhes garantem benefícios. “Podem voltar como emigrantes porque depois pagam menos impostos do que os que cá ficaram”, salienta.
Para Luís Mira Amaral, as conclusões do estudo mostram a realidade que se vive tanto no setor privado como no público. “No Estado, a política salarial é apoiar os mais indiferenciados e os menos qualificados. E não os mais qualificados”, diz, lembrando que o próprio primeiro-ministro, em campanha, numa reunião com empresários, confessou que esperava ter condições políticas para se virar para a melhoria salarial dos quadros qualificados da administração pública por ter consciência que eram mal pagos. “Se calhar disse isso num momento de sinceridade, mas provavelmente agora já se esqueceu. E agora não tem desculpa para dizer que o Bloco de Esquerda não deixa fazer essas mudanças”. E aponta o dedo: “No Estado, a malta de cima ganha menos do que privado, enquanto a malta de baixo ganha mais do que no privado”.
Já em relação ao privado, o economista garante que a política do salário mínimo nacional “tem encostado os salários médios aos ordenados mínimos e as pessoas de menores qualificações veem o seu salário a subir e, como as empresas, se calhar não têm dinheiro para tudo são obrigadas a subir os salários mínimos e esquecem-se de subir os salários mais qualificados”. Ainda assim, admite que nas grandes empresas começa a ser chocante os ordenados dos gestores empresariais que, de acordo com o responsável, já se aproximam dos ordenados europeus. “Depois há um grande gap entre a administração e os quadros técnicos e os engenheiros, ao mesmo tempo que os salários baixos sobem por efeito da subida do salário mínimo. Já os altos quadros com faixas etárias mais baixas saem do país”.
Raio-x Estas reações surgem na sequência da mais recente edição do Estado da Nação sobre Educação, Emprego e Competências em Portugal da Fundação José Neves que garante que, em dez anos, o salário médio dos portugueses apenas aumentou para os menos qualificados.
Os dados mostram que os trabalhadores com o ensino secundário registaram, em média, perdas reais nos salários de 11% e de 3%, respetivamente, na última década.
Entre os anos de 2011 e 2019, o salário médio dos portugueses aumentou apenas para os trabalhadores com o ensino básico, na ordem dos 5%, aumentos que se justificam maioritariamente com a subida do salário mínimo por decreto-lei e por via da negociação coletiva.
Mas há mais. Os dados mostram também que, em 2020, o rendimento anual médio líquido (em paridade de poder de compra) em Portugal era de 14.691 euros, o oitavo mais baixo da União Europeia.
Já os portugueses com o ensino básico e secundário tinham um rendimento médio de 11.441 euros e 14.216 euros respetivamente (um valor que coloca Portugal no 10.º mais baixo entre os 27 países membros). Com o ensino superior, esse rendimento médio não ultrapassava os 20.476 euros (o nono mais baixo na UE).
Subir privados Os economistas criticam ainda o apelo feito por António Costa para que os privados subam 20% dos salários dos seus trabalhadores. “Isso é outra piada. O Governo não tem possibilidade, nem quis aumentar os seus quadros e depois pede aos privados para aumentar? Com base em quê? Há algum benefício para isso? Há algum beneficio fiscal para aumentar os salários das pessoas competentes?”, questiona João Duque, lembrando que, “quando começamos a assistir a muito sucesso, o Governo cai-lhes em cima ao ameaçar que vai tributar os seus lucros”, refere ao nosso jornal.
Já Pedro Ferraz da Costa diz que este apelo do primeiro-ministro “é apenas para ser simpático”, uma vez que entende que “não vai resolver coisa nenhuma, nem inflação nem ordenados”. E vai mais longe: “O primeiro-ministro não quer mudar nada”.