Educação para o empreendedorismo nas escolas, o ‘elo perdido’ da discussão!

O empreendedorismo, os seus valores e a sua transmissão por via da educação são tópicos claramente relevantes para a academia – e, em termos doutrinários, para as instituições de referência – mas a questão da implementação acaba por ser o ‘elo perdido’ da discussão. 

Por Francisco Banha , Presidente do Grupo Gesbanha e Professor Universitário 

Um destaque do relatório de 2022 do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), assinado por Stephen Hill, revela-nos que toda uma geração de crianças em idade escolar, um pouco por todo o mundo, está a ter pouco acesso ao domínio da educação para o empreendedorismo (EpE). O GEM é um dos mais credíveis instrumentos estatísticos e de análise de dados que temos ao nosso dispor para compulsar as mais diferentes variáveis relacionadas com o empreendedorismo internacional. Com efeito, o principal autor do mais recente relatório do GEM, confronta-nos com a opinião de 2000 peritos especializados, espalhados por 50 países, que constataram condições insatisfatórias no que concerne à existência ou acesso a EpE na escolaridade obrigatória, na maioria dos casos (39 em 50).

Confirmando uma correlação direta entre índices de empreendedorismo e educação nesta área, o GEM vem tornar visível um claro contraste entre culturas e sociedades altamente dinâmicas e economicamente ativas e países onde o desenvolvimento se desenrola mais lentamente e a prosperidade se alcança com maior dificuldade. No primeiro grupo encontramos a Noruega, a Finlândia e os Países Baixos, onde existem altos índices de EpE na escolaridade obrigatória e de empreendedorismo. No segundo grupo, estão maioritariamente países com índices de desenvolvimento mais baixos, como o Sudão, a Bielorrússia e a República Dominicana, ou até países onde a EpE é tradicionalmente ministrada somente após a escolaridade obrigatória, isto é, a nível universitário. Os dados do GEM revelam a correspondência entre baixos níveis de EpE e de iniciativa empreendedora.

Portugal está fora da análise do GEM. No entanto, sabemos que os resultados não diferem muito daqueles apresentados na visão-geral deste observatório. Como tenho vindo a demonstrar de forma reiterada e em diversos trabalhos publicados, a taxa de implementação de programas de EpE no nosso país é manifestamente baixa. Por conseguinte, os números de alunos e professores expostos à EpE são residuais. Neste momento, o empreendedorismo é uma área opcional, enquadrada na Educação para a Cidadania. Sabemos, também, que a EpE em Portugal está numa fase de transição, agora que fechou a consulta pública do seu referencial.

O empreendedorismo, os seus valores e a sua transmissão por via da educação são tópicos claramente relevantes para a academia – e, em termos doutrinários, para as instituições de referência – mas a questão da implementação acaba por ser o ‘elo perdido’ da discussão. As dificuldades na implementação são evidentes, mas as suas origens e razões um tema ausente. Num estudo recente no qual participei e que foi publicado na revista Education Sciences, a conclusão indica que, mesmo ao nível da literatura académica, a temática do estudo da razão de ser da fraca implementação de políticas públicas sobre programas de EpE é muito pouco explorada. 

Todas estas constatações trazem para primeiro plano uma carência. Ela não é apenas Portuguesa; ela também é portuguesa. Estes resultados devem encorajar-nos a refletir acerca da forma como a EpE pode ser implementada de forma mais generalizada. Muitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, do European Green Deal e até a interligação com as STEAM (Science, Techonology, Engineering, Arts and Maths) podem ser abordados pela EpE e levados a cabo por quem dela beneficia. Subscrevendo as palavras de Stephen Hill, em termos globais (e em Portugal também) o grande desafio desta década é tornar a EpE nas escolas no elemento prioritário, dentro do quadro das medidas relacionadas com o empreendedorismo, para que deixe de ser um dos itens de análise mais carenciados, para passar a ser o mais forte. 

Antecipando a constatação do GEM, o académico e ex-comissário europeu para a Educação, Juventude e Desporto, Tibor Navracsics defendia, em 2016, que a questão já não é se as competências ligadas ao empreendedorismo podem ser ensinadas ou devem ser parte integrante da educação, mas sim qual a forma mais eficaz de disseminar a educação para o empreendedorismo. Urge, por isso, refletir sobre as razões que se encontram por trás desta contínua (e incompreensível) inoperância.

Bem sabemos que as medidas relacionadas com educação são, muitas vezes, aquelas que mais tempo demoram a produzir efeitos. Porém, as evidências vêm demonstrando que quando esses efeitos ao fim de duas ou três décadas começam a surgir, se afiguram muito mais potentes e sólidos do que os que possam advir de soluções imediatas.