O ex-primeiro-ministro José Sócrates, arguido principal na Operação Marquês, está convocado para comparecer hoje, às 10h, no Tribunal Criminal de Lisboa, por causa das sucessivas viagens que fez para fora do país sem avisar as autoridades. Sócrates e o seu advogado têm defendido que não tinha de comunicar essas viagens ao tribunal e que este sabe muito bem onde pode encontrá-lo: um apartamento na Ericeira, onde tem fixada a morada. Sócrates ainda tentou ontem adiar a audição, mas não conseguiu convencer a juíza.
A intimação a Sócrates, feita pela juíza Margarida Alves, foi feita na sequência de um pedido do Ministério Público. Uma coisa é certa: se hoje não comparecer e não justificar as razões para tal, o Ministério Público terá de tirar consequências, que poderão passar pela sua condução à força a tribunal e agravarão as novas medidas de coação que, de qualquer forma, “nunca ficarão iguais”, salienta uma fonte judicial.
Depois de a Visão ter noticiado que Sócrates esteve ausente do país em vários períodos recentes e sem ter comunicado nada aos tribunais onde decorre a Operação Marquês, apesar de estar sujeito a Termo de Identidade e Residência (TIR), o MP pediu ao SEF e à PJ que reunisse os dados dessas viagens. E a juíza titular do processo – a parte que o juiz de instrução Ivo Rosa mandou para julgamento, relativa à pronúncia por crimes de branqueamento e falsificação imputados a Sócrates e ao amigo Carlos Santos Silva – notificou a defesa para se explicar.
Sócrates fez três viagens ao Brasil. Uma delas durou 12 dias, e outra, dois meses
Em entrevista recente à SIC, o ex-primeiro-ministro alegou que não tem o dever de comunicar as viagens ao tribunal. “ Eu não tenho termo de identidade e residência neste processo.” E acrescentou ainda que “se a juíza [Margarida Alves] pediu é porque não o tinha”. E “se não o tinha não me pode obrigar nem pode ir perguntar à polícia por onde eu andei ou deixei de andar. É apenas um abuso”.
Na mesma entrevista Sócrates introduz uma nova categoria jurídica no direito português: os bons modos: “Quando me pedem com bons modos eu respondo. Quando me perguntam como se fosse um Estado policial eu reajo mal a isso.”
Por seu turno, Pedro Dellile, o advogado, tem defendido que neste momento o seu cliente não está abrangido pelo TIR anteriormente prestado na Operação Marquês. E que na parte do processo que sobreviveu à decisão de Ivo Rosa, em que foi pronunciado, não tem nenhum TIR em vigor.
Operação Marquês em teia de recursos
Ao contrário dos processos dos outros arguidos que também foram separados e pronunciados pelo juiz Ivo Rosa – nomeadamente, Armando Vara e Ricardo Salgado – Sócrates e Carlos Santos Silva (que não tem apresentado qualquer recurso, ao contrário do amigo) ainda não foram julgados.
A sua pronúncia por crimes de falsificação e branqueamento e a distribuição do caso nos Juízos Criminais de Lisboa para julgamento tem estado no centro de sucessivos e cada vez mais enredados recursos para os tribunais superiores, até ao limite (ou seja, o Tribunal Constitucional).
Neste momento, a pronúncia por estes crimes é alvo de um recurso na Relação, atribuído a um coletivo de juízas desembargadoras. O advogado de Sócrates recorreu, alegando que a atribuição do processo a esse coletivo decorreu de forma irregular, sem sorteio e sem o visarem para estar presente. Pelo meio, a juíza presidente deste coletivo, Margarida Vieira de Almeida, declarou-se impedida para decidir, por ter detetado que, em anteriores fases, já decidira questões da Operação Marquês (um impedimento que resulta de alterações feitas em dezembro pela AR ao Código de Processo Penal e que, apesar das promessas do novo Governos e da nova maioria parlamentar, ainda não foi alterada, estando a ensarilhar os tribunais por todo o país).
As irregularidades invocadas por Sócrates e o impedimento da juíza estão desde esta semana para decisão no Supremo Tribunal de Justiça – e, muito provavelmente, em caso de decisão desfavorável, seguirão até ao TC. “Em rigor, ele não pode recorrer para o TC, pois a lei diz que é irrecorrível. Mas já se percebeu que a estratégia é recorrer de tudo”, comenta uma fonte judicial conhecedora do processo.
Em julho próximo, a Operação Marquês faz 9 anos. Em novembro, passam 8 anos desde a detenção de Sócrates e dos outros primeiros arguidos. A acusação do MP foi deduzida há cerca de cinco anos. Em abril desde ano, completaram-se 14 meses sobre a decisão instrutória proferida por Ivo Rosa.