Luís Montenegro disse que o atual Governo “tresanda a velho”, apesar de estar em funções há apenas três meses, acusando-o de estar “gasto, desorganizado e desnorteado”. Esta foi só a ponta do icebergue das declarações do líder do PSD no fim do 40.º Congresso do partido, que findou ontem, e que contou com várias revelações: desde a proposta de criação de um vale alimentar mensal para as famílias mais pobres até à deslocação até Pedrógão Grande, hoje, onde reunirá com autarcas e instituições locais no âmbito do rescaldo dos incêndios de 2017. E claro, a nomeação de figuras como Paulo Rangel, Miguel Pinto Luz e Carlos Moedas para a sua direção, sendo que o autarca de Lisboa encabeçou a lista da direção ao Conselho Nacional, onde conquistou maioria absoluta.
Relato A cidade do Porto amanheceu, no domingo, sob um nevoeiro – a denominada neblina por esses lados – que augurava chuva, mau tempo, e um fecho do 40.º Congresso do PSD ‘abençoado’ por um dilúvio. Passavam pouco mais das 9h quando Moreira da Silva foi avistado no Palácio do Cristal – tomado de assalto pelo Congresso durante o fim de semana – e, pouco depois, também Luís Montenegro, que exercia o seu voto nas eleições para os órgãos nacionais do partido.
É certo que o terceiro e último dia do 40.º Congresso do PSD começava às 9h, mas a realidade é que o céu só começou a abrir por volta das 10h30, e, com ele, os sociais-democratas migravam em massa para o local, por entre os pavões que chamam ao Palácio de Cristal a sua casa, e que iam captando a atenção de quem olhava, por sua vez, para os presentes, à procura de uma cara conhecida.
Ainda se sentia no ar o cansaço do dia anterior, que viu os últimos resistentes sair do Pavilhão Rosa Mota por volta das duas da manhã, e que foi o palco de muitas surpresas nas nomeações de Luís Montenegro para a sua ‘equipa’ doravante ao leme do PSD – Miguel Pinto Luz, Carlos Moedas e Maria Luísa Albuquerque, entre outros nomes.
Fechadas as urnas – que deram maioria absoluta à lista da direção no Conselho Nacional, com 42 lugares conquistados (de um total de 70) – estava na hora de ouvir o homem do momento: Luís Montenegro. Mas primeiro, uma curiosidade: na apresentação do vídeo onde surgiam os anteriores presidentes do PSD, a plateia de sociais-democratas aplaudiu fortemente no momento em que surgiu no ecrã a figura de Pedro Passos Coelho, como já tinha acontecido (ainda que com menos intensidade) no momento em que surgiu Aníbal Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite.
Após os principais agradecimentos – nos quais enalteceu o trabalho de Miguel Albuquerque e José Manuel Bolieiro (presidente e vice-presidente, respetivamente, da Mesa do Congresso recém-eleita) na presidência dos Governos Regionais da Madeira e dos Açores, respetivamente – o presidente do PSD enviou também um cumprimento “de estima e de estímulo” a Nuno Melo, presidente do CDS-PP, argumentando: “Partilhamos vários momentos de responsabilidade na governação nacional e conduzimos, agora mesmo, em conjunto, um número significativo de autarquias locais. Não é a conjuntura atual do CDS que nos inibe de fazer esta referência especial. Faço-o com desejo sincero que a vossa nova liderança preencha o futuro com conquistas e sucessos”.
Do seu discurso – no qual anunciou que iria hoje a Pedrógão Grande – destacou-se uma barreira clara que
Montenegro quis desenhar entre o seu PSD e o PS de António Costa. “No PSD, quero que o país saiba que não temos problemas existenciais, cismas ideológicas nem nos interessam discussões estéreis de esquerdas ou direitas, linhas vermelhas ou verdes. A nossa orientação é simples: o cidadão, a pessoa. O ser humano, individualmente considerado, e as suas aspirações pessoais, familiares, sociais e profissionais”, começou por disparar, rejeitando o que chamou de “a escolha teleguiada que o socialismo gosta de, mais ou menos sub-repticiamente, impor às pessoas”.
Depois, as palavras ganharam novo peso: “Não somos nem seremos socialistas moderados”, mas também “não somos populistas ou ultraliberais”, garantiu Montenegro, “e muito menos nos associaremos algum dia a qualquer política xenófoba ou racista”, continuou, assegurando não ser “daqueles que ultrapassam muros para abraçar o extremismo só para sobreviver politicamente” – disparo direto a António Costa e à geringonça que liderou com o BE e o PCP.
“Que moral têm eles para andar a insinuar o que quer que seja sobre nós? Quando é que nos associamos a partidos anti-NATO, ou anti-UE, ou anti-euro, ou anti-misericórdias, anti-setor privado na saúde, ou pior ainda, partido pró-russos no contexto da Guerra da Ucrânia? Nunca fizemos isso”, atacou Luís Montenegro, frente a uma plateia onde se encontravam representantes de vários outros partidos, entre eles o PS e o PCP.
Das propostas apresentadas por Montenegro no seu discurso destacam-se os incentivos ao acolhimento e integração de emigrantes em Portugal, bem como ao incentivo aos jovens de ficarem no país. Mais concretamente, o líder do PSD sugeriu a criação de um vale alimentar mensal para as famílias mais carenciadas, bem como o alívio da carga fiscal.
Montenegro mostrou-se ainda desfavorável à realização do referendo da descentralização em 2024, considerando não ser “adequado”. “A razão decisiva tem a ver com a gravidade da situação internacional que vivemos e a consequências económicas e sociais muito sérias que estão a atingir os portugueses. Fazer um referendo neste quadro crítico e delicado seria uma irresponsabilidade, uma precipitação e um erro”, disse.