Caos. É esta a palavra que melhor descreve o aeroporto de Lisboa nas últimas semanas. Cancelamentos e atrasos são uma realidade e são centenas os passageiros com os nervos à flor da pele sem local onde ficar e sem saber o que fazer.
Quando o problema ficará resolvido não se sabe, mas a NAV anunciou esta sexta-feira uma nova Carta de Operações com a Força Aérea, para o verão, que vai permitir reduzir atrasos no aeroporto de Lisboa e maior otimização da capacidade da infraestrutura. «Esta nova carta de operações redesenha o espaço aéreo, com cedências de espaço em períodos temporais nas áreas militares de Monte Real e de Sintra, contribuindo positivamente para a redução de atrasos das aeronaves e na maior otimização da capacidade da área terminal e das aproximações ao aeroporto Humberto Delgado», lê-se num comunicado enviado pela prestadora de serviços de navegação aérea.
Segundo a NAV, o novo acordo foi feito no âmbito do Órgão Permanente para a Coordenação da Gestão e Uso do Espaço Aéreo (OCEA), do qual fazem parte a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), a Autoridade Aeronáutica Nacional (AAN), a NAV Portugal e a Força Aérea Portuguesa.
O Nascer do SOL tentou perceber se estes cancelamentos e atrasos eram previsíveis. «Estabelecendo um paralelismo com outras situações, é como se perguntasse ao Ministro da Administração Interna se é previsível existirem fogos nesta semana em que as temperaturas chegarão aos 40 graus ou se perguntasse à GNR se é previsível acontecerem mais acidentes de estrada em fins de semana prolongados», começou por comparar Pedro Castro, diretor da Sky Expert e docente em gestão turística.
O responsável explica que, na aviação, além do conhecimento histórico do tráfego em inicio e fim de calendário de férias, «acresce que todas as companhias aéreas e aeroportos sabem com relativa antecedência e com rigor qual a ocupação dos seus voos e das suas infraestruturas». Assim sendo, «os volumes de passageiros são sempre previsíveis».
Quer isto dizer que, «dependendo de como a infraestrutura se preparou, do seu grau de comunicação e de coordenação com as companhias aéreas e dependendo da forma como o regulador esteve atento (ou não) a estes preparativos, dependendo de uma análise operacional consciente de todos esse fatores, estou certo e seguro que várias pessoas sabiam e previram este caos e que, eventualmente, terão preferido não fazer absolutamente nada».
E acrescenta: «Ou até que avisaram as suas chefias e elas decidiram ‘deixar andar’. Houve e está a haver uma enorme negligência e seria fundamental investigar-se e sancionar esses comportamentos de quem sabia e de quem podia ter decidido diferente, e que não o fez», acusa ainda Pedro Castro.
Questionado sobre quais são as principais causas para este problema, o especialista é perentório: «É falta de responsabilização e de fiscalização – o que se traduz, na prática, num incentivo à negligência».
A explicação é simples: «Sem um regulador eficaz e ativo que atue, por um lado, com a sua capacidade preventiva dissuasora e, por outro, com o seu poder sancionatório ameaçador, sem esse regulador a fazer o seu papel não adianta dizermos que existem direitos dos passageiros ou obrigações e deveres por parte dos agentes económicos».
Em Portugal, recorda, esse regulador é a ANAC e, «sem espanto, o relatório do Tribunal de Contas de 2020 sobre a atuação da ANAC dá nota da falta de imparcialidade e de robustez do regulador em desempenhar o seu papel, em particular no que toca à ANA, a gestora monopolista de todos os nossos aeroportos comerciais…e certamente, em relação à TAP desde que a companhia foi nacionalizada».
Diz ainda que depois será possível ir caso a caso para tentar perceber porque é que os voos foram cancelados, o que pode traduzir-se em avarias, greves, covid-19, meteorologia, entre outras. «Mas essas vicissitudes fazem parte da aviação e todas as companhias e aeroportos têm de saber lidar com isso, em particular no que toca aos direitos e deveres para com os passageiros».
‘Falta de previsão ou excesso de ambição’
Se a retoma era esperada, como é que é possível que as companhias aéreas tenham sido apanhadas de surpresa?
Pedro Castro explica que, atualmente, ainda existem «bastantes restrições» devido à pandemia em alguns países e recorda exemplos como os voos diretos Lisboa-China terem sido cancelados durante 2 semanas devido à pandemia. E recorda que «algumas companhias aéreas e diversos prestadores de serviços sem os quais a aviação não funciona, têm equipas inteiras em baixa de covid durante 5-7 dias o que leva a que durante diversos dias lhes falte pessoal de uma maneira bastante brutal – e isso afeta toda a cadeia da aviação».
Assim, defende, mais uma vez «houve aqui falta de previsão ou excesso de ambição de alguns agentes económicos: as companhias programaram as suas operações como se a pandemia tivesse passado totalmente e não deixaram nenhuma margem de manobra. Esta falta de previsibilidade não pode ser considerada uma surpresa», acusa, relembrando novamente a importância do papel preventivo do regulador.
TAP em colapso
A companhia aérea mais reclamada é a TAP e é a que tem dado mais problemas e dores de cabeça aos passageiros. O Nascer do SOL sabe que quem está fora do país – em locais como Zagreb, Veneza e Lyon – vê os voos da TAP a serem cancelados consecutivamente, sem ser dada uma resposta aos passageiros, nem qualquer alternativa de viagem. São ainda vários os relatos que chegam ao nosso jornal a garantir que os call centers da TAP estão «completamente bloqueados» com «várias horas de espera». Os voos são cancelados sem pré-aviso e há seja obrigado a remarcar o voo pela terceira vez e famílias que estão a ser separadas para voos diferentes.
E apesar de a ANA prever um certo número de voos cancelados de manhã, ao fim do dia esse número é sempre muito superior, como é possível confirmar no site da concessionária.
Para Pedro Castro é claro que «faz falta na aviação termos uma entidade idónea onde para irmos procurar as informações, porque ao longo do dia há diversas coisas que acontecem, como o pneu furado no meio da pista. Há várias coisas que podem acontecer durante o dia e que aumentam esse número de cancelamentos. O que é importante é termos informação certa. E isso em aviação é possível mas não está a ser feito».
E, sobre o facto de a TAP ser a companhia aérea com mais cancelamentos, é claro para o diretor da Sky Expert que esta situação tem duas explicações. «Para já a TAP tem 50% dos movimentos do aeroporto de Lisboa. Em termos de probabilidade matemática, fica já maior probabilidade de ser um voo da TAP».
Mas não só. O responsável lembra que todas as outras companhias fizeram uma revisão do programa. «Ou seja, elas reduziram, para este verão, o número de voos. O que significa quando uma companhia faz isso? Que o voo já não aparece como cancelado porque foi retirado do programa. Pré-informaram os passageiros antes mesmo de eles irem para o aeroporto».
Mas a TAP não o fez. E o especialista sugere que alguém da empresa deveria, neste momento, «olhar para o programa dos próximos meses e ver o que é realisticamente possível fazer ou não. E retirar aquilo que hoje já sabe que não vai conseguir fazer para que daqui a uma semana ou duas esses voos não apareçam na placa das partidas ou das chegadas».
Outros aeroportos
No entanto, esta situação em Portugal não é única. Em toda a Europa e um pouco por todo o mundo há muitos constrangimentos em vários aeroportos e as greves estão a agravar ainda mais o problema. Em toda a Europa, são muitas as companhias aéreas a cancelar voos diariamente.
Sobre este assunto, Pedro Castro usa a ironia: «Pois é, esse tipo de raciocínio ajuda sempre a lidar com a mediocridade, não é? Encontrar alguém que esteja ainda pior do que nós é uma bênção. A bitola de um país ambicioso, de uma indústria desenvolvida e de um profissional perfeccionista nunca deve ser medida pelos piores», diz.
Novo aeroporto é solução?
Questionado sobre se estes problemas no aeroporto de Lisboa poderiam ser resolvidos com o novo aeroporto que ainda não saiu do papel, o diretor da Sky Expert diz que «nem o tamanho, nem a quantidade de aeroportos numa cidade». Ou seja, «Londres tem seis aeroportos, Nova Iorque tem três e nem por isso são poupados a estes problemas, muito pelo contrário». O que, no seu entender, tem sido relatado e observado «são as companhias e os próprios passageiros a não quererem voar de aeroportos grandes onde os problemas são ainda maiores». E deixa exemplos concretos: «Já são três as companhias que oficialmente deixaram de voar para o aeroporto de Amesterdão e fazem-no agora apenas à partida do aeroporto de Roterdão, situado 80 quilómetros a sul. Na Suíça, o aeroporto da capital, Berna, ganhou uma nova vida com mais passageiros e voos porque as pessoas preferem evitar as alternativas de Genebra ou Zurique para sair para férias».
Uma nova solução para o aeroporto é, então, cada vez mais urgente? Pedro Castro é claro: «‘Novo aeroporto’ e ‘urgente’ nunca rimam». E explica a sua opinião: «Para já porque construir um novo aeroporto demora muitos anos – 5 anos, no mínimo, dizem». E atira: «Além de me faltarem exemplos de obras desta envergadura que cumpriram o orçamento inicial e os prazos estipulados em Portugal, só me lembro do aeroporto de Berlim que sofreu um atraso de mais de 10 anos até abrir…por isso, se a ‘nova solução’ é construir um novo aeroporto é melhor não lhe chamar urgente».
E deixa críticas à TAP: «É melhor dizer como a CEO da TAP escreveu aos seus passageiros, que vai nesse sentido ‘o verão de 2022 vai ser este caos, não há nada a fazer, vamos esperar que no Verão de 2023 esteja tudo bem’». Na sua opinião, Christine Ourmières-Widener «foi franca…e o regulador deixa passar isso impunemente, já viu? As ‘novas soluções’ têm de ser para este aeroporto que temos e têm de acontecer já este verão e todos os períodos previsivelmente críticos dos próximos anos», finaliza, deixando o desejo de que a ANAC «comece a trabalhar nessas novas soluções».