A expectativa é grande e o mercado está de olhos postos no Banco Central Europeu (BCE) que deverá hoje anunciar a subida das taxas de juro. O cenário poderá ser mais pessimista do que inicialmente previsto. Ao contrário do que tem vindo a ser divulgado pela entidade liderada por Christine Lagarde, a subida dos juros poderá estar em cima da mesa um aumento de 50 pontos base, em vez dos 25 pontos inicialmente previstos, o que irá penalizar todos aqueles que têm em mãos um crédito para pagar. Independentemente dos valores, será a primeira subida dos juros em mais de uma década, para tentar travar a escalada da inflação.
Os analistas contactados pelo i já estão à espera do pior cenário, tendo em conta a desvalorização do euro, e há quem já aponte para aumentos na ordem dos 2% no próximo ano.
“Até há pouco tempo poucos arriscariam apostar numa subida dos juros para lá dos 25 pontos base”, diz ao i Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe. “Depois de o euro ter temporariamente caído abaixo da paridade com o dólar durante a semana passada, os alarmes dispararam, já que uma desvalorização tão significativa da moeda única irá repercutir na inflação, acentuando ainda mais o problema devido ao pagamento das importações ser, em muitos casos, feito em dólares. Face a este cenário, vários analistas equacionam a possibilidade de o BCE subir as taxas em 50 pontos base; a medida em si própria não é de todo descabida, no entanto o facto de contrariar as expectativas anteriormente criadas poderá tornar-se num problema, já que a surpresa pode agravar os efeitos colaterais negativos, como por exemplo a subida dos juros da dívida soberana dos países da periferia da zona euro. Por estes motivos, penso que as possibilidades de a subida dos juros ser de 50 pontos base é de pelo menos 50%”, conlui Evangelista.
Também Luís Alves, analista Financeiro do Banco Carregosa, lembra que no fórum do BCE em Sintra, Christine Lagarde não descartou a possibilidade de a subida ser mais agressiva, estando dependente da evolução da inflação. “A realidade é que a inflação em junho, na Zona Euro, veio acima do esperado, acelerando para 8,6% em termos homólogos. Sendo assim, existe alguma especulação de que poderá haver um aumento de 50 pontos base na reunião desta quinta-feira, com o mercado monetário a aumentar a probabilidade de isso acontecer para cerca de 50%”, salienta.
Mais otimista está Nuno Mello. O analista da XTB lembra que o BCE tinha prometido um novo instrumento para acalmar os ânimos no mercado obrigacionista que aumentou as yields italianas acima dos 4% há cerca de um mês, mas a possível permanência de Mario Draghi como primeiro-ministro em Itália, acredita, pode diminuir as preocupações sobre o futuro da economia italiana. Também a incerteza em relação à segurança energética na União Europeia poderá ditar a decisão. Ainda assim, Melo antevê que o BCE irá provavelmente manter-se em linha com um aumento de 25 pontos base.
E quem tem crédito?
A subida dos juros, sobretudo se for maior do que o anteriormente esperado, irá ter um impacto nas taxas Euribor, que também subirão, o que tornará o crédito mais caro, aumentando por exemplo o valor das prestações mensais das hipotecas. Uma situação que também terá reflexos em quem está a pensar em pedir empréstimo. “Com o crédito mais caro, muitos consumidores sentir-se-ão menos confiantes e hesitarão mais no momento da decisão”, lembra Ricardo Evangelista.
Também Luís Alves chama a atenção para o facto que, tendo em conta que em Portugal a grande maioria dos empréstimos tem taxa de juro variável, “será de esperar que uma subida das taxas diretoras pelo BCE resulte numa deterioração nas condições de crédito”. Uma situação que, segundo o analista, não terá tanto peso nos créditos com taxa de juro variável, em que a taxa de juro do empréstimo resulta da soma de duas componentes: o indexante ou taxa de referência, que é a Euribor, e um spread. “A evolução das taxas Euribor está interligada à evolução das taxas de juro diretoras do BCE e estas têm subido com a perspetiva de subida de taxas pelo Banco Central. É expectável que esta tendência continue à medida que o BCE avança com o seu ciclo de aumentos das taxas diretoras”, acrescenta.
Já Nuno Melo acredita que a taxa de juro poderá ir aos 2% no próximo ano, para que se consiga atingir a taxa neutra, o que, “segundo declarações recentes de Lagarde, seria apropriado”. Uma opinião partilhada por Luís Alves, que está certo de que estas taxas ultrapassem 1% até ao final do ano e se aproximem dos 2% até final de 2023.
Dores de cabeça
Os analistas contactados pelo i reconhecem a possibilidade de entrarmos num período em que o crescimento económico será baixo, ou mesmo negativo – ou seja, uma recessão – e em que a inflação se mantenha em níveis elevados. “Este cenário, de estagflação – inflação elevada e crescimento estagnado – é de difícil resolução e poderá estender-se durante um período prolongado de tempo, o que teria um impacto muito negativo sobre as famílias e as empresas”, refere Ricardo Evangelista.
Também o analista financeiro do Banco Carregosa reconhece que a “inflação elevada e persistente já tem tido um efeito significativo na deterioração do rendimento real das famílias, com a subida de salários a não acompanhar os aumentos de custos para os consumidores”, referindo que “esta dinâmica terá efeitos indiretos no comportamento dos consumidores, promovendo uma redução da procura agregada que pode alimentar os receios de uma recessão”. Também Luís Alves não está otimista: “Os consumidores com empréstimos de taxa variável podem ter ainda mais dificuldade para pagar essas dívidas, à medida que as taxas de juro de referência vão subindo. Além disso, o impacto da inflação e do aumento dos juros terá também o seu impacto nas empresas”.
Reconhece que tem havido uma resistência em relação ao aumento dos preços, mas também admite que “essa capacidade pode esgotar-se e, além disso, com taxas de juros mais altas, o custo dos recursos a serem investidos aumenta e afeta a acessibilidade aos mecanismos de financiamento da dívida”, considerando que um cenário de estagflação, ou mesmo, de recessão são possíveis. “O BCE poderá não ter muita margem para iniciar um ciclo de subidas de taxas tão longo e agressivo como o que ainda está a ser antecipado pelo mercado, precisamente devido às fragilidades da economia no panorama atual”.
Quem estiver a pensar em pedir crédito não irá ter vida facilitada. “O ritmo de novos aumentos das taxas dependerá de como a economia e a inflação evoluem e de quão bem-sucedido o BCE será a lidar com os crescentes riscos de recessão. O BCE encontra-se com um dilema difícil de conciliar. Por um lado, seguir o seu mandato de estabilidade de preços, combatendo uma inflação elevada que resulta sobretudo de fatores do lado da oferta (em que a atuação da política monetária não é tão eficaz). E, por outro lado, calibrar o aperto monetário tentando não causar ou agravar uma recessão, numa economia que já se encontra vulnerável devido à crise energética e à perda de poder de compra dos consumidores, fruto da elevada inflação”.
Segundo Nuno Melo, “é normal que já este ano, mas sobretudo a partir do próximo ano, vejamos uma quebra nos pedidos de crédito, quer por parte das famílias, quer das empresas”. Para evitar as oscilações das taxas de juro, aconselha a optar por um crédito com taxa fixa, embora alerte que, por enquanto, “esta opção ainda implica pagar mais do que nos empréstimos com taxa variável”.