Augusto Santos Silva deixou a cargo da comissão de assuntos constitucionais a admissão do projeto de resolução do Chega, que recomenda uma censura à sua atuação enquanto presidente da Assembleia da República, por entender que a iniciativa levanta dúvidas ao nível da sua “adequação constitucional e regimental”.
No despacho a que o i teve acesso, Augusto Santos Silva começa por elencar os problemas identificados pelos Serviços da Assembleia da República, que consideram “não ser adequada a forma do projeto em relação ao seu teor” e identificam “as várias possibilidades que o regimento da AR prevê para sindicar as decisões” do seu presidente, “pondo-se em causa a possibilidade de se recorrer à via em causa”, ou seja, a um projeto de resolução. Neste caso, o partido de André Ventura utiliza essa figura regimental para uma censura ao comportamento do presidente do Parlamento “por não pautar a sua conduta institucional com a imparcialidade e isenção exigíveis ao exercício do cargo”.
Além das dúvidas suscitadas pelos serviços, Santos Silva diz ainda ter dúvidas pessoais, não as podendo ignorar pela sua “obrigação de velar pelos direitos de todos os deputados”. Lembrando que qualquer comportamento parlamentar pode ser contestado, argumenta que apesar de “a liberdade de expressão ser a regra número um” no Parlamento, a “injúria e a ofensa” podem justificar a intervenção do presidente da AR. E reconhece que “nenhuma decisão do Presidente é não sindicável ou irrecorrível”, sendo passíveis de recursos ou reclamações.
“É tendo em atenção este quadro regimental que se deve ponderar seriamente a legitimidade e as consequências de aceitar doravante que se discuta e vote projetos de resolução visando institucionalizar uma qualquer censura a um qualquer comportamento”, alerta ainda.
“Pelas dúvidas suscitadas pelos serviços da Assembleia, mas também em razão das dúvidas muito fundas e muito complexas que me são suscitadas no plano ético-político, não por este projeto de resolução em concreto, mas pelo precedente que ele pode criar e, previamente à decisão sobre a sua admissão, solicito que a 1.ª comissão emita um parecer sobre a conformidade constitucional e regimental do projeto de resolução”, lê-se no despacho assinado por Santos Silva.
Em declarações ao i, o líder do Chega condenou a “atitude vergonhosa” da segunda figura do Estado, por impedir a admissão imediata do projeto de resolução do partido e ainda o “condicionar a mais um parecer que sabe que o PS vota contra”. “Santos Silva está a tornar a Assembleia da República no seu feudo pessoal. Nem no Parlamento venezuelano devemos ter este tipo de boicotes”, reagiu André Ventura.
Já o grupo parlamentar do Chega revelou, em comunicado, que foi com “enorme surpresa” e “estupefação” que recebeu o despacho, acusando Santos Silva de uma conduta “inconstitucional, ilegal e sobretudo violadora do espírito de concórdia e harmonia político-partidária”. “Parece que os tiques ditatoriais do presidente da AR se estendem para além da condução dos trabalhos plenários e se alargam à admissão de iniciativas legislativas ou políticas dos grupos parlamentares”, atira.