Também somos lei, quando não somos!

Qual é a diferença perante uma mulher sobrevivente de violência doméstica que seja violada e outra que seja violada sem ser em contexto de violência doméstica? 

Nada parece verdade. Continuamos a lutar pela sobrevivência. A verdade é que somos lei não praticada. Somos lei ignorada. Já tanto se escreveu e se disse sobre a violência perpetrada sobre as mulheres e crianças que  fica afixada apenas a memória das sobreviventes que morreram e não se dá continuidade. Morrem mulheres atrás de mulheres como se a sua vida não tivesse essência dentro dela, sonhos, família, mas sim  um corpo para despejar as suas frustrações. 

Ontem, uma figura proeminente do panorama político da direita portuguesa disse algo que ainda continua a ser o pensamento de muitas mentes instituídas em lugares de poder e esse será provavelmente o grande problema. Fazendo uma crítica direta de que o Governo não se compromete com a segurança da rua mas sim com a segunda dentro de casa de cada um! Na sua crónica, criticou a escolha de prioridades do Governo no que diz respeito ao empenho das forças de segurança. Escreveu ainda que a prioridade das forças de segurança : «será o combate à violência doméstica, ou seja, o Governo não se compromete com maior segurança nas ruas, mas dentro de casa de cada um será o anjo da guarda».

Tais declarações, remetem-nos para ‘entre marido e mulher não se mete a colher’ desvalorizando as penosas vidas das sobreviventes de violência machista. Li duas notícias que mulheres sobreviventes de violência doméstica foram agredidas e violadas pelos seus ex-companheiros ou atuais companheiros. «Um homem, de 31 anos, ficou, por decisão do tribunal, em prisão preventiva por ter alegadamente violado a ex-companheira, com quem tem um filho em comum. A mulher, de 32 anos, tinha saído de casa com a criança há cerca de três meses, após ter sido vítima, durante oito anos, de agressões físicas, psicológicas e sexuais por parte do arguido, detido pela Polícia Judiciária (PJ).

De acordo com informações recolhidas pelo JN, a relação chegou ao fim, por iniciativa da mulher, depois de um episódio particularmente violento e mais grave do que os anteriores. Assustada com o que poderia acontecer no futuro, a vítima mudou de vida e de cidade, mas tal terá sido insuficiente para manter o ex-companheiro longe de si. Inconformado com a separação, o homem, desempregado e já condenado por crimes de outra natureza, descobriu que a ex-mulher vivia no concelho de Torres Vedras, onde a terá violado».

A pergunta que faço, é, qual é a diferença perante uma mulher sobrevivente de violência doméstica que seja violada e outra que seja violada sem ser em contexto de violência doméstica? Apesar de que quase todas são, pois muitas das mulheres violadas, são violadas por conhecidos ou membros de família. No entanto existe alguma diferença? Para que umas tenham mais acompanhamento que outras? Para que umas tenham mais associações por onde procurar ajuda?

Para que umas não tenham que viver em silêncio e possam ter voz? Para que o seu crime não prescreva passado seis meses? Para que o seu crime não seja crime público? A triste realidade das mulheres, umas que são lei não praticada e outras que são voz silenciada!