A tendência para a guerra

Mantemo-nos propensos à confrontação, imersos num bélico nefasto capaz de retirar qualquer esperança ao ser humano

Por Alexandre Faria, Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

Ao longo da história da humanidade, a nossa espécie, dita sábia, continua a insistir no caminho da sua própria aniquilação, excessivamente inclinada para insensatas e sucessivas lutas entre si, contrariando uma evolução que se devia exigir racional, face aos seus milhares de anos de coabitação. Neste registo de pendor violento e hostil, o género humano corre o risco de se manter de um modo intemporal como o ente mais esmagador para si próprio, podendo dispensar inimigos externos.

Chegamos ao requinte de atribuir denominações novas a factos velhos, desde a conquista da Pérsia, Roma e Cartago, ao argumento de espalhar a fé cristã, passando pelas cruzadas, guerras de 30 ou de 100 anos, napoleónicas, de secessão, guerras civis, conflitos mundiais, Taiping, a guerra sino-japonesa, Palestina, Vietname, Ruanda, Sudão, Afeganistão, Iraque, Síria, ex-Jugoslávia ou os mais recentes casos das armas de destruição maciça que ninguém encontrou até à intervenção militar russa. Na verdade, guerra é guerra, nunca está circunscrita a apenas uma região e as consequências no nosso mundo, diretas ou indiretas, ultrapassam sempre as suas fronteiras específicas.

Seja por razões económicas, territoriais, religiosas ou por domínio exclusivo de matérias-primas, mantemo-nos propensos à confrontação, imersos num bélico nefasto capaz de retirar qualquer esperança ao ser humano. E, perigosamente, começamos a conformarmo-nos em demasia perante esta realidade, alimentada pela ridícula tendência para idolatrar líderes agressivos, aplaudindo batalhas que desunem e que nos descaracterizam como seres vivos pensantes neste planeta. A ponderação cede ao injustificável, o bom senso desaparece perante o inaceitável e a inteligência de uma comunidade global perde terreno numa vivência que se aspirava vasta e tendencialmente próspera.

Apregoamos valores democráticos desde o século XVIII, mas permitimos, ainda hoje, seguidismos que já não deveriam estar na moda, aniquilando os princípios básicos unificadores, incentivando o maniqueísmo e as lutas desprovidas de conteúdo. As lideranças tornaram-se mais difíceis em virtude das redes sociais e do novo estilo jornalístico de curto prazo, mas são mais determinantes do que nunca, por serem as únicas capazes de assegurar que os cidadãos possam chegar onde nunca estiveram, ao santuário possível de atingir numa altura em que se perdeu a imaginação.

Sob pena de perpetuarmos o desastre coletivo que enfrentamos e porque a liberdade e a abundância só se saboreiam em paz, façamos então do combate às alterações climáticas o único conflito a travar, em vez de nos mobilizarmos a todo o momento para a guerra.

Para tal, é necessário transcender as sociedades que se desmoronam dia após dia, através da ousadia, coragem e visão das lideranças do século XXI, afirmadas através da cooperação institucional, da potencialização do que temos em comum, num crepúsculo civilizacional onde o valor da vida passará a constituir a única obsessão.