No dia da tomada de posse de 39 juízes de direito, que concluíram o 35.º curso normal do Centro de Estudos Judiciários, Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), e do Conselho Superior de Magistratura (CSM) por inerência, aproveitou a cerimónia, que decorreu ontem no auditório do CSM, para alertar os recém-formados do “escrutínio sem paralelo” a que vão estar sujeitos.
Nas suas palavras de alento, Henrique Araújo recomendou aos magistrados recém-graduados que tenham “um comportamento cívico irrepreensível e uma atividade social discreta, com a moderação que a responsabilidade do cargo exige”, até porque, disse, é necessário “continuar atentos às tentativas de subjugação dos juízes ao poder político” e mostrar que “os tribunais cumprem o seu papel de pacificação social e de regulação jurisdicional dos litígios”.
Henrique Araújo alertou para o “mal-estar difuso, uma irritação em relação às instituições, aos seus agentes e responsáveis, um ambiente de desconfiança alimentado por uma rede de ferramentas tecnológicas de informação que produz torrentes de notícias diárias” que se vive atualmente na sociedade, acusando o quão facilmente acessíveis e, por vezes, “contraditórias, enganadoras, descontextualizadas ou simplesmente falsas”, podem ser estas mesmas informações.
O presidente do STJ argumentou que “a Justiça tem-se mostrado um alvo apetecível destas campanhas de desinformação”. “Os juízes, o Conselho Superior da Magistratura e as leis de orgânica judiciária são postos em causa das mais diversas maneiras, num processo de deslegitimação e enfraquecimento do poder judicial que todos sabemos como pode acabar”, disse, relembrando os casos da Hungria e da Polónia, onde o poder judicial foi “funcionalizado pelo poder político”.
Não se pode pensar que “a independência do poder judicial, que constitui um dos fundamentos das sociedades democráticas ocidentais, se tem por definitivamente adquirida”, pediu Henrique Araújo, deixando nos portugueses a garantia de que podem confiar nos seus juízes.
No final de agosto, depois de terem sido divulgados os resultados de um estudo europeu sobre a perceção de corrupção na Justiça, a ministra Catarina Sarmento e Castro disse que 2021 foi “um ano excecional”, em declarações à agência Lusa, no âmbito de uma visita à sede e delegação regional do Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), em Coimbra. “Acontece em relação a há um ano, que foi um ano muito particular em que houve ocorrências excecionais” envolvendo magistrados, salientou a ministra da Justiça. “Naturalmente, essas ocorrências excecionais não poderiam deixar de marcar a perceção que, do ponto de vista do senso comum, têm as pessoas em geral. E os juízes também são pessoas como nós, que vivem inseridos na sociedade”, frisou a dirigente.
Como o i salientou, à época, dos 494 juízes que responderam ao Questionário da Independência Judicial da Rede Europeia de Conselhos de Justiça, 25% afirmaram acreditar que nos últimos três anos houve juízes que aceitaram subornos ou se envolveram noutras formas de corrupção, “uma revelação extremamente preocupante” na ótica da Ordem dos Advogados, assim como na da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP). Segundo o inquérito da Rede Europeia de Conselhos de Justiça, que abarcou respostas de 15.821 juízes de 27 países, 26% dos 494 magistrados judiciais portugueses inquiridos revelaram acreditar que, durante os últimos três anos, houve juízes a aceitar, a título individual, subornos ou a envolverem-se em outras formas de corrupção. Em relação a esta temática, Portugal ficou apenas atrás de Itália (36%) e Croácia (30%), tendo obtido a mesma percentagem que a Lituânia (26%).