O Chega chegou a terceira força política no Parlamento e pretende afirmar-se como partido sem o qual o centro-direita e a direita não conseguirão constituir-se como alternativa à esquerda no poder. Esse é o objetivo assumido por André Ventura. Mas o partido, fundado há pouco mais de três anos, não tem quadros. E passou os poucos anos da sua história em guerras internas sucessivas, com congressos atrás de congressos e demissões atrás de demissões, incluindo do seu líder, que já por diversas vezes se sujeitou ao escrutínio dos seus militantes.
É certo que conta com outras personalidades reconhecidas nas alas mais à Direta da sociedade portuguesa, como Diogo Pacheco de Amorim, rotulado de ‘ideólogo’ do partido liderado por André Ventura, que ganhou popularidade através do comentário televisivo na CMTV e quando concorreu pelo PSD (o CDS acabou por roer-lhe a corda) à presidência da Câmara de Loures.
Para muitos, é na falta de quadros que o Chega tem o seu maior handicap, sendo que o próprio Ventura, em entrevista ao Nascer do SOL, chegou a admitir temer estar a criar um “monstro” que ele próprio poderá não conseguir controlar.
E é essa também a explicação que muitos encontram para as ‘dores de crescimento’ que o partido tem sentido nos últimos tempos: a mais recente prendeu-se com o ‘desentendimento’ entre Gabriel Mithá Ribeiro, que se demitiu em agosto do cargo de vice-presidente do partido, e André Ventura, líder do Chega. É certo que, semanas depois, Mithá Ribeiro e Ventura se reconciliaram, mantendo-se o primeiro como deputado, mas as fraturas internas do partido são cada vez mais evidentes. O desentendimento entre ambos teve origem numa discussão numa reunião da bancada parlamentar em que um deputado do partido, Bruno Nunes, partiu para a agressão física a Mithá Ribeiro. Este esperou por uma manifestação de solidariedade do líder e, perante o silêncio, bateu com a porta publicamente.
Mas foi apenas mais um caso. Por exemplo, desde as eleições autárquicas de há um ano (setembro de 2021), soma-se já um número considerável de representantes do partido em diferentes municípios do país que acabaram por distanciar-se do Chega, por uma razão ou por outra. Aliás, dos 19 vereadores eleitos pelo partido nestas eleições, em dez meses, cinco já se tornaram independentes (Moura, Seixal, Sesimbra, Moita e Entroncamento). E mais prometem juntar-se-lhes: afinal de contas, em Braga, por exemplo, é sabido que a distrital do partido tem estado em rota de colisão com Ventura, resultando mesmo numa situação inédita: o vereador Fernando Feitor encerrou a sede do Chega em Vila Verde por “falta de apoio da Distrital de Braga e da Nacional”, ameaçando tornar-se no sexto autarca do partido a abandonar o barco. Fernando Silva (Feitor) foi eleito vereador pelo Chega de Vila Verde nas últimas eleições autárquicas, mas, após divergências com a distrital bracarense, que acusou de “terrorismo político”, foi suspenso pelas declarações proferidas. Agora, o vereador que, segundo afirma o semanário regional V, pagou desde a sua inauguração a renda da sede do partido Chega Vila Verde e todo o material na sua campanha eleitoral nas eleições autárquicas, e depois de mais de um ano à espera de apoio, decidiu fechar as portas da sede no concelho a Norte, escrevendo nas redes sociais: “Na qualidade de Vereador, encerrei as portas da Sede do Chega Vila Verde, devido à falta de apoio da Distrital de Braga e da Nacional. Esperei quase dois anos pelo apoio que nunca tive, nem para a minha campanha eleitoral. Mesmo assim assumi as despesas e lutei pelo Concelho de Vila Verde e pelos vilaverdenses. Continuarei a ser a voz de quem acreditou em mim, e nunca os irei desiludir. Um agradecimento especial a todos e contem comigo em 2025. Vila Verde e os vilaverdenses em primeiro lugar”.
Mas, afinal, pode um partido jovem, recente, com muito poucos quadros, servir de identidade a quem vota à direita em Portugal? Há quem se questione se é possível a Direita portuguesa se rever no Chega, partido personificado principalmente por André Ventura, em vez de noutros partidos com quadros mais extensos e sólidos, como o PSD ou o CDS-PP.
João Pereira Coutinho, politólogo e escritor, não parece pensar assim. “Não só é possível como há uma parte da direita que votou no Chega em 2022. A ideia de que os votos no Chega são apenas de protesto não colhe. Há uma parte da Direita que se revê no discurso securitário e socialmente punitivo de André Ventura”, explica o politólogo ao i, considerando ser “questão diferente” saber se “o PSD ou a IL devem contar com o Chega para uma solução de Governo”. A essa questão, Pereira Coutinho diz responder “como sempre respondeu”: “Se esse cenário se colocar, a Direita moderada deve devolver ao Chega as suas responsabilidades parlamentares, permitindo (ou não) um Governo do PSD. De resto, bons muros sempre fizeram bons vizinhos”.
Já o sociólogo Alberto Gonçalves é mais ‘moderado’ na sua resposta: “Uma parte da direita portuguesa revê-se no Chega, uma parte não se revê – independentemente da falta de ‘quadros’. Não faço previsões, mas não me parece que o caráter ‘unipessoal’ do partido seja, pelo menos até certo ponto, obstáculo ao respetivo crescimento. Compare-se com a IL, onde não faltam ‘quadros’. E até com o CDS, onde o que falta são eleitores”, considerou.
Nova liderança DO PSD pode destruir Chega? O PSD elegeu, em maio deste ano, Luís Montenegro como seu novo líder. O espinhense tomou posse pouco depois e, agora, tem a missão de conquistar o eleitorado que o partido perdeu nos últimos anos. Para algumas vozes, esta poderá ser uma pedra no sapato do Chega, mas há quem não pense assim.
Ao i, o advogado e comentador político José Miguel Júdice disse acreditar que a nova liderança do PSD poderá não ter assim tanto efeito no Chega, uma vez que “o seu eleitorado não vem só do PSD”. “Isso depende de muitos fatores, que podem ser muitos variados. O eleitorado do Chega não vem sobretudo de eleitores zangados com o PSD. A tendência dos partidos radicais de direita é ir buscar eleitores a setores que votavam nos partidos de esquerda porque estavam zangados com o sistema. Isto é, pessoas que eram críticas do sistema político, económico e social e votavam nos comunistas e nos partidos de extrema-esquerda. Ao longo dos últimos anos, essa tendência mudou e, hoje em dia, esse descontentamento passou para partidos populistas de direita. É quase irrelevante para o Chega que o PSD seja bom ou mau”, argumentou o antigo membro fundador do MDLP.
Sobre a questão de o Chega ser um partido “de um homem só”, e os eventuais efeitos desta realidade no partido, José Miguel Júdice não tem dúvidas: “Partidos que continuam na sua fase inicial com uma banda de um homem só, não têm grande sucesso”. Isto, considerando, ainda assim, que “tivemos alturas em que outros partidos foram assim”, dando o exemplo do PSD de Cavaco Silva. “Uma coisa é certa: o Chega não terá qualquer sucesso se não for capaz de fazer a passagem de um partido personalizado para um partido institucionalizado”, diz, referindo a Frente Nacional de Marine Le Pen para exemplificar o argumento. Um partido que “embora esteja muito personalizado nela [em Marine Le Pen], tem quadros e vale por si próprio”. “Se isso não for feito, concordo que o Chega terá poucas hipóteses de se consolidar”, continua Júdice, explicando, ainda assim, que “a tendência destes partidos que começam por ser ‘de um homem só’ começam a atrair pessoas com talento e apetência, e vão subindo no partido”. Daí vêm, argumenta, as tais “dores de crescimento”, em que há “conflito entre os primeiros militantes e os que vêm depois, reagindo os mais antigos aos que trazem novo talento”.
Isto foi o que aconteceu, aliás, defendeu José Miguel Júdice, em partidos que “estagnaram”, referindo o PCP e o BE, partidos que “não se abriram à sociedade” e “continuaram a estar nas mãos dos seus militantes mais ferozes, idealistas, mais sérios e menos oportunistas”. “Os grandes partidos atraem pessoas como o mel”, concluiu.
PSD seguro Dentro do PSD, no entanto, as visões são muito claras, e a ideia de o Chega ser um partido personalizado não é tão sólida. “Não considero que o Chega seja um partido de um homem só. Tem de facto um líder e porta-voz, mas tem muito mais. Tem um grupo parlamentar de 12 deputados que diariamente têm voz ativa na Assembleia da República e na vida política nacional. Têm autarcas eleitos, ainda o ano passado elegeram 19 vereadores. Tem órgãos nacionais em funções e estruturas políticas em todo o território. Mas efetivamente apostam num rosto. Comunicam mais com o seu líder. São estratégias que nos são alheias. Mas não é esse o ponto. A direita e o centro-direita têm quadros valiosos que permitem olhar para o futuro com confiança e ambição”, considerou o deputado João Montenegro, em declarações ao i. Questionado sobre se o Chega, como partido personalizado num homem só, pode representar uma resposta sólida aos problemas do país, o deputado social-democrata prefere responder que “será ao PSD que caberá a árdua tarefa de liderar um novo Governo que volte a dar esperança aos Portugueses”, que tudo se fará “para que esse futuro Governo tenha estabilidade e condições de governabilidade”.
PS alimenta o Chega? Com ou sem quadros, é certo que o Chega foi o terceiro partido mais votado nas eleições legislativas de janeiro de 2022, e há quem argumente que esta realidade, acolhendo votos que seriam, em princípio, de outros partidos da direita como o PSD ou o CDS-PP, beneficia, principalmente, o PS. Isto porque, alegam alguns comentadores políticos e especialistas da área, o PS ganharia muito com ver a direita portuguesa dividida em não dois partidos (PSD e CDS-PP) mas sim em três, com um ‘primo’ mais polémico como é o Chega. É o caso de Alberto Gonçalves, que é sucinto e direto sobre o assunto, acrescentando um outro ponto de vista: “Claro que o Chega dá imenso jeito ao PS. E dá imenso jeito ao Chega que o PS o utilize dessa forma. Ambos ganham com isso, e quem perde é o resto da dita direita, aquela que embarca num jogo para o qual não foi convidada e dedica mais tempo a exorcizar o Chega do que a condenar a governação do PS”.
Também João Pereira Coutinho entra neste barco, considerando ser “óbvio” que o PS tem todo o interesse em alimentar a existência do Chega. “Desde o início do Chega que o PS vê o crescimento do Chega como um seguro de vida para governar. O PS sabe que um Chega perto dos 10% condiciona as opções do PSD e afugenta (para o PS) o eleitorado do centro. É por isso que a histeria da esquerda contra a direita radical não é para levar a sério. São amigos para a vida”, argumenta o politólogo.