Enquanto prometia um referendo nas regiões ocupadas da Ucrânia, para avançar com a sua anexação formal pela Rússia, Vladimir Putin, levantou mais uma vez o espetro de um conflito nuclear. Já o tinha feito anteriormente, no discurso em que anunciou a invasão da Ucrânia. Mas desta vez, a situação parece ainda mais grave.
Em fevereiro, a preocupação de Putin era evitar que forças da NATO interviessem na Ucrânia, mostrando-se confiante de que iria derrubar o Governo de Kiev numa questão de semanas. Agora, o Presidente russo está encurralado, consciente que a sua sobrevivência política está em risco, com as suas forças acossadas no campo de batalha e tendo sido forçado a ordenar uma mobilização militar parcial (ver páginas 2-3), muito a contragosto. Levando a um aceso debate entre analistas, sobre se o Kremlin considera que “a própria existência do Estado está sob ameaça”. Algo que, segundo a doutrina nuclear oficial russa, justificaria o uso de armas de destruição massiva, mesmo estando apenas perante uma ameaça militar convencional.
“Isto não é bluff”, frisou o Presidente russo, no seu discurso de quarta-feira, acusando dirigentes da NATO de admitirem usar armas de destruição massiva contra a Rússia – não é claro ao que se refere – e prometendo que “o mal pode virar-se contra eles”. Rematando que “se a defesa da integridade russa estiver em risco usaremos todos os meios ao nosso alcance”.
A dúvida é o que significa “integridade russa”. Para a Ucrânia e a NATO, é óbvio que o território russo acaba nas fronteiras reconhecidas pela comunidade internacional – daí que nenhum dos inúmeros atos de sabotagem ou explosões ocorridos para lá da fronteira tenha sido reconhecido por Kiev, de maneira a evitar provocar uma escalada de Moscovo. Mas, aos olhos de Putin, talvez a defesa da integridade russa passe a incluir os territórios ocupados, após estes serem sujeitos a referendos.
Seja como for, o resultado de uma ida às urnas em Lugansk, Donetsk, Zaporínjia – os invasores nem sequer controlam a capital deste oblast – já é considerado um dado adquirido. Estando as forças russas a conduzir autênticas caças a suspeitos habitantes pró-Ucrânia.
Contudo, talvez Putin ache que uma anexação formal dos territórios ocupados possa fazer as forças de Kiev abrandar, avaliou Shashank Joshi, editor para a Defesa do Economist. “Creio que veremos o Kremlin dizer que isto agora é um ataque ucraniano a solo russo”, explicou. “E que, como tal, é melhor que o Ocidente o pare, ou quem sabe onde isto vai acabar”, continuou. E é aqui que entram as ameaças de guerra nuclear.
Para já, Volodymyr Zelensky não se mostrou preocupado com essa possibilidade. “Não acredito que essas armas venham a ser usadas. Não acredito que o mundo permita que isso aconteça”, assegurou o Presidente ucraniano, numa entrevista à Bild. Lembrando que “amanhã, Putin poderá dizer que quer uma parte da Polónia, para além da Ucrânia, caso contrário vai usar armas nucleares”.
O problema é que o sucesso das contraofensivas ucranianas não depende somente da determinação de Kiev, mas também da continuação do fluxo de armamento vindo dos seus aliados da NATO. Muitos dos quais, nos bastidores, sempre se mostraram algo receosos de uma vitória total da Ucrânia. Não fosse Putin preferir dar uso ao seu arsenal nuclear do que ceder.