A Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados concorda com a revisão da carga fiscal e entende que seria importante ver isso contemplado no próximo Orçamento do Estado, lembrando que poderia ajudar as empresas a pagarem melhores salários e reter trabalhadores, uma questão que ganha maior importância quando se fala na falta de mão-de-obra. E deixa uma garantia: «Todas as vezes que o IRC desceu, a receita não diminuiu e as empresas aumentaram os seus lucros».
Em relação às linhas de crédito, uma das medidas anunciadas pelo Governo para ajudar as empresas, Paula Franco dá cartão vermelho. «Nunca fui favorável a linhas de crédito. Os financiamentos não resolvem problemas de tesouraria».
Quanto aos aumentos dos preços da energia e do gás admite que ‘não é muito favorável a mercados regulados’, no entanto, reconhece que, «nesta altura só o controlo do preço é que vai conseguir resolver alguma coisa». E, face à crise das matérias-primas, afirma que devia haver uma diplomacia económica para ajudar na compra desses produtos, mas para isso seria necessário envolver vários organismos do Estado.
Acabou mais um congresso da Ordem. Que balanço faz?
O grande arranque foi feito com a presença do ministro das Finanças, quem tem a nossa tutela. Foi um congresso que debateu temas muito importantes. No primeiro dia foram homenageados os contabilistas certificados e foram entregues medalhas a quem tem 25 anos de inscrição na Ordem, um momento que muito nos orgulha. Tivemos inscrições que superaram todas as nossas expectativas. Foi muito bom. Significa que as pessoas estão identificados com a Ordem e com a instituição. O congresso foi dedicado à sustentabilidade – o que é que é isto diz respeito aos protagonistas? São áreas que hoje em dia ganham uma importância enorme. Quando falamos em sustentabilidade, falamos numa visão integrada das empresas, naquilo que é também o seu compromisso com a sociedade em geral e com as problemáticas que hoje nos trazem mais preocupações, nomeadamente as questões do ambiente, as questões sociais e as questões de transparência das entidades. Estes são os temas em que as empresas vão ter que se focar muito no futuro. E o contabilista certificado será um grande aliado desta mudança. Primeiro, porque é o contabilista certificado que pode trazer fiabilidade a esta informação não financeira. Quando falamos daquilo que é o trabalho dos contabilistas certificados, consiste essencialmente na prestação de contas, em produzir boas contas, em tratar a informação financeira. Mas agora o caminho futuro já passará por outras preocupações, que são exatamente as preocupações com o relato não financeiro.
Ou seja?
O relato não financeiro está relacionado com as preocupações que as empresas têm com o ambiente, isto é, que medidas tomam, o que estão a fazer em termos de cuidados, por exemplo, com a pegada ecológica, que mecanismos tiveram. Isso não quer dizer que diminuam custos, podem até aumentar custos, mas cujo objetivo seja proteger o ambiente e aquilo que possa influenciar o futuro da sociedade e do mundo. E depois há as questões sociais, que hoje em dia são muito importantes, quer ao nível da equidade, quer da questão da paridade. Portanto, tudo aquilo que diz respeito a uma maior igualdade. E, hoje em dia, as empresas devem refletir essa informação neste relato não financeiro. Ou seja, preocupações que leve um trabalhador que leia este relato financeiro a querer escolher aquela empresa, porque tem maiores preocupações com a saúde mental dos seus trabalhadores.
Esta questão dos benefícios até ganha outra importância quando se fala de uma crise tão grande de mão-de-obra, que é transversal a todos os setores…
Exatamente. Por exemplo, nos Estados Unidos – que apostam em matérias muito mais desenvolvidas do que cá e do que outros países, por exemplo – uma das questões que refletem esta informação não financeira é essa escolha e retenção de talentos e de colaboradores. Isto é, como estão com pleno emprego, são os colaboradores que escolhem as empresas em função daquilo que relatam face a essas preocupações. Em Portugal, o caminho também será este. Depois, na parte social, além de abranger a parte interna da empresa na sua relação com os trabalhadores, etc., também tem que ter outra preocupação que é a sociedade onde se insere. Por exemplo nos locais – em vilas, aldeias e cidades – que preocupações é que tem em conta com o meio envolvente. Por exemplo, que ações sociais têm? E se realmente incentiva os trabalhadores a olharem para o exterior e a fazerem algo pela sociedade que os rodeia. Tudo isso são compromissos que as empresas têm que assumir para o futuro e que as vão distinguir das restantes e que lhes vão trazer oportunidades diferentes.
Mais uma vez é importante tendo em conta a dificuldade de reter talentos…
Exatamente. E quando estamos a falar de governance já estamos a falar de ética e transparência naquilo que é a gestão das próprias empresas. Hoje em dia, cada vez mais, as empresas são reconhecidas e distinguidas pela forma ética como fazem a gestão dos seus negócios, até para captar investidores e para, acima de tudo, demonstrarem uma grande transparência na informação que partilham. Isto significa que as empresas devem ter regras muito rígidas de compliance, por exemplo, em relação a situações de corrupção. E devem também refletir de que forma é que podem evitar que essas situações ocorram nas empresas. A parte de governance é muito importante no sentido de trazer maior robustez às empresas para que tenham este tipo de comportamentos e sejam beneficiadas por terem este tipo de comportamentos. Qual o papel do contabilista? Pode trazer fiabilidade a esta informação. Os contabilistas e os auditores. Porque até agora, quem trata desta informação são os órgãos de gestão e embora possam ter auditorias, por exemplo, ambientais que possam reforçar aquilo que é informação que transmitem para o exterior, ninguém valida essa informação. E o que é importante é termos profissionais independentes, que já validam a informação financeira, a validarem também a não financeira.
Acaba por ter um papel reforçado?
Reforçado e até pode trazer fiabilidade. Uma empresa pode ser altamente prejudicial ao meio ambiente e a todo o meio que a envolve e relatar que cumpre os requisitos todos, como também pode dizer que está preocupada e que assume todos os compromissos e não o fazer e ninguém verifica.
Disse recentemente que há pouco incentivo ao aumento de salários e à contratação ou retenção de talentos. Com o aumento da inflação e com a subida das taxas de juros torna-se mais grave este pouco incentivo ao aumento salarial?
Temos várias preocupações, neste momento, do ponto de vista económico. Temos as preocupações, por um lado, do aumento dos custos energéticos e também das taxas de juro, que vão afetar diretamente as empresas. Mas, por outro lado, temos o problema das empresas terem procura, terem encomendas – embora estejam a começar a diminuir um pouco, mas ainda as têm – e terem dificuldade em poder corresponder à procura do mercado por falta de pessoal, por falta de mão-de-obra e por falta de matérias-primas. São assuntos diferentes, que se estão a juntar todos no mesmo momento. Uns que permitiam às empresas terem um crescimento rápido, que é terem trabalho, terem encomendas, terem procura. Mas por outro lado, os custos aumentaram e a falta de trabalhadores e falta de mão-de-obra está a fazer com que estes pontos negativos influenciem o ponto positivo que é o facto de as empresas estarem numa possibilidade de crescimento e de grande procura do mercado. Portanto, tem que se lidar de forma muito transversal e trabalhar em todas as frentes para que exista um equilíbrio precisamente na resolução de todos estes problemas. E é aqui que o Governo, de acordo com o que pensamos, tem que atuar preventivamente nestas áreas, nestes problemas muito complicados que as empresas estão a passar. Claro que estamos todos muito focados no aumento dos custos da energia, que tem muita influência nas despesas das empresas. Mas não é só esse o problema. É o das taxas de juro também. As empresas precisam de produzir, precisam de trabalhar e precisam de mão-de-obra e de ter matérias primas. Se não o tiverem, não conseguem trabalhar com ou sem custos elevados.
E a falta de matéria-prima é outra dor de cabeça…
Se não conseguirem produzir não há matéria-prima. Não conseguem dar continuidade aos negócios. Acho que tem de haver um foco muito grande nestes dois pontos. Tem de haver uma diplomacia económica que permita ajudar na compra das matérias primas. Por vezes, a intervenção de organizações – do Estado, da AICEP, por exemplo – e os próprios ministérios ligados a estas áreas, através de uma ajuda direta naquilo que é compra de matérias primas para o nosso país pode fazer uma diferença enorme. E não são apoios financeiros diretos, mas podem fazer uma diferença enorme nas empresas.
Seria uma diplomacia económica a nível nacional ou seria desejável que houvesse, por exemplo, como aconteceu com as vacinas, uma junção de várias entidades, nomeadamente europeias?
Se isso for possível, claro que a Europa tem um peso diferente. Mas atenção, a Europa está exatamente com os mesmos problemas que nós. Aquilo a que me estava a referir era mesmo uma intervenção só portuguesa na negociação em trazer as matérias-primas para Portugal. E todos os países da Europa estão com o mesmo problema. Isto é uma guerra económica na luta pelos produtos. E, portanto, é uma diplomacia para fazer trazer os produtos que as nossas empresas precisam. Claro que se for possível a nível europeu, melhor seria, desde que todas estivessem a convergir para o mesmo. E, às vezes, tenho algumas dúvidas se essas convergências se conseguem ir no mesmo sentido, é preciso ter algum cuidado. Aqui tem de ser mesmo a diplomacia portuguesa económica a funcionar e que tem de funcionar trazendo as matérias-primas para Portugal. Depois a questão do emprego é fundamental. Já há algumas medidas que têm tentado ajudar, mas acho que têm que ir mais além. Por exemplo, a retenção dos jovens. Já há uma medida de resolução do IRS para os jovens, mas tem de ser mais abrangente. Em vez de ter as restrições de quem acabou o agora o curso também quem está a entrar no mercado de trabalho, por exemplo, devia ser abrangido. Por exemplo, devia ser alargada aos jovens até aos 30 anos, sem restrições, mesmo se tivesse ou não trabalhado, porque, no fundo, não é só reter aqueles que acabam os cursos. É reter aqueles que têm um ou dois anos de trabalho e até já têm maior capacidade para serem contratados lá fora. Tem que haver medidas imediatas para reter os jovens em Portugal. Se até aos 30 anos tivessem uma taxa de IRS bastante mais baixa, acabavam por se fixar e trazer, obviamente, mais-valias à economia portuguesa, que é aquilo que precisamos também neste momento. Depois, também poderiam existir outras medidas que promovessem o aumento dos salários, em que as empresas também beneficiassem – aí terá que ser por via dos apoios, por exemplo, de benefícios fiscais para aumentos de salários. Os benefícios fiscais são sempre positivos: como diminuem no imposto a pagar, as empresas querem ir atrás disso. Principalmente as empresas que têm lucro, que são as empresas que também têm maior capacidade para contratar. Por isso acho que devia haver benefícios fiscais nesta lógica para conseguir que realmente os trabalhadores se fixassem em Portugal, por um lado, e, por outro lado, permitir às empresas darem um salto salarial necessário para os trabalhadores que já estão dentro das empresas. É importantíssimo que exista uma descolagem do salário médio do mínimo. O mínimo tem aumentado, mas o médio, não.
O salário mínimo é mais fácil porque é feito por decreto…
Mas têm que se criar medidas para haver um descolamento e é aí que são precisos incentivos fiscais, isenções, o que quer que seja para incentivar para que as empresas aumentem salários e tenham algum equilíbrio para este aumento de salários e de algumas ajudas. Até porque estamos num cenário todo ele muito instável. Não sabemos para o ano como é que a economia vai reagir face ao aumento das taxas de juro generalizadas e ao aumento da energia. Vai afetar famílias, vai afetar empresas e como é que todo o mercado vai reagir? Será que vai haver diminuição da procura e que depois vai afetar precisamente um campo em que agora estamos bem e que poderá não estar para o ano? Estamos realmente com variáveis muito incertas e é isto que gostaríamos de tentar perceber. Mas não conseguimos fazer futurologia. Como é que vai ser o comportamento dos mercados no próximo ano? Mas, mantendo-se ou pelo menos diminuindo sem afetar consideravelmente as empresas portuguesas, são os problemas-chave deste momento.
Falava dos aumentos dos custos da energia e da luz. O Governo anunciou na semana passada algumas medidas para as empresas, especialmente aquelas que têm uso intensivo nestas matérias. São medidas suficientes?
Penso que as medidas que foram lançadas ainda são insuficientes. Houve um aumento de mais 100 mil euros de apoio, de 400 mil para 500 mil e mais milhões em termos gerais. Acho que não vai ser suficiente face às percentagens de aumento que vão existir. Mas também acho que isto vai sendo acompanhado e vai sendo ajustado em função dos aumentos. Aqui, claramente, não sou muito favorável a mercados regulados, no entanto, nesta altura obviamente que só o controlo do preço é que vai conseguir resolver alguma coisa.
Uma das críticas feitas pelas entidades empresariais diz respeito ao facto de que grande parte dessas verbas, os tais 1.400 milhões que foram anunciados, será ao abrigo de empréstimos. O que significa que as empresas têm que se endividar…
Nunca fui favorável a linhas de crédito. Não acho que sejam apoios, exceto para as grandes empresas. Depois tradicionalmente e, em termos de uma gestão conservadora, os financiamentos não resolvem problemas de tesouraria. Portanto, os financiamentos devem existir para que as empresas consigam fazer investimentos ou trazer ou aumentar os seus lucros no futuro. Não para resolver problemas de tesouraria. Como é que vão pagar isso no futuro se os problemas se forem acumulando? Tivemos, por exemplo, financiamentos disponibilizados na pandemia que estão agora a ser pagos. Agora vão recorrer a novos empréstimos para fazer face à tesouraria de devido ao aumento dos custos energéticos? Isto é um acumular de empréstimos, de endividamento, que torna as empresas muito mais frágeis e, como tal, não sou favorável a esta medida. Não deixa de ser uma coisa positiva de existirem, de terem um período de carência e de terem a garantia de uma entidade que permite que quem já não tem capacidade para dar garantias recorra a crédito em situações limite. Agora, acho que as empresas têm que ser muito cautelosas nesta gestão. Uma boa gestão não consegue ultrapassar estes momentos de crise e de dificuldades de tesouraria com endividamento. Este equilíbrio, tirando as grandes empresas, empresas muito específicas, pode ser uma situação difícil de gerir.
Um dos temas em cima da mesa poderá ser a descida transversal do IRC como resposta à crise. Qual seria o valor desejável?
Sou defensora de uma descida acentuada do IRC. Todas as vezes que o IRC desceu, a receita não diminuiu e as empresas aumentaram os seus lucros. Portanto, isto tem sido uma realidade sobre a qual temos números para a comprovar. Claro que a descida do IRC deverá ser transversal, deverá abranger todas as empresas e acho que, neste momento, é importante que isso aconteça. Agora pode haver outros mecanismos para isso. Sou favorável quer à descida do IRC, quer à utilização de benefícios fiscais, porque os benefícios fiscais incentivam e, no fundo, vão diminuir o IRC para as empresas que tomem e façam determinadas ações ou opções que acabem por ser vantajosas para a economia e para o país. Neste momento, por exemplo, há a retenção dos lucros para aumentar os capitais próprios das empresas, que é um dos bons benefícios que existe e continuo a achar que se deve alargar este benefício, assim como também se deve descer o IRC. Eles são compatíveis porque o IRC não tem um impacto muito grande na receita. Portanto, a sua diminuição, se não se vier a provar a minha teoria, que acho que se vai provar, não vai haver descida no fim. Isto é: apesar da descida, a receita mantém-se ou até aumenta. Mas, na eventualidade de não o fazer, não é uma receita que mexa muito no Estado porque o IRC não é um imposto que dê muito rendimento. Acho que isto é um incentivo para permitir que as empresas com aquele IRC que pagariam poderiam investir, por exemplo, no aumento dos salários, na contratação de mais pessoas. Agora, isso pode ser por via dos benefícios fiscais ou pela própria consciência das empresas que, se não têm pessoal, não têm matérias-primas, não conseguem trabalhar. Se ficarem com mais trabalho, mais rendimento disponível – porque já não têm que pagar tanto imposto – vão investir nessas áreas, mesmo não sendo através de um benefício fiscal, pela própria lógica do mercado que as vai levar a isso.
Aliás, isso vê-se pelos dados da execução orçamental. O Governo tem alguma folga…
Muitas pessoas dizem que esse aumento da receita tem a ver com o aumento dos preços e da inflação. Mas não tem só. Claro que o Estado acaba por ser indiretamente um beneficiário do aumento dos preços, através do IVA e através dos impostos mas, na minha opinião, este aumento não se deve só ao aumento dos preços dos bens. Deve-se também ao aumento da rentabilidade das empresas.
Que também acaba por se refletir nos cofres do Estado…
Exatamente. E é isso que queremos: empresas mais sustentáveis, com maior riqueza, que criem riqueza, que paguem mais impostos, mas não em excesso. No entanto, isso representa mais impostos porque estão a produzir mais.
Os partidos esquerda já disseram que a redução deste imposto dá muito jeito às grandes empresas, mas que as outras ficam de fora….
Dá muito jeito a todas as empresas que pagam imposto. Acompanho muitas empresas: tanto pequenas, como grandes. E não me parece que os pequenos empresários se sintam menos satisfeitos do que as grandes empresas. Claro que as empresas de grande dimensão, que pagam mais impostos, vão com certeza sentir mais diretamente esse alívio. Mas, lá está, vai dar-lhes a possibilidade de investirem esse dinheiro. Claro que também podem distribuir lucros tendo esse dinheiro, obviamente. Mas também temos que perceber que as empresas existem para dar lucro. Existem para trazer rentabilidade, quer no pagamento de salários aos seus trabalhadores, criando riqueza, quer na distribuição de dividendos aos seus investidores. Se os investidores não tiverem retorno, não investem. Por isso é que as empresas criam riqueza. Não nos podemos esquecer – e aí não penso da mesma maneira que os partidos de esquerda – que quem traz riqueza aos países são as empresas com a criação de emprego. E não nos podemos desfocar deste ponto.
E em relação às medidas das famílias? Falou-se daqueles 125 euros, mais 50 euros de bónus para quem tem filhos, mais os 50% para pensionistas… Poderá ser um estímulo para o consumo?
Considero que essas medidas são positivas, ao contrário das medidas das empresas que poderiam ter ido muito mais além. Primeiro por uma questão que até se tem “gozado” na opinião pública que é uma pessoa da classe média ir gastar esses 125 euros para comprar um bilhete de um concerto, etc. Acho que é um gozo com o qual tem que se ter algum cuidado. Todas as pessoas podem brincar e acho que isso é de salutar mas acho que qualquer rendimento extra em famílias da classe média é muito importante. A classe média nunca teve nenhum retorno nem nenhuma ajuda do Estado. Continuo a dizer que a realidade portuguesa é na sua grande maioria composta por famílias de classe média – não é só dos rendimentos mais baixos – não chegam com 125 euros ao fim do mês. Este valor, nesse mês, pode ajudar numa compra de qualquer situação que esteja pendente, porque não há capacidade financeira ou até mesmo ajudar a ter ali uma poupança para quando precisar. É dinheiro. E é dinheiro que entra nos bolsos dos portugueses e acho que só isso é relevante. E não se pode menosprezar medidas como estas. São medidas muito importantes. São medidas que os portugueses não se vão esquecer. Pode-se gozar, pode-se brincar, pode-se dizer que podia ser feito de uma maneira ou de outra. Mas os portugueses não se esquecem. Tal e qual como os pensionistas que também não se vão esquecer que vão receber meia pensão extra.
Depois as dores de cabeça vão ser em 2024 quando houver alteração das regras das pensões.
Sim, mas o que é que preferia? Receber junto ou receber diluído? Há muitas questões que são muito questionáveis. Receber junto um valor tem um impacto completamente diferente do que receber distribuído ao longo de 12 meses. Até para as necessidades que possam existir e que estejam pendentes.
Não seria mais equilibrado, por exemplo, como alguns economistas sugerem que essa distribuição fosse proporcional ao valor das pensões?
Mas voltamos a dizer o mesmo. Porque é que que a classe média, que nunca recebeu nada, não fica contemplada? Pela primeira vez, contempla-se. Repare, há anos que estamos a dizer que a classe média é sempre a mais prejudicada. Quantas vezes ouviu isso em relatos e se calhar fez esses relatos no seu jornal. A classe média nunca é beneficiada, a classe média é a mais prejudicada, a classe média é que paga tudo. Pela primeira vez, está a atribuir-se valores também à classe média. Claro que os 5.000 e qualquer coisa euros, já é um valor que vai um bocadinho acima. É uma classe média mais confortável. Em vez de ser faseado é antecipado, porque aquele limite já é aquilo que está na lei. Só se mudasse a lei no sentido de não abranger. Mas, sinceramente, volto a dizer: é um sinal muito importante para a classe média, que foi sempre a classe que mais contribuiu com os seus rendimentos e com dificuldade para os impostos em Portugal.
Há sempre as vozes críticas..
Criticar é sempre possível, podemos sempre ver o copo meio cheio ou o copo meio vazio, não é?
E essa distribuição dos 125 euros que serão distribuídos poderemos assistir a alguma confusão? As Finanças têm a informação de alguns NIB, mas, por exemplo, quem entrega a declaração de IRS em conjunto só apresenta um….
O diploma, diz que, preferencialmente, esse valor será pago por transferência bancária. Portanto, presumo que o Estado esteja a acautelar outras situações. Agora, aquilo que temos recomendado e temos passado esta informação aos contabilistas certificados que são um veículo importante para que essa informação chegue ao maior número possível de contribuintes é que todos os contribuintes devam atualizar o seu IBAN no site das Finanças e na Segurança Social.
Para não ver desagradáveis surpresas?
Para não haver atrasos. Acho que todas as situações serão ultrapassados, mas podem é não ficar logo nesta fase inicial se não tiverem os dados corretos.
E como vê a hipótese de avançar com um imposto extraordinário sobre lucros de algumas empresas. A ideia até foi levantada pelo próprio ministro da Economia…
Não sou favorável a essa tributação pelos lucros excessivos. Há que analisar porque é que existem lucros excessivos e em que medida é que existem. Em Portugal já temos tributação para alguns setores, já temos taxas extra e temos a derrama estadual para quando os rendimentos atingem determinados limites. Portanto, já temos taxas extra e acho que penalizar, neste momento, de uma forma geral, as empresas que têm mais lucros é mais uma vez tirar dinheiro do seu próprio investimento. Agora, se calhar, estamos a falar de especulação dentro de algumas empresas, por exemplo, do setor energético, que já poderá ser analisado casuisticamente. De uma forma geral, não sou obviamente favorável a tipo de medida.
Até se fala que é uma dupla tributação em alguns casos…
Se houver uma especulação em que as energias estão a aumentar e as empresas estão a ter 95% de lucro, então é óbvio que têm de haver uma intervenção. Tem que se analisar e perceber o porquê. E se calhar também pressionar a União Europeia para mudar algumas formas de estabelecer os preços de mercado.
Quando fala da redução, por exemplo, do IVA, acha que são medidas que podem vir a ser apresentadas – estas e outras – no próximo Orçamento do Estado?
Acho que sim. Acho que Portugal tem que fazer um caminho até porque também estamos com a rentabilidade que está numa forma ascendente, mas tem de ter haver alguma precaução e prudência, porque não sabemos o que vai acontecer no próximo ano. Agora, o caminho parece ser reduzir o IRC para que as empresas possam aumentar salários e o Estado depois poder diminuir o IRS em função também do aumento da receita que vai ter em função desse aumento de salários.
Em relação ao PRR, continuam as mesmas polémicas, em termos de pagamentos. Têm chegado à Ordem algumas queixas sobre como o processo está a ser conduzido?
Não tenho ainda grande informação sobre as atribuições. Parece que já começaram a haver algumas atribuições esta semana a nível de alguns projetos de consórcios relacionados também com a academia, com a ciência e com o investimento. Portanto, já estão a começar a ser libertadas verbas, mas todos temos pouca informação. Penso que ainda está aquém daquilo que todos gostaríamos em termos das aprovações, de avisos e incentivos que existam. Portanto, acho que ficou um bocadinho aquém daquilo que era previsto. Espero que este ano, 2023 seja completamente diferente.
Em que as empresas, mais uma vez, ficaram esquecidas…
E que as empresas sejam novamente incluídas.
E como vê as alterações às regras da contratação pública. Considera que abre portas para haver uma ‘escuridão’ nestes processos?
Acho que são essenciais estas alterações, porque a contratação pública tem muitas coisas positivas, mas depois também tem outras muito limitadoras e todos estamos a assistir a um aumento de preços generalizados. E agora, como é que as entidades públicas têm que respeitar a contratação pública? É o nosso caso. A Ordem, que respeita a contratação pública, como é que reagimos quando os preços aumentam, disparam e rescindem os contratos connosco e não podemos fazer nada? É importante, por exemplo, o caso da alteração da lei que tem mais a ver com obras públicas, como é que no decorrer de uma obra de construção civil se consegue fazer face ao aumento dos preços, se não houver essas retificações? Agora tudo é preciso ser feito na mesma, com a transparência e com os cuidados necessários. Mas estamos realmente num momento diferente, em que os preços aumentaram. Portanto, como é que se pode fazer para dar continuidade às obras públicas e aquilo que temos entre mãos? Nós, por exemplo, na Ordem, que recorremos à contratação pública e a tudo o que são fornecimentos que tivessem a ver, por exemplo, com papel, que foram crescendo ao longo do ano e não conseguimos para contratar agora? Cada vez que fazemos um concurso público, no mês a seguir já são novos preços. E estou a falar de papel que é uma das matérias-primas que está completamente em falta em todo o lado. Depois, se formos para outras questões já mais complexas, como são obras, claro que o preço contratado há dois ou três anos e que está a decorrer uma obra, não o mesmo de hoje. Os preços dos materiais mudaram e as normas da contratação pública não contemplavam esta situação. Durante um longo período de tempo os preços não aumentavam ou era muito difícil aumentarem nestes períodos de tempo e o compromisso que existia na contratação pública podia-se manter, agora não se pode manter. Era essencial que houvesse este ajustamento, esta alteração e um aligeirar de algumas situações. Aligeirar não significa e nunca pode significar não haver a transparência necessária. Aligeirar, no sentido de permitir dar continuidade, mas sempre com a mesma transparência e com a evidência de que é do conhecimento público que todos hoje temos, do aumento dos preços de alguns produtos e da falta de mão de obra que também existe na construção civil.
E muitas dessas obras já foram adjudicadas…
Os problemas são os que já foram adjudicados, os que estão a decorrer, em que os preços hoje aumentaram 500%. Ora, o empreiteiro prefere rescindir do que estar a suportar esses preços que não tem capacidade de fazer. Mas continuamos a defender que isso seja feito com transparência e com rigor.