Seis meses de ‘nódoas no pano’ do Governo

A polémica com a ministra da Coesão Territorial é a mais recente ‘mancha’ num pano que quase já não se vê, como acusou Carlos Guimarães Pinto. Em apenas seis meses de governação, a lista de casos é cada vez mais extensa. E aumenta o nervosismo entre os socialistas.

«Só existem duas alternativas aqui: ou as empresas do seu marido devolvem os fundos ou a senhora ministra se demite. É que a terceira opção é passar o resto do seu mandato com isto como uma nódoa ética no seu Governo.  Eu até gostava de dizer que no melhor pano cai a nódoa mas, infelizmente, neste Governo já quase não se vê pano, só se veem nódoas».

Palavras de Carlos Guimarães Pinto, deputado da Iniciativa Liberal, durante a audição à ministra Ana Abrunhosa, na Comissão de Administração Pública, Ordenamento e Poder Local, que reflete uma realidade dura para o atual Governo: a tomada de posse foi há apenas seis meses, a lista de polémicas que o marcaram já vai longa e as próprias hostes socialistas já começam a temer que António Costa tenha, efetivamente, perdido o controlo do Executivo.

O caso mais recente envolve o marido de Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial, que detém duas empresas que terão recebido cerca de 200 mil euros de fundos comunitários, ao mesmo tempo que a ministra tutelava as entidades responsáveis pela gestão dos fundos. Empresa que, aliás, noticiou o jornal Página Um,  tem como sócio um dos condenados no caso dos ‘vistos Gold’. Zhu Xiaodong, bem como a sua mulher Zhu Baoe, que foram sentenciados por corrupção activa a mais de três anos de prisão, com pena suspensa.

É o tema do momento na política nacional, levando mesmo o Partido Socialista a admitir mudar a lei, apesar de ter sido «revista muito recentemente, em 2019» e de já garantir que «nenhum titular de cargo político pode intervir a projetos que digam respeito aos seus cônjuges ou familiares próximos», conforme afirmou Pedro Delgado Alves, vice-presidente da bancada parlamentar do PS. «A lei pode ser aprimorada e melhorada», admitiu o socialista, garantindo haver «recetividade» do partido para «propostas que aprofundem e assegurem transparentemente e com clareza que a legislação é boa».

O ‘nervosismo’ dentro do próprio partido, no entanto, já começa a ser notório, e as hostes internas movem-se para garantir um futuro pós-Costa, temendo que o atual PM já não tenha ‘mão dura’ sobre o seu Executivo, resultando na já longa lista de polémicas.

 

Mais uma

Não só, no entanto, de Ana Abrunhosa se faz essa mesma lista.

O recém-empossado ministro da Saúde, Manuel Pizarro, foi alvo de crítica, com muitos a acusar um conflito de interesses no seu casamento com Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas.

A mesma Ordem que foi criada em 2011, com o aval de Pizarro, então secretário de Estado da Saúde, e que tem Bento como bastonária desde a sua criação. Para salvaguardar a situação e evitar eventuais conflitos de interesse, Pizarro adiantou-se e decidiu delegar competências. «Tendo em conta a relação familiar entre o Ministro da Saúde e a bastonária, o ministro decidiu, desde o primeiro momento, não exercer os poderes sobre a referida Ordem. A decisão de delegar os poderes na Secretária de Estado da Promoção da Saúde será formalizada no respetivo despacho», explica o gabinete de Manuel Pizarro.

Ainda esta semana, a Presidência do Conselho de Ministros foi alvo de buscas da Polícia Judiciária, sendo o alvo da operação o secretário-geral David Xavier.

Antes destas polémicas, no entanto, contam-se outras, como o tête-à-tête que já se viveu entre os ministros da Economia e das Finanças, com  António Costa Silva a defender uma descida transversal do IRC, contrária à descida seletiva que consta do próprio programa de Governo e Fernando Medina a responder não lhe parecer «adequado» ter «esta ou aquela posição sobre esta ou aquela matéria ou seja». Medina é, aliás, também o protagonista de um dos vários ‘deslizes’ do Executivo nos últimos meses. É que o antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa contratou antigo jornalista Sérgio Figueiredo para seu consultor, com um salário mensal superior ao seu próprio salário base e depois de Figueiredo o ter contratado, no passado, como comentador da TVI. Mas os confrontos internos também se viveram entre o próprio ministro das Infraestruturas e o primeiro-ministro, ficando muito próxima a demissão de Pedro Nuno Santos após um desentendimento sobre o futuro aeroporto de Lisboa. Quem acabou por sair mesmo foi Marta Temido, ministra da Saúde, «por entender que deixou de ter condições para se manter no cargo», conforme a mesma defendeu em comunicado. A demissão surgiu após a polémica com o fecho de serviços de urgências de Norte a Sul do país, e com a morte de uma grávida depois de ser transferida do Hospital de Santa Maria por falta de vagas na neonatologia.

Ao Nascer do SOL, o sociólogo Alberto Gonçalves não poupa nas críticas: «Não havia nenhum motivo para imaginarmos que um Governo PS legitimado com maioria absoluta seria melhor que um Governo PS não legitimado por maioria absoluta, ou relativa ou parlamentar apenas. Aquilo que se previa – e é o que se confirma – o Governo PS com maioria absoluta iria apenas acentuar, afinar e aprimorar os traços que o definiam antes, e nenhum deles era bom».

Talvez fosse bom, admite, «para o próprio PS, mas não para o país». Quando fala nestes traços, Alberto Gonçalves refere-se ao «fervor em volta da carga fiscal» e a «incompetência do Governo enquanto um todo e dos seus membros isoladamente», porque «já há bastante tempo que ninguém de prestígio e de vergonha na cara aceita pertencer a um Governo em que se está apenas a mando de António Costa e dos seus interesses eleitorais, estratégicos e até pessoais».

Já Hugo Soares, secretário-geral do PSD, considerou, em declarações ao Nascer do SOL, que «este novo Governo conseguiu, em poucos meses, mostrar as fragilidades desta maioria absoluta». Um Governo, acusa o social-democrata que «está deslumbrado com a possibilidade de ‘tudo poder’», e um PS que «não conseguiu perceber, passados estes meses, que tinha um objetivo: conceder estabilidade política para fazer as transformações que o país precisa». Hugo Soares acusa o PS de ser «um partido imobilista» e o Governo de estar «sem Norte e sem autoridade». «Só usa o poder como rolo compressor. O governo está nesta altura completamente descredibilizado», dispara, considerando que António Costa «perdeu todo o controle do seu Governo por sua responsabilidade». «Não assume responsabilidades, nem as faz assumir. Com estas políticas o país vai continuar a empobrecer, a caminhar para a cauda da Europa e os serviços públicos cada vez mais a não servirem as pessoas», conclui o social-democrata.

O antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva assinou um artigo de opinião, publicado no jornal Público, onde diz sentir falta «reformas decisivas» que coloquem Portugal numa «trajetória de crescimento sustentável», pedindo «uma mudança de atitude do Governo».

Cavaco Silva mostra-se preocupado com a credibilidade do Executivo devido aos «comportamentos politicamente reprováveis de alguns membros do Governo», criticando António Costa por não ter demitido Pedro Nuno Santos após a polémica com o novo aeroporto. «Ao não fazê-lo, evidenciou falta de força política», considera o também ex-primeiro-ministro.

Em resposta às acusações de Cavaco Silva, tanto Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar do PS, como João Torres, ‘número dois’ da direção do PS, preferiram realçar dados que atestam o crescimento do país durante a governação socialista dos últimos anos, não abordando as polémicas que têm marcado o Governo que tomou posse há seis meses.