Por José Manuel Azevedo
Muito se tem falado de segurança social e dos ‘truques’ relacionados com o aumento das pensões de reforma para 2023 e anos seguintes; e das contradições entre o discurso do primeiro-ministro em junho deste ano, em que garantia que a fórmula de cálculo da atualização anual das pensões se aplicaria sem qualquer sombra de dúvida, e o de agora, em que já admite a necessidade de alteração da dita fórmula, atendendo à taxa de inflação que desde há muito tempo – ainda antes de se iniciar a guerra na Ucrânia – se traduz em perdas reais de rendimentos para a generalidade da população.
Não creio que se possa questionar a lógica que preside a esta possível modificação, ainda que se desconheça, à data, qual será a nova fórmula de cálculo. Com efeito, e como referiram inúmeros analistas, aumentar em 2023 e 2024 as pensões com referência à prevista taxa de inflação para este ano e o próximo, seria comprometer em muito os anos vindouros, em matéria de estabilidade da segurança social, com as consequências orçamentais negativas que daí adviriam.
Aliás, alterações ao método de cálculo das pensões e sua base de incidência não são de agora: recordo que em tempos idos a pensão era calculada com base nas remunerações auferidas nos 10 melhores anos dos últimos 15 de carreira contributiva, enquanto a legislação em vigor prevê agora a totalidade dessa carreira. Assumindo que a idade da reforma era de 65, isso significaria que as preocupações do comum dos mortais a esse propósito poderiam começar apenas a partir dos 50 ou mesmo 55, ou seja, que nos primeiros anos de atividade profissional, quando se é bem mais novo, seria legítimo admitir que tais preocupações fossem de menor monta.
Mas não se trata apenas da sustentabilidade da segurança social que justifica a escolha do título da coluna de hoje:
Financiamento da Segurança Social – já em 2018 a economista Teodora Cardoso, do Conselho de Finanças Públicas, alertava para o facto de, no financiamento do sistema de pensões, as decisões e os riscos terem de ser partilhados entre o Estado e todos nós, acrescentando que o primeiro não poderá sozinho eliminá-los, não cumprindo a sua missão caso criasse a ilusão de que tal é possível.
Se pensarmos na sociedade de hoje, envelhecida (quase 2.5 milhões da população residente tem mais de 65 anos, enquanto cerca de 1.3 milhões está no escalão etário até aos 14 anos), em que a população ativa – empregada e desempregada – é apenas metade da total e que, de 2015 a 2021, o número de residentes aumentou apenas 0,04% (com a contribuição decisiva da população estrangeira, que cresceu 80% nesse mesmo período) não será difícil adivinhar tempos muito complicados para os novos pensionistas, a não ser que a nossa tendência demográfica se alterasse significativamente nas próximas gerações.
Preços da habitação e do arrendamento – números recentemente publicados evidenciam que o preço das casas e o valor das rendas têm vindo a aumentar de forma relevante, muito por conta das aquisições de imobiliário que continuam a bom ritmo, tanto de portugueses como estrangeiros, e da deslocação do mercado do arrendamento tradicional para o do alojamento local. Acresçam-lhe o aumento igualmente significativo das taxas de juro do crédito à habitação, bem como os custos crescentes da energia e dos combustíveis. Estabilidade e segurança não farão certamente parte da nossa sociedade, em particular nos mais jovens e de menores rendimentos.
Emprego jovem – com uma taxa de desemprego global que evolui positivamente desde 2013, passando de 17,09% para os atuais 6,6% em 2021, mantêm-se os altos níveis de desemprego para os jovens até aos 25 anos (23,4%). Como poderão estes jovens sair de casa dos pais se não têm emprego e, aqueles que o têm, auferirem uma remuneração média inferior à do conjunto da população que, em 2020, era de € 1042? Que perspetivas de vida independente e constituição de família lhes são possíveis?
Criminalidade – apesar de algumas inconsistências nos dados constantes dos Relatórios Anuais de Segurança Interna, nem sempre permitindo comparações de alhos com alhos, e sabendo-se que somos avessos à participação formal, a realidade fria dos números da criminalidade diz-nos que nessa matéria Portugal de pouco tem que se queixar, em termos absolutos e relativos. Ainda assim, é ou não verdade que cada vez mais se veem na comunicação social notícias sobre confrontos entre gangues rivais, mortes de polícias, ataques a donos e clientes de bares, bullying nas escolas, episódios de violência doméstica, assaltos a residências e roubos de viaturas? E, muito recentemente, a intolerância e comportamentos inqualificáveis em certos estádios de futebol, com a ‘prestação’ passiva ou ausente dos agentes de segurança?
Houve um tempo em que uma geração trabalhava o que fosse preciso para poder garantir uma vida melhor à geração seguinte. Porque se sabia que assim aconteceria. E agora? O que podemos dar como certo, a não ser a propaganda, a navegação à vista e a mudança de regras a meio do jogo?