A gestão da ADSE está a ser estrangulada e impedida de funcionar com eficiência por um sistema de controlo burocrático injusto e totalmente desadequado à realidade atual, por parte de duas tutelas – a do Ministério da Presidência e o das Finanças – que interferem até na sua gestão diária mas que, por falta de capacidade ou deliberadamente, adiam decisões grandes ou pequenas tornando cada vez mais difícil e insustentável a situação da ADSE, causando graves ineficiências com consequências dramáticas para mais de 1,3 milhões de beneficiários”.
Este é um dos alertas de Eugénio Rosa, membro do conselho diretivo deste subsistema de saúde, numa carta enviada aos partidos com representação parlamentar para que essa situação seja tida em conta no Orçamento do Estado para o próximo ano, a que o i teve acesso.
Apesar de este ter ser um instituto público, está sujeito “a um controlo burocrático” rigoroso, a que se junta o facto de “ser espartilhado por duas tutelas”, o que impede “por um lado, qualquer gestão eficiente e, por outro lado, que cumpra a sua missão com eficácia em relação aos seus beneficiários”. Os problemas não se ficam por aqui: “Os despachos para realização de concursos, mesmo de miniconcursos, para aquisição de serviços ficam parados durante largos meses nas secretárias das tutelas à espera que sejam feitos”, denuncia.
E dá como exemplo a obrigação de entregar duas viaturas que estavam alugadas para a realização da sua atividade diária porque o prazo do contrato terminou a 30 de setembro e, até à data, a tutela “não despachou apesar do pedido de despacho ter sido enviado pela ADSE há cerca de dois meses”.
A somar a este caso há que contar ainda com outros cinco concursos que, de acordo com o economista, estão parados na secretaria de Estado de Orçamento, “alguns deles desde julho, em quem três deles apresentam valores entre 1180 e 4637 euros, num instituto para qual os trabalhadores e aposentados da Função Pública descontam das suas remunerações e aposentações na ordem dos 690 milhões de euros por ano”. E não hesita: “Assim não é possível gerir com eficiência e eficácia qualquer entidade”.
Eugénio Rosa diz também que face a estes entraves, os beneficiários estão a enfrentar cada vez maiores dificuldades no acesso a serviços de saúde no âmbito do regime convencionado, nomeadamente nos hospitais dos grandes grupos de saúde – como a Cuf, Luz, Lusíadas, etc.
Falta de resposta O membro do conselho diretivo deste subsistema de saúde diz ainda que a ADSE tem um quadro de pessoal de 279 trabalhadores, mas afirma que o número efetivo de trabalhadores que consegue ter atualmente é apenas 186, ou seja, menos 93 (-33%) do que aqueles de que precisa para poder funcionar normalmente. “Desde 2018 que procura, através de concursos externos contratar os trabalhadores com as competências que necessita, mas não consegue devido ao sistema burocrático e pesado de contratação pública a que está sujeito”.
O responsável lembra que o primeiro “megaconcurso” foi lançado pelo Ministério das Finanças em 2019, que decidiu centralizar a contratação de mil técnicos superiores para todos os serviços da administração central, em que dos 12 pedidos pela ADSE só recebeu um.
Depois foi a abertura de um concurso público, em 2020, para a contratação de mais de 20 assistentes técnicos, em que se inscreveram quase três mil candidatos, mas que “devido à pesada carga burocrática, e ao facto da ADSE não ter recursos para o fazer nem conseguiu obter uma solução externa, quer na administração pública, quer no setor privado, em que o concurso acabou por terminar sem que a ADSE conseguisse contratar um único trabalhador”.
A contribuir para este agravamento da situação está também o aumento das aposentações que se tem verificado neste subsistema de saúde, assim com o alargamento dos beneficiários aos trabalhadores das administrações públicas com contratos individuais de trabalho, o que leva a “ADSE a enfrentar atualmente uma situação insustentável”, sendo “incapaz de cumprir cabalmente a sua missão, que é a de servir bem os seus beneficiários e garantir a sua sustentabilidade”.
Redução de reembolsos O economista alerta também para o risco de as tabelas do regime livre da ADSE se manterem inalteradas desde 2004, ou seja, têm 18 anos. “É natural que os preços de muitos atos médicos tenham registados alterações. No período 2018/2021, os beneficiários que utilizaram o regime livre pagaram aos prestadores 1186 milhões e, daquele total, foram reembolsados pela ADSE apenas 549 milhões, ou seja, em média, 46,3% do que pagaram”.
E, mesmo admitindo que o valor do reembolso possa atingir, em alguns casos, 100% garante que o recurso ao regime livre representa um elevado custo para os beneficiários, uma vez que o prestador pode faturar o valor que quiser e a ADSE, na maioria dos casos, paga um valor fixo baixo”. E dá como exemplo que, para uma consulta no regime livre, o médico pode levar entre os 50 e os 100 euros, mas a ADSE reembolsa sempre com o mesmo valor: 20,45 euros.
No entanto, lembra que os beneficiários são, muitas vezes, obrigados a recorrer ao regime livre porque na sua região não encontram no regime convencionado a especialidade que necessitam ou porque o médico da sua confiança ou mais qualificado não está associado.
Quanto à atualização das tabelas do regime livre que está em curso, Eugénio Rosa afirma que surgiram, no conselho diretivo, duas posições: “Uma que defende que os reembolsos devem ser iguais ao encargos suportados pela ADSE no regime convencionado que, a vencer, determinaria uma redução significativa no valor de muitos reembolsos pagos atualmente aos beneficiários que se mantêm inalteráveis desde 2004; E outra posição, que é a minha, que defendo que a atualização não deve determinar qualquer redução do valor dos reembolsos pagos atualmente aos beneficiários, podendo até determinar para certos atos aumentos”, acrescentando que impasse que foi criado no conselho diretivo da ADSE levou a que a situação fosse colocada à secretária de Estado da Administração Pública que, por delegação da ministra da Presidência, tem a tutela da ADSE. “Já se passaram quase três meses e ainda não conseguiram dar qualquer resposta”, o que poderá, no seu entender, a que os beneficiários possam “ser gravemente lesados com a descida dos reembolsos”.
Compra de edifício travado O economista lembra ainda que o conselho diretivo decidiu adquirir um edifício, em Lisboa, uma vez que os dois que tem arrendados, a par do valor da renda exigem também um custo alto de manutenção, na ordem de um milhão de euros.
De acordo com o responsável, essa nova localização foi encontrada a um seu preço inferior a 3% do valor que tem depositado no IGCP e permitiria “disponibilizar aos trabalhadores condições dignas de trabalho, representaria um investimento cuja valorização era certa e permitiria à ADSE poupar anualmente quase um milhão em rendas e despesa de conservação dos edifícios que tem arrendado”. Mas a decisão foi travada.
“Embora o dinheiro não seja do Estado, pois a fonte são os descontos dos trabalhadores e aposentados da Função Pública, para pôr em prática este ato de boa gestão é necessária a autorização das duas tutelas e e estas bloquearam a aquisição adiando sine die a decisão. E compreende-se porquê? Os dois edifícios em que está instalada a ADSE são do Estado e a ADSE paga as elevadas rendas ao Estado, fixadas por ele, com o dinheiro dos descontos feitos aos trabalhadores e aposentados. Mais um caso de conflito de interesses em que os interesses dos beneficiários da ADSE são lesados”, conclui.