Por João Sena
Assistir a um jogo de futebol devia ser tão natural como ir ao cinema ou a um espetáculo musical, mas nem sempre é assim. A cólera, o ódio e a irracionalidade que reina nas redes sociais ganham uma dinâmica ainda mais violenta em dia de jogo, e a deslocação a um estádio pode revelar-se uma experiência traumática se for ‘apanhado’ numa das muitas manifestações de agressividade próprias das claques que vivem à sombra dos clubes.
Há muito que ouvimos responsáveis governamentais dizer que querem acabar com a violência no desporto, mas os maus exemplos sucedem-se a cada semana. E continua quase tudo por fazer. Pior ainda é o facto de o parlamento ter descriminalizado há pouco tempo o uso dos denominados ‘very-lights’ em recintos desportivos. Estavam à espera de quê? O mesmo acontece com o tão falado cartão do adepto que parece ter caído no esquecimento.
Fora da lei O lançamento de foguetes no interior de qualquer estádio é proibido, pois coloca em risco a integridade física dos atletas e espetadores, mas as claques não querem saber da lei. O deflagrar de fogo-de-artifício atrás da baliza do Sporting nos minutos iniciais do jogo com o Casa Pia motivou uma intensa carga policial naquele setor, no qual se viram cadeiras a voar e adeptos em pânico. Os incidentes foram demasiado graves, saltaram para opinião pública e obrigaram o Governo a reagir.
Para acabar com fogos-de-artifício que nada têm de espetáculo, e com a violência no desporto, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, avisou que o uso de pirotecnia volta a ser crime no âmbito da revisão do Regime Jurídico dos Explosivos e Substâncias Perigosas.
“Até ao final do ano o regime de uso de explosivos e materiais perigosos poderá ser aprovado e será no quadro desse regime que voltaremos a criminalizar o uso dos very lights”, anunciou, sublinhando tratar-se de “um trabalho que tem vindo a ser feito com a ministra dos Assuntos Parlamentares e com o secretário de Estado do Desporto”. O ministro reconhece que o controlo tem de ser mais eficaz porque “muitos adeptos usam engenhos pirotécnicos sob anonimato e tentam enganar as autoridades. Temos de encontrar mecanismos de sancionamento dessas práticas”, disse.
Depois de aprovado, o novo quadro entra imediatamente em vigor e contempla uma pena de prisão até cinco anos, ou pena de multa até 600 dias, para “quem transportar, detiver, usar, distribuir ou for portador de explosivos, artigos ou engenhos definidos no mesmo diploma, fazendo-o em recintos desportivos ou na deslocação de ou para os mesmos aquando da realização de espetáculo desportivo”.
O diploma refere como artigos proibidos engenhos explosivos improvisados ou artigos de pirotecnia, o que inclui qualquer engenho que tenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebidos para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro e gasoso. Ou seja, os very-lights.
Controlar os adeptos O titular da Administração Interna referiu ainda que o Governo tem preparado um diploma jurídico que vai proibir o apoio a claques não registadas na Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência (APCVD), mas essa era a intenção do cartão do adepto, um mecanismo de controlo das claques que praticamente ninguém (sobretudo os clubes) levou a sério.
O ministro explicou que esta iniciativa legislativa surge depois de o Governo ter aprovado na semana passada, em Conselho de Ministro, uma proposta de lei que vai regular a atividade dos adeptos e a forma como se organizam no apoio aos clubes. “Essa é uma dimensão que está a ser trabalhada e será submetida ao parlamento. É da competência da ministra dos Assuntos Parlamentares, enquanto o regime dos engenhos pirotécnicos é matéria da Administração Interna”.